Dia da Mata Atlântica

Assentamento na mata atlântica é referência em produção de alimentos saudáveis, em SP

Confira a experiência do assentamento de Reforma Agrária no Alto Vale do Ribeira, que alia a produção de alimentos saudáveis à preservação da mata atlântica
As 76 famílias assentadas cuidam da biodiversidade do bioma e produzem alimentos saudáveis. Foto: MST SP

Por Solange Engelmann
Da Página do MST

Instalado em uma área de 6 mil hectares de mata atlântica, o assentamento do MST, Luiz Davi de Macedo, no município de Apiaí, no Alto Vale do Ribeira (SP) foi criado dentro de um modelo de Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS).

No local atualmente vivem 76 famílias Sem Terra que cuidam da biodiversidade do bioma e produzem alimentos saudáveis, com base no projeto Reforma Agrária Popular do MST; sem uso de produtos químicos e/ou agrotóxicos, com cultivos que ajudam a preservar a natureza.

“As famílias cuidam da mata, das nascentes. Os espaços agricultáveis são de pequenas áreas, clareiras no meio da mata, em que as famílias não usam nenhum tipo de produtos químicos. Então, essa é uma grande virtude do assentamento”, explica Delwek Mateus, do setor de produção do MST e que vive no assentamento.

Nesse sentido, Delwek ressalta que o assentamento se reafirma como um modelo de produção sustentável e tem se tornado referência na preservação da mata atlântica na região, pois trabalha com a parceria entre a recuperação da mata e a produção de alimentos de qualidade, para o autoconsumo das famílias e a comercialização no mercado da região.

“Esse modelo de produção tem uma harmonia com a natureza, a produção desenvolvida não traz nenhum tipo de agressão pela natureza, muito pelo contrário, tem um convívio harmonioso com toda a natureza, porque o assentamento fica no meio da mata atlântica e no Alto Vale do Ribeira”, pontua.

Alternativas de produção

As fontes de cultivo e renda das famílias do assentamento Luiz Davi de Macedo vem da produção de gado rústico, produção de leite – com uma parte sendo vendida de porta em porta na cidade e queijo. Alguns grupos de famílias trabalham com o cultivo de milho orgânico, e em parceria com uma empresa também são produzidos ovos orgânicos. Outra parcela de famílias produzem legumes, mandioca, abóbora, para o autoconsumo e comercializam o excedente. E uma família trabalha com a produção de artesanatos de bambu, confeccionando cestos, peneiras, e outros produtos.

A produção de milho orgânico do assentamento é certificada pelo selo de orgânicos IBD. Fotos: MST SP

Em relação à produção de milho orgânico, o dirigente do setor de produção afirma que as áreas de cultivo do assentamento são certificadas pela IBD, com o selo de orgânicos. E que há um esforço por parte dos assentados e assentadas em investir para aumentar essas áreas de produção de milho orgânico, buscando se tornar uma melhor fonte de renda para as famílias.

A IBD Certificações é uma empresa brasileira, que está entre as maiores certificadoras de produtos orgânicos e sustentáveis da América Latina, além do reconhecimento internacional. Segundo informações do site da IBD, o produto com o Selo IBD, é cultivado sem substâncias químicas nem transgênicas. E “está em conformidade com as leis sanitária, ambiental e trabalhista nacionais e esta garantia se estende aos fornecedores de matéria prima certificados pelo IBD.”

Por outro lado, no sistema de cultivo de alimentos em consórcio com a mata atlântica, as famílias também produzem grande parte dos alimentos que necessitam para o autoconsumo, como o feijão, mandioca, abóboras, verduras em gerais e legumes. E ao mesmo tempo, a partir das condições e da dinâmica de preservação da natureza no PDS, com todo o cultivo com produções orgânicas, os assentados e assentadas vêm adotando tecnologias, que auxiliam em tipos de produção que não agridem a natureza e não acarretam problemas ambientais no futuro.

Modelo de produção em parceria com a natureza adota tecnologias de cultivos que não agridem o meio ambiente. Foto: MST SP

Dessa forma, Delwek defende que o assentamento tem chamado atenção das comunidades locais, acerca da possibilidade de desenvolver um modelo de produção, com uma tecnologia que torna possível a produção de alimentos saudáveis e de qualidade, sem prejudicar a biodiversidade e que evita o esgotamento dos bens comuns.

“O projeto aqui é a produção orgânica e agroecológica, na medida em que for possível e tiver condições. O assentamento tem essa marca no município, e agora está produzindo o milho orgânico pra atender uma demanda de mercado, dentro da questão da agroecologia, inclusive com a certificação, com o selo orgânico”, ressalta.

Falta de investimentos públicos

Delwek relata ainda que, mesmo com a produção agroecológica e orgânica que atende ao autoconsumo da famílias assentadas e uma parte que comercializada para o mercado local, isso não tem sido suficiente para garantir uma boa renda para as famílias assentadas. Porém, chama atenção para a resistência das famílias camponesas, que diante dessas condições seguem avançando na produção.

Isso ocorre, pois conforme aponta o dirigente, a crise econômica, enfrentada pelas famílias do assentamento é latente e geral, devido aos retrocessos e desmontes das políticas de Reforma Agrária no Brasil, pelo governo de Bolsonaro. Pois, as famílias não contam com assistência técnica por parte do estado, nem do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), também há falta de créditos e de políticas públicas, como por exemplo, as compras diretas de produção, por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escola (Pnae). O primeiro extinto e o segundo enfraquecido por Bolsonaro, que não garante que seja mantida a obrigatoriedade de que pelo menos 30% dos recursos financeiros do programa sejam utilizados para a aquisição de alimentos da agricultura familiar.

“As famílias se mantêm no assentamento organizadas numa associação, e essa associação tem alguns equipamentos: trator, implementos pra cultivar as terras, um pequeno caminhão, pequeno transporte. Eles têm, inclusive muita dificuldade para manter essa associação organizada, porque tem um custo, de qualquer forma é algo interessante, o pessoal manter as condições de produção aqui”, conta.

Mudança de vida

Famílias assentadas antes trabalhavam como boias-frias. Foto: MST SP

Por outro lado, mesmo com algumas dificuldades as famílias assentadas passaram por uma importante mudança nas condições de vida, abandonando o trabalho de empregados como boias-frias em fazendas e empresas da região e conquistando a condição de agricultores camponeses, com casas próprias para suas famílias, um espaço de terra para viver e produzir, juntamente com a natureza.

Histórico

O assentamento PDS, Luiz Davi de Macedo foi criado em 2006. Embora tenha uma área de 6 mil hectares, o espaço para o cultivo da agricultura é de cerca de 500 hectares, mais algumas pastagens e alguns pomares de frutas. Portanto, o assentamento possui mais de 5 mil hectares que ainda são de mata atlântica, com cavernas, nascentes, cachoeiras.

Cultivo da agricultura ocupa somente cerca de 500 hectares, mantendo mais de 5 mil hectares de mata atlântica. Foto: MST SP

Segundo Delwek essa é uma das principais virtudes do assentamento, pois as famílias cuidam dos mais de 5 mil hectares de mata atlântica, que está sob a responsabilidade do assentamento, por ter sido criado em modelo de PDS. “Nesse território, não se usa nenhum produto químico, não se usa adubos químicos, agrotóxicos, nem sementes transgênicas”, conclui.

*Editado por Fernanda Alcântara