Em 2007, a luta é para retomar a Vale do Rio do Doce

Brasil de Fato
Luís Brasilino

A exemplo dos povos da Bolívia e da Venezuela, movimentos brasileiros se articulam para nacionalizar e reestatizar recursos estratégicos; agora é a vez dos minérios, vendidos de forma fraudulenta para os atuais proprietários da Companhia Vale do Rio Doce.

A campanha pela reestatização da Companhia Vale do Rio Doce será o principal eixo de luta dos movimentos sociais, em 2007. O compromisso foi assumido como a melhor forma de unir a esquerda brasileira e fazer luta de classes na Assembléia Popular do Estado de São Paulo, realizada entre os dias 8 e 11, com cerca de 550 pessoas presentes, representando 74 entidades.

Processos semelhantes estão sendo construídos em outras regiões do Brasil e todos irão confluir para a segunda edição da Assembléia Popular Nacional, marcada para a primeira quinzena de outubro, em Brasília. Em São Paulo, a inspiração veio da passeata na Avenida Paulista, que abriu o encontro. Na ocasião, todos os espectros políticos do campo popular deixaram de lado as diferenças e se reuniram para celebrar o Dia Internacional da Mulher e protestar contra a visita ao Brasil do presidente estadunidense, George W. Bush.

Para os participantes da Assembléia Popular, o mesmo pode acontecer com a Campanha da Vale. Valério Arcary, do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), lembra que a luta dos bolivianos, pelo gás natural, e a dos venezuelanos, pelo petróleo, mostram que é possível nacionalizar e reestatizar os recursos estratégicos privatizados no período de implementação do neoliberalismo na América Latina. Para ele, a aplicação desse modelo econômico e a decorrente deterioração das condições de vida da população estão minando a dominação exercida pelos Estados Unidos no continente.

“O aparato de segurança que acompanhou a visita do George W. Bush é um retrato do momento. Charles de Gaulle [ex-presidente da França] participou, na década de 1960, de um desfile em carro aberto pelas ruas do Rio de Janeiro”, compara. Como resultado do neoliberalismo, o desemprego só aumenta, acompanhado da ocorrência de crimes brutais e de demonstrações de força do crime organizado. “A agenda da burguesia para responder a esse processo é a criminalização da juventude, por meio da redução da maioridade penal. Já a nossa tarefa é construir a luta popular e constituir uma frente única que chegue até a última fábrica, o último assentamento, para dizer que queremos reestatizar a Vale. Esse é o nosso objetivo desse ano”, conclui Valério.

De modo a atingi-lo, está previsto para junho um curso massivo de formação, com cerca de mil militantes, sobre a Campanha pela reestatização da Vale. O ápice das mobilizações deve acontecer entre os dias 1º e 7 de setembro, com a realização de um plebiscito sobre a anulação do leilão que, em 1997, privatizou a Companhia, em um processo similar à Área de Livre Comércio das Américas (Alca) de 2002. Questionado sobre como convencer a população a entrar nessa luta, Valério provocou: “A pergunta é, vai parar ou não essa sangria? No século 17, levaram embora nosso açúcar; no 18, o ouro; e, no 19, o café. Por outro lado, a população continua miserável. E agora, vamos deixar que levem o ferro?”.

União das lutas

Combinada com a Campanha da Vale, os movimentos deverão encampar uma luta pela redução do preço da energia elétric (Leia mais)a. Segundo Luiz Dalla Costa, da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), desde a privatização do setor, a conta de luz já subiu cerca de 400%. “Nos últimos quatro anos, o preço dobrou. Isso porque as grandes empresas, que são aquelas que mais consomem, pagam muito menos do que os consumidores residenciais”, critica. Na região Sul do país, por exemplo, as indústrias pagam até sete vezes menos que a população.

Dalla Costa revela que um dos setores que mais gasta energia é a mineração. Por isso, que a Vale faz pressão permanente pela construção de barragens, as quais atingem milhares de pessoas e levam prejuízos ao meio-ambiente. Ou seja, como já não é mais estatal, a Companhia tem como principal objetivo aumentar seus lucros que, a cada três meses, superam o valor investido em 1997 pelos seus compradores.

Mãos à obra

Segundo Fátima Sandalhel, da organização da Assembléia Popular, essas pautas só vão se concretizar com o envolvimento do maior número de movimentos possível e do avanço da discussão e do processo formativo. “Nunca vamos conseguir fazer uma campanha como a da Vale se cada um estiver no seu canto e é essa união que a Assembléia Popular constrói, na medida em que se constitui num espaço que articula, dando conta para a diversidade, mas tentando, ao máximo, chegar a consensos e reforçar o que temos de comum”, observa.

Fátima valia positivamente os resultados da Assembléia Popular paulista. “Ela sai com um aprofundamento de uma série de atividades que estamos fazendo, desde Brasília em outubro 2005 [Assembléia Popular Nacional]. Conseguimos avançar também no envolvimento de outras organizações. Saímos no processo inicial de construção desse espaço com algo em torno de 15 movimentos. Hoje, temos 74”, analisa.

Diversidade

Além das campanhas da Vale e da energia, foram a Assembléia Popular paulista discutiu bandeiras de luta divididas em dez eixos temáticos e nove regiões, mais a capital do Estado. As centenas de propostas contemplam, por exemplo, a realização de edições da Assembléia Popular locais em Ribeirão Preto e no ABCD (região metropolitana de São Paulo), panfletagens sobre as campanhas da Vale e da energia entre 23 e 30 de abril e a lutas à favor do passe livre, da demarcação de terras indígenas e da soberania alimentar e contra os transgênicos, a exploração sexual infantil e a prostituição e a política de “higienização” promovida pela Prefeitura de São Paulo, que visa à remoção de albergues, ambulantes, pessoas em situação de rua, sem-tetos e catadores do centro da cidade.