“O governo paulista legitima o processo histórico de grilagem no Pontal”
Por Vanessa Ramos,
Da Página do MST
Por Vanessa Ramos,
Da Página do MST
Em entrevista à Página do MST, Carlos Alberto Feliciano, professor de geografia da Universidade Estadual (Unesp), fala sobre a iniciativa do governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, de aprovar medidas que vão viabilizar a legalização da grilagem na região do Pontal de Paranapanema.
Segundo ele, a luta por Reforma Agrária é uma briga histórica no país, jamais enfrentada, de fato, pelo estado brasileiro. Se não fossem as ações dos camponeses na região, “o Estado não agiria implantando projetos de assentamentos rurais, e os latifundiários também não se organizariam para contê-los…”
Leia a entrevista:
O governador Geraldo Alckmin quer aprovar dois Projetos de Leis (PLs) que permitirão a venda de terras públicas na área do Pontal de Paranapanema. Como o senhor vê essa iniciativa?
O governo Alckmin está coerente com a proposta do PSDB iniciada em 1995 com o Plano de Ação para o Pontal e que se perpetua há mais de 15 anos. A equipe do governador Covas, na época, elaborou um projeto que previa a ação estatal em três momentos: a primeira fase se detinha sobre a Arrecadação e Áreas devolutas e Assentamento; a segunda, foram os acordos nas áreas ainda não discriminadas; e a terceira fase, a edição de uma lei de terras.
Nesse momento atual, o que era para ser uma discussão e atualização de uma proposta de Lei de Terras estadual, metamorfoseou-se em um projeto de regularizar todas as áreas do Pontal do Paranapanema. Esse projeto já estava pensado naquela época, porém, de acordo com a conjuntura (de fortalecimento do movimento camponês na região), jamais seria exposto abertamente. É mais tentativa do PDSB de emplacar esse projeto, tanto que não deu certo com a Lei 11.600 (regularizar até 500 hectares), quando o Alckmin era o governador, como também com o Serra com o projeto de Lei 578, apresentado em 2007.
A aprovação desses PLs seria uma forma de regulamentar as grilagens na região?
Sim. Se aprovado esse segundo projeto de Lei (nº 578), o estado, governado pelo PSDB desde 1995, efetiva as três fases de seu plano de ação, regularizando inúmeras práticas ilegais de grilagem de terras. A retomada de terras públicas, que já foram reconhecidas como tal em grande parte pelo poder judiciário nas ações discriminatórias, desde a década de 1950, vão se tornar, com essa aprovação, em propriedade privadas.
Ou seja, o Poder Executivo paulista adere o posicionamento político de reconhecer o processo histórico de grilagem no Pontal do Paranapanema, e pior, tornando-o legítimo.
É preciso deixar claro que essa é uma opção política. Definir se as terras públicas serão destinadas à projetos de assentamentos rurais ou a qualquer outra forma de uso público faz parte de um pensamento sobre o futuro de uma determinada região. Isso é um planejamento estatal.
Na década de 90, com a ação dos movimentos sociais, jamais essa proposta seria apresentada, pois a força dos camponeses impediria. Hoje, a correlação de força com a entrada do capital, travestido de agronegócio, é outra. Para o capital, torna-se importante a regularização. Por isso, o discurso do desenvolvimento (empresas) versus o atraso (conflitos, assentamentos) é forte no argumento apresentado pelo governo Alckmin.
Alckmin disse que a medida vai atrair mais investimento para a região. Você acha que a reforma agrária impede o desenvolvimento?
Na visão de desenvolvimento voltado a volumosos recursos, fluxos, movimentações e articulações políticas de capital, principalmente externo, os assentamentos rurais em nada contribuem. Esse é o olhar que o estado, sob forte pressão de empresas capitalistas, estão projetando para o Pontal, porém, esse é o desenvolvimento para o capital, contraditório ao tipo de desenvolvimento que os assentamentos rurais podem contribuir, em que os impactos socioterritoriais estão voltados para uma concepção de enriquecimento humano e social.
Há inúmeras pesquisas que revelam todo um aquecimento econômico, político, social e cultural nos municípios com forte presença de assentamentos rurais.
Qual será o impacto desses PLs na reforma agrária e qual é a importância das ocupações de terras na região do Pontal?
Caso esse projeto de regularização de terras acima de 500 hectares seja aprovado (pois o projeto 11.600 já foi aprovado e está sofrendo alterações), o estado pode, de certa forma, fechar uma porteira, mas os camponeses e a contradição do próprio capitalismo abrirão outras. Porque, a questão agrária é histórica, estrutural e jamais foi enfrentada abertamente pelo estado brasileiro.
As ocupações de terras representam a materialização dessa rebeldia camponesa na modernidade. As ocupações podem alterar suas formas, quantidades e intensidade, porém tornaram-se uma referência e experiência de luta acumulada historicamente por essa “classe incômoda”.
Você acha que a questão fundiária é um processo histórico intocável no Pontal?
Tudo é possível ser alterado se você tem uma concepção em que o mundo está em eterna transformação. São nas disputas das relações sociais que espaços e territórios se constroem, desconstroem e reconstroem. No Pontal do Paranapanema não foi diferente. Se não fossem as ações e necessidades dos camponeses sem terra de entender o processo de ocupação na região e toda a grilagem escancarada publicamente, o Estado não agiria implantando projetos de assentamentos rurais, e os latifundiários também não se organizariam para contê-los e propor outro projeto para a região.
Quais os significados de tudo isso, então?
É importante frisar que dificilmente os latifundiários/grileiros, hoje arrendatários de terras para o capital na região do Pontal, irão aderir massivamente a esse projeto de lei caso venha ser aprovado.
O estado historicamente já induziu a esse processo e eles nunca aderiram. Isso tem uma explicação. Primeiro, eles não se entendem como ocupantes irregulares, pois advogam e são bem orientados para isso, em dizer que a ocupação não foi de má fé.
Segundo, ao aderir a esse acordo, eles publicamente assumem que as terras são do estado. Ou seja, eles mesmos reconhecem que foram frutos da grilagem. Fazendeiro algum dessa região admitiria isso, pois na concepção deles, essa grilagem não tem sentido com sua ocupação atual. Terceiro fator, caso estejam propostos a aceitar esse acordo, somente o fariam se não fosse oneroso para seu bolso.
De acordo com o projeto de lei, o estado “regularizaria” (compraria) as terras de acordo com seu tamanho e o recurso seria destinado para um Fundo de Desenvolvimento para o Pontal. Na lógica dos fazendeiros/grileiros não há sentido essa proposta, pois eles ou seus familiares antecessores em algum momento compraram de boa fé essas terras, então eles novamente comprariam o que já são deles.
Esse é um argumento muito forte de uma parte dessa classe na região. Ou seja, somente aceitariam a proposta de regularização na base da “canetada”. O Estado transferindo legalmente as terras devolutas em terras particulares.