Solidariedade não é caridade

Em campanha de combate à fome, MST já doou mais de 2300 toneladas de alimentos em todo o país
Ação do MST em Alagoas. Foto: Divulgação MST

Por Maura Silva
Da Página do MST

Em uma entrevista, o escritor e jornalista Eduardo Galeano disse: “Eu não acredito em caridade, eu acredito em solidariedade. Caridade é tão vertical, vai de cima pra baixo. Solidariedade é horizontal”. E é baseado nessa horizontalidade que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra chegou ao número de 2300 toneladas de alimentos doados em campanhas de solidariedade durante a pandemia do novo coronavírus.

O MST, ao organizar uma campanha nacional de doação de alimentos, ao mesmo tempo em que escoa a produção de acampamentos e assentamentos espalhados por todo o país, combate à fome e a desigualdade.

“As doações são ações diretas de diálogo entre o povo do campo e da cidade. Toda vez que ocorre uma doação da Reforma Agrária, chega na mesa de um brasileiro um alimento contra a fome e a desigualdade social pelas quais o Brasil sempre passou, mas que se intensificou agora nesse período de pandemia”, explica Kelli Mafort, da direção nacional do MST.

São 24 estados com ações concretas: Alagoas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pará, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins.

As ações vão desde doações de grande variedade de legumes, verduras, frutas e hortaliças, passando por marmitas com refeições prontas para entrega, até equipamentos de proteção individual e produtos de higiene como sabão e álcool em gel.

As doações, que inicialmente começaram a ser feitas por acampamentos e assentamentos, hoje integram duas campanhas mais amplas de solidariedade: a Campanha Periferia Viva, constituída pelo MST, Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), Levante da Juventude, Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) e Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), e a iniciativa “Vamos precisar de todo mundo“, composta pelas Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo. As duas campanhas contam a participação de diversas organizações urbanas e do campo na arrecadação e distribuição.

Mafort lembra que a solidariedade é um pilar fundamental, um princípio dos movimentos populares. “O que o MST faz hoje é devolver pra sociedade a solidariedade que recebemos desde a origem do nosso movimento. E essa solidariedade nesse momento tão difícil, em que a pandemia é de um vírus mas é também uma pandemia de fome”.

Caminhão cheio com doações do MST no Paraná. Foto: Joka Madruga

Os números do último mês comprovam essa teoria. Na região Nordeste, que já ultrapassou o Sudeste em número de casos da COVID-19, foram doadas mais de 21 toneladas de alimentos. Na Bahia foram mais de 200 toneladas de alimentos, além de mais de 15 mil sabonetes e equipamentos de proteção individual.

Em Pernambuco, a distribuição de marmitas solidárias, que acontece diariamente no Armazém do Campo, fechou o mês com a produção e distribuição de 42 mil marmitas. Atualmente, estão sendo distribuídas cerca de mil por dia. As marmitas solidárias também são doadas em todos os outros estados em que o Armazém do Campo está consolidado: São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Pernambuco e São Luís do Maranhão. 

Na região Sudeste, já foram distribuídos 16 mil litros de leite no Espirito Santo. Em Minas Gerais, foram mais de quatro mil cestas agroecológicas para os atingidos da mineração da bacia do Paraopeba e da bacia do Rio Doce. Em São Paulo além de todas as doações que partes dos acampamentos e assentamentos, a Editora Expressão Popular têm realizado doações de livros sobre saúde e agroecologia para profissionais do Hospital Vila Cachoerinha, em São Paulo e para o CAMI (Centro de Atendimento ao Migrante pra Bolivianos e Peruanos).

No estado do Paraná, além de mais de 200 toneladas de alimentos distribuídos, a Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória (Copavi), localizada no assentamento Santa Maria, em Paranacity (PR), doou 60 litros de álcool 70% para o Hospital Municipal Doutor Santiago Sagrado Begga. Além disso, em conjunto com os petroleiros, o MST doou 520 botijões de gás em bairros da capital paraense.

Em Rondônia a confecção de máscaras artesanais segue a todo vapor desde o início da pandemia e o Movimento também realizou a doação de mais de três toneladas de alimentos para a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) e para a Fundação Casa de Ji-Paraná.

A fome não respeita fronteiras

Na Venezuela, a Brigada Internacionalista Militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, está contribuindo no combate e na prevenção ao novo coronavírus na comuna de Altos de Lídice, no centro da capital Caracas.

Além das atividades de prevenção, estão sendo produzidas máscaras e outros equipamentos de proteção para a população. Na Zâmbia, a brigada Samora Machel atua na entrega e confecção de kits de higiene pessoal e no Haiti, a Brigada Internacionalista Jean Jacques Dessalines fez uma nova entrega de mudas de árvores, frutas e folhetos informativos para famílias das comunidades camponesas ao redor do Centro Nacional de Experimentação Agroecológia Tèt Kole.

Agricultura camponesa em perigo

A pandemia da COVID-19 evidenciou ainda mais a importância da destinação de recursos para a agricultura camponesa, pois esse é o único caminho garantidor da soberania e da segurança alimentar para a população brasileira. Nessa toada, o Movimento Sem Terra também denuncia o desmonte do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o descumprimento do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).

A utilização de linhas de crédito dos bancos públicos para o financiamento de agroindústrias e cooperativas também é necessária para a capacidade do campo seguir alimentando à todos. “Para que a solidariedade seja mantida e para que o produto continue saindo da roça para chegar até a panela vazia da cidade, não basta só  boa vontade, precisamos de políticas públicas”, finaliza Mafort.

A busca por uma sociedade mais justa e igualitária só é possível através da empatia e do cuidado. O Movimento Sem Terra tem na sua essência a luta pelo chão que faz brotar o alimento que garante a força e a saúde para seguir adiante.

*Editado por Luciana G. Console