Artigo

Zoneamento Agroambiental do Setor Sucroalcooleiro do estado de São Paulo

Confira última parte da série especial que discute o Zoneamento Agroambiental (ZAA) para o setor sucroalcooleiro do estado de São Paulo
Plenária sobre Lei da Grilagem. Foto: Divulgação Alesp

Por Isabel Cristina Moroz-Caccia Gouveia, José Mariano Caccia Gouveia e Diógenes Rabello
Da Página do MST

Nesta última parte da série especial que discute o Zoneamento Agroambiental (ZAA) para o setor sucroalcooleiro do estado de São Paulo, abordaremos como as reflexões sobre o uso e ocupação da terra caracterizados pela concentração fundiária permite o desenvolvimento do modo capitalista de produção no campo, impactando diretamente a conservação dos recursos naturais. Diante disso, é fundamental tecer uma leitura crítica a respeito da Lei Nº 17.557/2022, que perpetua a grilagem de terras no Estado de São Paulo, intensificando a degradação ambiental promovida pelo agronegócio.

Convidamos para ler a Parte I e a Parte II desta série, onde explicamos o que é o Zoneamento Agroambiental e seus impactos para os recursos naturais, respectivamente. 

Convidamos para ler a Parte I e a Parte II desta série, onde explicamos o que é o Zoneamento Agroambiental e seus impactos para os recursos naturais, respectivamente. 

Parte III – Grilagem de terras é crime ambiental

A Lei Nº 17.557/2022, tem como justificativa a criação de um “Programa Estadual de Regularização de Terras”, foi apresentada e aprovada na ALESP por um conjunto de Deputados Estaduais da base do governo: Deputados Vinícius Camarinha (PSDB), Carla Morando (PSDB), Mauro Bragato (PSDB), Itamar Borges (MDB), Sebastião Santos (REPUBLICANOS), Reinaldo Alguz (UNIÃO BRASIL), Fernando Cury (UNIÃO), Campos Machado (AVANTE), Coronel Telhada (PP), Jorge Wilson –  Xerife do Consumidor (REPUBLICANOS), Frederico d’Avila (PL), Carlos Cezar (PL), Altair Moraes (REPUBLICANOS) e Gil Diniz (PL), parlamentares esses que são aliados da burguesia agrária,. 

O que temos compreendido da Lei é que fica evidente que o Estado avança no seu projeto ideológico de beneficiar a burguesia agrária em detrimento dos trabalhadores. Por meio deste dispositivo, poderão ser realizados acordos entre os latifundiários grileiros de terras e o Estado, através da Fundação ITESP, a fim de regularizar a situação jurídica da terra, seja qual for seu estado de julgamento da posse da mesma. Ou seja, terras já transitadas em julgado como devolutas, terras em fase processual de julgamento ou primeira ou segunda instâncias poderá ser regularizada como particulares, finalizando os processos de poderiam resultar em arrecadação das mesmas para a realização de assentamentos rurais.

Além dos aspectos que ampliam o conflito de classes no campo, no estado de São Paulo, esta Lei transitou e foi aprovada com graves indícios de inconstitucionalidade. Conforme manifestação da Advocacia Geral da União (AGU), que diz que “ O modelo de alienação previsto nos atos normativos sob exame padece de uma amplitude claramente temerária, pois deixa de preconizar a necessidade de que os imóveis públicos a serem alienados cumpram as macro diretrizes distributivas previstas nas normas constitucionais que regem as políticas nacionais de desenvolvimento agrário e urbano, sobretudo aquelas que ditam a normatividade da política nacional de reforma agrária (artigo 188, caput); de proteção ao meio ambiente (artigo 225, caput); de proteção aos interesses de povos originários (artigo 231); de regularização dos territórios quilombolas (artigo 68 do ADCT); e de concretização da função social da propriedade urbana (artigos 182 3 183)”

Também a Procuradoria-Geral da República (PGR) se posicionou favorável à medida cautelar solicitada pelo partido política, apontando que, “Assim, em juízo perfunctório próprio das medidas cautelares, a Lei 17.557/2022 e o Decreto 67.151/2022, do Estado de São Paulo, parecem invadir competência da União para legislar sobre direito agrário e normas gerais de licitação (art. 20, II e XXVII, da CF), e violar preceitos fundamentais que regulam a destinação do patrimônio público e, em especial, das terras devolutas, cuja alienação há de se compatibilizar com a política agrícola e a reforma agrária (art. 188 da CF)”.

Estas manifestações, que partiram de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), apresentada pela bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) na ALESP, indica esses graves indícios de inconstitucionalidade. Matéria que, inclusive, já tem sido denunciada pelo MST desde quando o projeto de lei foi apresentado, como por ser observado neste link.

Outro ponto fundamental que caracteriza a inconstitucionalidade, diz respeito a contrariedade de Artigos fundamentais da Constituição Federal e da Constituição Estadual. De acordo com o Art. 188 da Constituição Federal, “A destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o Plano Nacional de Reforma Agrária”. Desta forma, entende-se que ao alienar as terras em favor dos grileiros a Lei Nº 17.557/2022 contraria a Constituição Federal, cuja prerrogativa é de que elas devem ser prioritariamente destinadas à reforma agrária. 

Seguindo o que prevê a Constituição Federal, conforme consta no Art. 186. “A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”. Logo, ao beneficiar latifundiários grileiros, que, no aspecto da sua aliança burguesa com os setores do agronegócio, o Estado privilegia a produção de commodities, a monocultura e a pecuária extensiva e não faz cumprir a função social da terra. 

É de conhecimento comum de essas formas de uso da terra não condiz com o cumprimento da sua função social, posto que elas mantem a concentração fundiária, se desenvolve com base na degradação ambiental, na exploração irracional dos bens comuns e no uso intensivo de agrotóxicos.

Isso está vinculado, também, a outro afronte à Constituição, na matéria do Art. 255 da Constituição Federal, “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. […] § 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais”. 

O que temos observado sobre os retrocessos na política agrária no estado de São Paulo nos leva a concluir que a aliança entre latifundiários grileiros, setor agroindustrial e Estado tem perpetuado a concentração de terras e alargado a condição de desigualdade socioterritorial no estado.

No estado de São Paulo é contabilizado cerca de 1 milhão de hectares de terras públicas que deveriam ser destinadas para cumprir suas funções sociais, dessas, cerca de 500 mil hectares, metade delas, estão localizadas no Pontal do Paranapanema. Como mostra a figura da sequência, há um grande estoque de terras devolutas na região que ainda seguem em posse dos latifundiários e sendo exploradas pela monocultura da cana-de-açúcar.

Mapa da situação jurídica das terras na região do Pontal do Paranapanema/SP (2016). Fonte: Atlas DataCEETAS (2022).

O que está em questão, portanto, são os pactos obscuros das classes dominantes que abre vantagens políticas e ideológicas na sua condição hegemônica, mantendo seus privilégios através da concentração fundiária e busca ultimar o campesinato através do cerceamento de suas estratégias de lutas coletivas, da finalização dos processos de questionamento jurídico da posse das terras, do aparelhamento ideológico das famílias assentadas, o fim das políticas públicas e das diversas condições dignas de reprodução socioterritorial. 

Se observarmos a estratégia da burguesia agrária, na sua aliança com o Estado, apontamos para uma tentativa desvelada de impedir o processo de reforma agrária para novas áreas no Estado de São Paulo e na disputa de narrativas da potencialidade que representa a agricultura familiar camponesa para a produção de alimentos.

Com isso, temos um impacto direto no avanço da agroecologia. Conforme as terras públicas griladas vão sendo regularizadas para a condição de particulares (via acesso à Lei Nº 17.557/2022), vão se acumulando impedimentos para a arrecadação de terras para assentar famílias que poderiam se dedicar à agricultura de base agroecológica, criando um outro conjunto de conflitos territoriais para aquelas famílias que estão dedicadas na produção agroecológica (efeito deriva da pulverização aérea de agrotóxicos, perda de biodiversidade, contaminação dos recursos hídricos, etc).

Retomando os aspectos apresentados neste estudo, explicita-se que o Zoneamento Agroambiental do Setor Sucroalcooleiro do estado de São Paulo, na verdade se constitui em um “mapeamento das potencialidades agrícolas e das restrições legais para a expansão territorial do cultivo de cana-de-açúcar no estado de São Paulo”, pois os componentes do meio físico, em especial, não foram considerados em relação às suas fragilidades face à atividade sucroalcooleira. Isso se torna mais preocupante quando, em outra frente de atuação, o Estado permite que o uso e ocupação da terra continue sendo apropriado pelo agronegócio para a produção de commodities, como o que faz a Lei Nº 17.557/2022.

Concluímos, desta forma, que uma vez que não considera os elementos de vulnerabilidade socioambiental, a adoção do Zoneamento Agroambiental do Setor Sucroalcooleiro se torna um risco à conservação dos recursos naturais e a qualidade ambiental no Estado de São Paulo.

*Editado por Fernanda Alcântara