Na Luta

Agroecologia nas eleições: movimentos atuam para ampliar debate sobre o tema

Pauta inclui reforma agrária e abertura de espaços de participação dos movimentos populares junto aos governos
Cultivo de alimentos sem uso de agrotóxicos é uma das premissas da agroecologia. Foto: Gibran Mendes

Por Nara Lacerda
Do Brasil de Fato*

Movimentos de defesa da agroecologia trabalham em um levantamento de políticas ligadas ao tema em estados e em nível federal para qualificar o debate ao longo do período eleitoral. O objetivo é elencar ideias que já estão em prática e que podem servir de inspiração para candidatos e candidatas, inclusive depois das eleições.

Também está em andamento uma análise do desmonte de medidas importantes para o setor observado ao longo do governo de Jair Bolsonaro. 

Segundo a engenheira agronomia Flávia Londres, que integra a Secretaria Executiva da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), a ação é parte da movimentação para projetar a agenda agroecológica, não só entre quem vai concorrer aos cargos políticos, mas também para a população em geral.

“Essas experiências têm que ser conhecidas, elas podem inspirar o debate e podem inspirar a criação de novas ações a partir dos próximos mandatos e legislaturas. Estamos fazendo uma grande escuta aos movimentos e lideranças que se articulam na ANA para construção desse documento de proposições. Esperamos que essa também possa ser uma contribuição para os nossos processos de mobilização.”

Para ampliar o espaço da agenda da agroecologia, a articulação já havia divulgado no início de junho uma carta compromisso com recomendações para a construção de políticas, que vem sendo entregue a candidatos e candidatas. O documento ambiciona a construção de respostas à crise ambiental e ao aumento da fome no país.

“Temos propostas, análises, dados e informações, mas sabemos que a visibilidade dessas propostas ainda é pequena. É um desafio nosso comunicar isso para a sociedade de forma mais ampla e colocar, de fato, o tema da agroecologia na pauta e na agenda das candidaturas. Há políticos historicamente comprometidos, mas também há candidaturas que são do campo popular, mas ainda não defendem a agenda de forma aprofundada. A intenção é influenciar o debate, colocar a agenda da agroecologia em evidência e conquistar apoio da sociedade na defesa dessas propostas”, pontua Flávia Londres.

Economia solidária e reforma agrária

Entre os pontos elencados na carta compromisso, a questão agrária é elemento chave. Segundo o especialista em agroecologia e desenvolvimento rural, Paulo Petersen, que atua no Núcleo Executivo da ANA, o debate sobre a reforma agrária foi esquecido até mesmo no campo progressista e é fundamental trazer o assunto de volta para combater a desigualdade estrutural do Brasil.

“O agronegócio tirou a reforma agrária da agenda e boa parte do campo progressista não tem discutido a temática, porque acredita que ela não faz mais sentido. Para não falar apenas da questão do campesinato, nós vivemos no tempo das mudanças climáticas. A reforma agrária é uma medida absolutamente essencial se nós queremos ter civilização no futuro. Não estamos falando só de alimento, estamos falando de outra relação com a natureza. O agronegócio é destrutivo, é expansivo, não tem freio e avança sobre os biomas”, alerta.

O pesquisador ressalta que a carta compromisso também levanta a necessidade de políticas de apoio à agricultura familiar camponesa “de forma agroecológica”, participação social e democratização do Estado. O documento ressalta ainda temas como as lutas feministas e antirracistas e o reconhecimento da cultura popular como motor de mudanças e soluções.

“Precisamos da economia solidária. Essas experiências que se desenvolvem nada mais são que a expressão da economia solidária. Agroecologia e economia solidária são irmãs siamesas. Nós não construiremos a agroecologia simplesmente com a mudança de certas tecnologias, é necessário construir uma nova economia”, diz o texto.

Depois das eleições

Os movimentos agroecológicos também almejam a retomada de espaços de debates, conselhos e comissões que possam proporcionar diálogo entre a sociedade civil e o poder público. Quem atua na área é unânime em apontar que, após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff e ao longo do governo de Jair Bolsonaro, esses mecanismos foram desmontados e extintos.

“Foi nesses espaços que nós pudemos contribuir para o aprimoramento e para a construção de políticas muito importantes. Podemos citar aqui, como exemplo, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), políticas no campo da defesa da sócio-biodiversidade, das sementes crioulas. Políticas que tivemos a oportunidade de contribuir para a criação e para o aprimoramento nessa ideia do diálogo, da participação e da construção coletiva”, enumera Flávia Londres.

A grande expectativa da iniciativa é, de fato, implementar políticas abandonadas e colocar em prática novas soluções após o pleito. Segundo Paulo Petersen, nos últimos anos a participação da sociedade civil nesse processo foi completamente impossibilitada.

“O próprio governo federal fez questão de fechar os espaços de diálogo. Mas a sociedade não ficou parada por causa disso. Muita ação ocorreu. São ações que são muito invisibilizadas, ocorrem nos territórios e têm a ver com a construção de novas economias. Quando falamos de solidariedade, não estamos falando de um valor movido na época da crise. Solidariedade é um valor permanente de uma sociedade que se quer justa, democrática e sustentável”, conclui o pesquisador.  

*Edição: Nicolau Soares/BDF