O descaso que gera os argumentos dos latifundiários e seus defensores
Por André de Oliveira e Jefferson Pinheiro*
É noite ainda, mas na casa de Rosa Maria da Rosa todos se movimentam como se já fosse dia. Com a cara amassada de sono, esfregando os olhos e tossindo, o pequeno Abraão resmunga que está muito cansado. A mãe diz que é preciso ir, e o ajuda a colocar o casaco pesado. Depois, é a vez de pôr uma segunda calça sobre a primeira. Faz muito frio e nem é inverno – estamos na metade de maio. Daqui a algumas semanas será pior.
O menino quase dorme em pé enquanto escova os dentes e reclama da água gelada. Rosa tenta animá-lo. Encolhido e de chinelos, ele senta na beira do fogão à lenha, segue tossindo, boceja, espirra, bufa. Seu corpo de criança de 6 anos pede pra voltar pra cama.
Gabriela, a irmã mais velha, de 11 anos, vai se arrumando quase calada e sorri a cada vez que Abraão se queixa. É ela quem abraça Marta, a bebê de 3 meses, traz pro colo e beija. E com a boca roxa do gelo anuncia: – já são cinco e dezesseis!
Um cão insistente chora lá fora. Marta quer o peito agora, mas já não dá tempo. Enrolada no cobertor, ela vai para dentro do carrinho de bebê. A mãe fecha o cadeado na porta, Gabriela sem um casaco treme. Tudo é escuro no pampa gaúcho quando os quatro mergulham nas estradas de chão do Assentamento Caiboaté, município de São Gabriel, Fronteira-Oeste do Rio Grande do Sul.
São sete quilômetros de terra e geada até o cruzamento onde passa o ônibus escolar. O carrinho da bebê vai trepidando sobre as pedras enquanto Rosa dança desviando das maiores. O menino se esforça para acompanhar o passo. Quando fica para trás, corre.
“Tem horas que me dá vontade até de chorar na estrada também, quando o Abraão chora. Porque ele é pequeno, dói as pernas. E a gente sabe que tem que forçar a ir”, desabafa a mãe. É difícil aceitar que os filhos sofram assim, já que a lei assegura o transporte escolar para que não caminhem tanto.
“A única coisa que dizem é que não podem fazer nada. A Prefeitura (de São Gabriel) fala que dentro do assentamento é o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) que tem que resolver. O Incra diz que não tem dinheiro. Disseram para nós que depois que arrumassem as estradas o ônibus ia entrar pra pegar as crianças. Depois disseram que não podiam por causa da chuva. Fazem o contrário do que dizem. Às vezes dá até uma revolta na gente.”
Assim começa o jogo de empurra-empurra. A Prefeitura, responsável pelo transporte escolar, acusa o Incra de não melhorar as péssimas condições das estradas internas dos assentamentos, afirmando que os ônibus da sua frota não têm condições de trafegar.
O prefeito Rossano Gonçalves (PDT) recorre a números para explicar o problema: “Temos 15 ônibus próprios e 14 terceirizados para o transporte de cerca de mil jovens do meio rural, percorrendo um total de 3,5 mil km diários”. Não há um que passe perto da casa de Abraão. “Para isso precisaria de veículos tracionados, que nós não possuímos”, afirma Gonçalves.
O Incra informa que no planejamento dos assentamentos não há verba para resolver o problema do transporte escolar interno provisoriamente, e que a construção das estradas sofreu atraso, cortes orçamentários e problemas de execução.
No entanto, o que se passa com a família de Rosa é regra nos oito assentamentos do município. Algumas crianças caminham até 10 km para chegar ao ônibus escolar. A negligência se repete há três anos e meio, desde que as 125 crianças assentadas em idade escolar chegaram aos lotes do assentamento Conquista do Caiboaté.
Muitas famílias estão se separando dos filhos, deixando-os na casa de parentes ou amigos para que fiquem mais perto da estrada. Algumas não colocam os filhos na escola porque não conseguem levá-los até lá. O Conselho Tutelar pressiona as famílias para que ninguém falte às aulas, mas não se envolve com a solução do problema. E quando um assentado resolveu levar seus filhos de carroça, foi advertido pelo Conselho de que seria responsabilizado por qualquer acidente no trajeto.
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Na tentativa de amenizar o sacrifício, as aulas acontecem apenas três vezes por semana. As Secretarias Estadual e Municipal de Educação tentaram estabelecer uma carga horária ampliada para atingir as 800 horas previstas no ano letivo, mas a falta de estrutura nas escolas não permitiu que as crianças usassem os dois turnos. Não havia espaço. Depois de um ano de insistência das escolas, a 18ª Regional do Conselho Estadual de Educação, responsável pelos alunos de São Gabriel, autorizou o descumprimento da carga horária mínima. Hoje, os alunos têm um déficit educacional de quase a metade do mínimo previsto em lei. “Fazer o quê? Eles têm que aprender, para terem um futuro melhor do que nós temos hoje”, diz Rosa.
Jacques Alfonsin, um Procurador do Estado aposentado e assessor jurídico de movimentos populares, entre os quais o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST/RS), diz que a situação só chegou a este ponto porque o próprio Conselho Superior do Ministério Público Estadual, em conjunto com a Secretária de Educação do governo Yeda Crusius (2007-2010), acabou com as escolas itinerantes dos sem terra, proibindo-as de funcionar nos locais onde a rede de ensino não está estruturada: “Para eles, era preciso acabar também com a possibilidade de essas crianças serem influenciadas por uma pregação ‘subversiva’, de ‘esquerda’, capaz de desviar suas mentes inocentes da devoção à lei, à ordem, à segurança, à liberdade, palavras costumeiramente pronunciadas de boca cheia por quem nunca teve a própria vazia”.
Sobre a dificuldade dos estudantes, diz o advogado Alfonsin: “Se alguém pretendesse conhecer mais de perto a dura realidade das crianças assentadas em São Gabriel, constataria que muito bicho está sendo bem melhor tratado do que elas. Touros e cavalos de latifundiários, sem dúvida.”
Trabalhando noutras terras
Normalmente, o agricultor assentado chega ao seu lote sem capital. Foram anos de acampamento em que, se tinha alguma posse, foi preciso vender tudo para se manter durante o período de luta pela terra. E a terra necessita de tempo para dar retorno econômico ao agricultor. Mas sem equipamentos e recursos é quase impossível. Como não se consegue viver do próprio lote nos primeiros anos, a principal alternativa que resta aos assentados é buscar trabalho fora dos seus lotes.
Enquanto Rosa madruga com seus filhos para levá-los à escola em São Gabriel, seu companheiro Lori acorda a 560 quilômetros dali, em Vacaria, do outro lado do Estado. Ele tira o sustento da família da colheita da maçã, uma atividade altamente prejudicial à saúde por conta do uso extensivo de venenos aplicados nas árvores, inclusive na hora de colher as frutas do pé.
São 60 dias direto dentro dos pomares, tendo para descansar apenas os alojamentos compartilhados. Rosa defende o trabalho do marido: “A maioria do pessoal aqui, se não sai pra trabalhar passa fome. O nosso plantio perdemos tudo. Plantamos com o recurso do meu marido no trabalho de Vacaria. Se não fosse ele, nós já tínhamos desistido. Quem está aqui ainda é por coragem mesmo ou porque não tem pra onde ir. O Incra nem sequer vem aqui”.
É também da colheita da maçã que Eleara Padilha traz para a família o dinheiro que lhes falta. Sem tradição na agricultura, a família está se adaptando à vida rural do jeito que pode. Mesmo depois de abandonar a periferia de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, e passar pelos acampamentos de lona preta, a família aprendeu muito pouco sobre como manejar um lote agrícola.
No assentamento, um lugar à beira da estrada RS-630 lhes proporcionou montar uma pequena oficina onde Dejair Machado (o Doca), companheiro de Eleara, constrói carroças, faz soldas, remenda pneus e conserta tudo o que aparecer: “Tenho essa renda do dia a dia, que nos ajuda a sobreviver, mas não é o suficiente. Só de luz, tem mês que pagamos R$ 100. E temos quatro filhos. Se fosse só para comer, minha renda daria, mas precisamos de roupa, calçados… Chegamos num dezembro, e já em janeiro a Eleara foi pra Vacaria para podermos comprar os materiais dos meninos, o nosso fogão e outras coisas para a casa, pois não tínhamos nada.”
Emerson Ricardo Coelho (conhecido como Faísca) conseguiu trabalho mais perto, na carvoaria vizinha ao assentamento Itaguaçu, onde trabalha– e respira a fumaça intoxicante – como diarista para ganhar uns trocados. Mas faz isso apenas esporadicamente.
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Entre os assentados, há muita concorrência por uma vaga nos fornos, mas a atividade não pode ser efetiva, porque é vetado que se assine carteira ou se trabalhe fora da sua terra por um período superior a 90 dias. Se isso acontece, o assentado perde o lote, que é colocado pelo Incra à disposição de outra família interessada, através de edital. “Minha família não quis vir, estão vendo o sofrimento que estou passando. Eu ligo e eles me conseguem alguma coisa de dinheiro. Não adianta, tá horrível mesmo. Eu só queria que o Incra nos enxergasse”, diz o agricultor. “Me sinto como se tivesse sido atirado aqui há quatro anos”. Ele diz que nunca recebeu um centavo de recurso público para estruturar uma produção.
Assim, muitos assentados muitas acabam indo trabalhar em grandes propriedades e outros negócios. Mas, para o Incra, não há contradição com a ideia essencial de reforma agrária – dar autonomia para as famílias. Diz o superintendente regional do Incra, Roberto Ramos: “Obviamente que a gente não vê isso com bons olhos, não recomenda. Mas se a realidade é esta, ninguém vai ficar passando fome à espera. Se as coisas estão atrasadas, estão demorando, tem que dar o seu jeito.”
Prometeram R$ 60 milhões, entregaram R$ 7
“Ao assentar aproximadamente 580 famílias [pelos dados do Incra foram mais de 700] numa das regiões mais pobres do Estado e dominada por latifúndios improdutivos, tinha-se a intenção de colocar ‘uma estaca no coração do latifúndio!’ O que presenciamos hoje é o descaso que fundamenta os argumentos dos latifundiários e seus defensores, que acusam os assentamentos de ‘favelas rurais’”, dizia um manifesto feito por assentados da região que ocuparam, em abril deste ano, a principal praça de São Gabriel para protestar contra o abandono.
Crianças que acordam de madrugada e caminham quilômetros para chegar ao ponto do ônibus, estradas precárias ou ainda no papel, falta de água potável e energia elétrica, lotes não demarcados por anos, famílias ainda morando em barracos de lona porque não receberam dinheiro para construir suas casas, atraso no repasse das verbas para a produção de alimentos. A lista de problemas é extensa. A esperança vai sendo minada, dia após dia, mês após mês, ano após ano. Em alguns assentamentos a desistência foi de 70% das famílias assentadas, que sem condições de permanência nos lotes voltaram para a periferia das cidades.
As famílias que permanecem esperam até hoje pelas promessas feitas em dezembro de 2008 pelos então presidente do Incra, Rolf Rackbart, e o Ministro de Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel. Na cerimônia de transferência da posse, Cassel afirmou aos recém-assentados que haveria R$ 60 milhões de reais em investimentos num prazo de até três anos (completados em dezembro de 2011), o que transformaria a economia local.
“Esta é uma região que precisa produzir mais, que precisa produzir mais alimentos. E sempre que a reforma agrária chega numa região, traz consigo desenvolvimento, acelera a economia, e é isso que a gente quer ter aqui em muito pouco tempo. Quero voltar aqui daqui um ano ou dois e ver isso aqui produzindo mais. Aqui era um grande latifúndio que faliu. Do ponto de vista econômico, prejudica o país. O que a gente quer é nessa área que está abandonada botar gente. Aqui, mais de trezentas famílias vão produzir, as pessoas vão ter trabalho, renda e toda a sociedade vai ganhar com mais produção de alimentos”, saudava Cassel na época.
Mas até agora foram aplicados apenas 7 milhões de reais. O prefeito de São Gabriel, Rossano Gonçalves, conhecido por estar politicamente no terreno oposto ao MST, critica o governo federal: “Por não terem a infraestrutura necessária, os assentados não conseguiram agregar nada economicamente ao município. Essas terras que foram desapropriadas eram produtivas para arroz, soja, trigo e pecuária. É natural que os assentamentos em construção e buscando emancipação tivessem dificuldades. Mas falta até para culturas de subsistência. Há muito pouca horta, criação de porcos e galinhas. Os assentados estão limitadíssimos”.
Se a reforma agrária agoniza, não está morta. Nacionalmente, mesmo com os parcos investimentos do governo para a distribuição de terras e concessão de créditos aos assentados (houve um contingenciamento de mais de 70% do orçamento do órgão este ano), o Incra já distribuiu, desde 1985, uma área entre 10 a 15% do território produtivo do país, e é responsável por políticas que atendem um milhão de famílias. Destas, pelo menos 300 mil foram assentadas como resultado de ações organizadas pelo MST.
No Rio Grande do Sul, o superintendente do Incra/RS, Roberto Ramos sinaliza que, agora, os investimentos devem migrar da obtenção de novas áreas para melhorar os assentamentos que já existem. Ramos estima que já no final deste ano não haja mais famílias sob barracos de lona no Estado. Essa também é a expectativa do MST e a promessa do governador Tarso Genro – ele prometeu e acabar com os conflitos agrários no Estado até o final de seu mandato, assentando todas as famílias que ainda estão em beiras de estrada, que não chegam a mil.
A política do abandono
Ramos reconhece que o tempo ideal para construir a infraestrutura de um assentamento é de dois anos. Mas estima que os assentamentos de São Gabriel terão toda a infraestrutura depois de cinco ou seis anos. Ainda assim comemora, dizendo que na maioria dos casos é muito mais demorado: “Isso não é um demérito para a reforma agrária, é a dificuldade do nosso meio rural. Tem bolsões de miséria de agricultores familiares em varias regiões, ainda com dificuldade de saneamento, com falta de água, de luz elétrica.” No caso dos assentamentos, ele diz que a culpa é da burocracia. A primeira coisa a se fazer são as estradas, e todo o resto depende delas estarem prontas. Mas para que sejam feitas é preciso realizar antes o estudo da área com seus impactos ambientais e desenvolver o projeto de construção, depois vem a licitação, e ainda pode esbarrar na falta de recursos, o que aconteceu em 2011, por conta da mudança de governo.
O dirigente do MST Cedenir de Oliveira conta que, no Estado, há assentamentos com 20 anos que ainda não têm estradas e água encanada. Em São Gabriel, ao longo dos anos a pouca mão de obra usadas nas grandes propriedades esvaziou o campo, e toda a rede de serviços foi fechada ou precarizada – foi o que levou, por exemplo, à ausência de escolas.
Marcelo Trevisan, o coordenador do Instituto que há poucos meses é o responsável pelas demandas da região, diz que “do nosso ponto de vista, São Gabriel não é e não pode ser vista como símbolo de fracasso”: “A visão de acerto ou erro não está diretamente ligada à aplicação de mais ou menos recursos, mas sim a um cronograma de trabalho sério que está sendo feito, não só pelo Incra/RS, mas pelas famílias e os parceiros que temos”, diz ele, enquanto vai enumerando as equipes disponibilizadas pelo órgão estatal: duas equipes trabalhando estradas, uma equipe trabalhando os bueiros das estradas, duas equipes de demarcação, uma equipe de parcelamento, uma equipe rediscutindo e readequando o assentamento Madre Terra, outra trabalhando o parcelamento e demarcação do assentamento Cristo Rei (último a ser criado), funcionários das concessionárias de energia fazendo adequações nos assentamentos e equipes de assistência técnica circulando.
Visão completamente diferente tem Sérgio Pinto, presidente da Associação dos Servidores do Incra/RS e líder da greve iniciada em julho. “A reestruturação do Instituto é importante para atender estes assentamentos que estão aí praticamente no abandono, porque não tem servidor, não tem orçamento, e o corte de custeio impacta diretamente no atendimento. São Gabriel escancara tudo isso, as famílias estão mal assistidas”.
Em 2008, o ano das promessas, o Incra/RS criou um escritório que iria centralizar todas as ações para a região. “Hoje nós só temos um supervisor neste escritório, que atende a 700 famílias. Ele está sobrecarregado, é uma infinidade de problemas e os recursos não têm chegado porque o orçamento foi reduzido. E isso é uma regra geral”, garante Pinto.
Os servidores do Incra, em greve desde o início de julho, denunciam que entre 1985 e 2011 o órgão teve o número de servidores reduzido de 9 mil para 5,7 mil, enquanto sua atuação foi acrescida em 32,7 vezes – saltando de 61 municípios para mais de 2 mil, com um aumento de 124 vezes no número de projetos de assentamentos.
Até o superintendente regional, Roberto Ramos, faz coro à mobilização dos servidores: “O que queremos da reforma agrária? Se eu opto por não mais assentar famílias é porque o meu projeto de desenvolvimento não precisa de mais gente no meio rural. Então qual é a outra forma de inclusão? Não podemos admitir que se pare com a reforma agrária para dar Bolsa Família. Esta é a resposta que o governo ainda deve para os servidores do Incra e para sociedade como um todo: qual o espaço do Incra e da reforma agrária neste governo?”, desabafa.
Os assentados, claro, apoiam as reivindicações dos funcionários: “Não tem como viabilizar a reforma agrária se não viabilizar um órgão governamental que dê conta de assumir a responsabilidade. No momento que a gente se mobiliza e o governo diz ‘certo, vamos atender a pauta de vocês’, mas as condições são estas, e na prática não revigora o Incra, o governo simplesmente está dizendo que as coisas vão andar no ritmo deles e não no ritmo da nossa necessidade”, aponta Isaias Darlan, um dos coordenadores do assentamento Madre Terra, informando que, no papel, os planos de desenvolvimento preveem que cada assentamento receberia verba para habitações, estradas, transporte escolar e três parcelas de fomento liberadas até o final de um ano.
Ramos garante que sozinho o Incra não tem condições de fazer tudo. “Ou outras instituições, órgãos públicos e ministérios se aliam para contribuir com a melhoria da qualidade (de vida) das famílias assentadas, ou acontece também o que está acontecendo lá. O Incra não tem instrumentos, não tem gente e nem recurso pra fazer num curto espaço de tempo tudo o que é necessário”.
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Trevisan, o coordenador do Instituto na região, completa: “É o Incra que tem que resolver o problema das escolas? Quem é responsável por colocar a escola e o transporte escolar são as secretarias municipais e estaduais de educação. É interessante, eu estive esses dias no assentamento Itaguaçu. Antes, diziam (a Prefeitura) que não podiam entrar dentro do assentamento, não tinha condições do transporte escolar entrar em nenhuma parte. Todo mundo tinha que ir até o inicio do assentamento pra pegar o ônibus. Após uma audiência pública convocada pelo Ministério Público Estadual (MPE/RS) estão fazendo o trajeto interno. Se pode hoje, então por que não podia há dois meses atrás?”, deixa no ar a questão.
O chamamento do MPE/RS a que Trevisan se refere ocorreu depois que representantes da Procuradoria Geral do Estado, da Procuradoria da República, de Secretarias do Estado, do município de São Gabriel, da Promotoria de Justiça local, representantes do Incra, MST, ONGs e o deputado federal Dionilso Marcon (PT-RS) – ele também um assentado – realizaram uma visita de inspeção no dia 4 de junho.
Com o diagnóstico da situação de emergência e afronta aos direitos fundamentais, o procurador geral do Estado, Eduardo de Lima Veiga, conduziu três audiências em Porto Alegre, entre 25 de junho e 30 de julho. “Foram reuniões em que se poderia sair com todos os problemas resolvidos. Estavam ali quem tem o dinheiro, quem pode operacionalizar, quem libera para abrir mão de licitação, nós que poderíamos nos organizar para ajudar”, diz Cedenir, o dirigente estadual do MST, que estava presente no encontro.
Lisiane Vilagrande, a promotora de Justiça de São Gabriel para Infância e Juventude pensa que o problema é anterior: “Me parece evidente a afronta aos direitos fundamentais, do ponto de vista da dignidade da pessoa humana. A questão é: como se permite a colocação dessas pessoas num local sem a mínima estrutura? Eu critico a decisão de se autorizar isso. Me parece que não se poderia permitir a presença de pessoas num projeto de assentamento e, sim, num assentamento. Essas pessoas deveriam ter vindo para cá já com água, luz, com acesso ao crédito, coisa que muitos estão obtendo só agora, três anos depois, e de forma insuficiente”.
As reuniões, até agora, conseguiram apenas informar um órgão ao outro o que este poderia estar fazendo. O Ministério Público Estadual fez uma recomendação de emergencialidade ao governador do Estado e ao Tribunal de Contas para que a Secretaria de Educação do Estado pudesse imediatamente construir escolas dentro dos assentamentos. Mas pra isso dependeria do INCRA terminar a abertura das estradas e fornecer o transporte interno aos alunos, já que a Prefeitura diz que não pode buscar as crianças dentro das áreas porque não tem os veículos adequados aos terrenos. E o INCRA saiu da última audiência apenas afirmando que vai avaliar a possibilidade de usar recursos de contratos de transporte que já existem, para oferecer às crianças. “Se alguma obra da Copa do Mundo ficar com alguma dificuldade de operação, você tenha a certeza que aquele mesmo grupo ali reunido resolve o problema”, diz Cedenir.
* Jornalistas independentes e fundadores da Cooperativa Catarse – Coletivo de Comunicação. Esta reportagem foi realizada através do Concurso de Microbolsas de Reportagem da Pública. Outras reportagens financiadas pelo concurso – com o apoio da Fundação Ford – serão publicadas durante este mês.