Culpa maior

Por Luís Fernando Veríssimo*

As caravelas de Pedro Álvares Cabral aproximam-se da praia, onde um grupo de índios as observa. Um índio olha para outro e diz: “ Iiih… Lá vem aquele papo de reforma agrária.” O papo de reforma agrária pode não ser tão antigo quanto o Descobrimento do Brasil, mas é certamente um dos nossos temas mais velhos e recorrentes. Tanto que adquiriu uma certa candura de folclore.

Falar muito de reforma agrária e nunca fazê-la seria uma das simpáticas inconseqüências brasileiras, algo como a nossa impontualidade ou outro mau hábito qualquer. Mas como era um ideal nobre, e o fato de termos tanta terra, agia como uma espécie de remorso geográfico permanente, a reforma agrária estava em todo discurso de candidato e todo programa de governo, à esquerda e à direita.

O grande, o imperdoável crime dos que começaram a organizar o movimento dos sem terra foi, em primeiro lugar, se organizarem, e em segundo querer transformar retórica em realidade. O de afrontarem um dos pressupostos do patriciado brasileiro e dos seus discursos, que é o de que a boa intenção se basta e os exime de fazer. Desafiaram uma das mais arraigadas tradições nacionais.

Não se trata de justificar ou incentivar as ocupações do MST e a ilegalidade, mesmo porque a violência sempre favorece a reação. Mas a culpa maior pelo ponto de combustão a que chegou a questão fundiária no Brasil não é do ativismo que hoje assusta, de multidões de enjeitados do campo e das cidades, que não são causa mas efeito, e sim de toda uma história de promessas não cumpridas ou mal cumpridas, insensibilidade, oportunidades perdidas — e bons discursos.

Não adianta nada, claro, ficar aqui dizendo que a conta da dívida social brasileira acumulada desde as caravelas, a conta de tudo que não foi feito, está chegando, quá-quá-quá e bem feito, porque numa combustão geral nos queimaremos todos. Mas não culpem as vítimas. Lula não vestiu um uniforme inimigo, como quer a reação, quando botou o boné do MST. O inimigo usa cartola. Ou usava, nas charges antigas.

*Artigo pulbicado originalmente em O Globo, de 10/07/2003

Breves

Exposição fotográfica ilustra a vida dos assentados

A fotógrafa Regina Stella acompanhou por cinco anos os progressos do assentamento Recanto da Conquista, no Distrito Federal. O resultado de suas observações está na exposição Dentro&Fora da Lona. A mostra pode ser vista até 27 de julho no Conjunto Cultural da Caixa Federal, em Brasília. Depois, a exposição segue pelas principais capitais do país. Para mais informações entre em contato através do telefone(61) 414-9450 ou pelo seguinte endereço eletrônico:[email protected]

Trabalhador rural de 66 anos é preso em Pernambuco

O trabalhador rural João Pereira da Siva, de 66 anos, foi preso no dia 1º de julho sob a acusação de participar de um saque de alimentos realizado na Região da Mata, no norte do Estado. João Pereira mora há 3 anos no assentamento Mussumbú, na zona rural de Goiana, PE.
O juiz da comarca negou o direito de fiança ao acusado e o enviou ao presídio da cidade de Abreu e Lima, sem levar em consideração sua idade e saúde precária. A atitude deixa clara a posição do Poder Judiciário em relação a questão da terra no Brasil.

Sem terra é espancada em Tarumirim

A trabalhadora rural, Francisca Masueta da Silva, de 70 anos, foi vítima de espancamento no dia 10 de julho, na fazenda onde está acampada há 18 anos, na região de Tarumirim. Ela foi surpreendida por dois desconhecidos, que lhe deram vários socos e depois tentaram afogá-la num córrego próximo. Francisca e outros moradores do acampamento vinham sofrendo ameaças a algum tempo e, segundo ela, os agressores agiam a mando do prefeito da cidade, que deseja expulsá-los das terras. O prefeito mostrou-se surpreso com as acusações e disse que fará o possível para encontrar os culpados.

Cartas

Gostaria de parabenizá-los pelas propostas. Enviei uma mensagem para o senador José Sarney conforme a orientação. A manifestação das elites rurais é sem consistência e desesperadora. O movimento está evoluindo, não há o que retroceder. Ou se faz a Reforma Agrária urgente ou os dirigentes deste pais perderão em breve a luta contra o crime organizado.Telvio Tavares [email protected]

Quero, como cidadã crítica e engajada nos destinos deste país, exercer mais uma vez o meu direito e dever: de protestar contra o panfleto ameaçador que os ruralistas distribuíram em São Gabriel, RS, contra os militantes do MST. Declaro o meu total repúdio às palavras proferidas pelos ruralistas porque são injustas, elitistas e discriminatórias. Não percebem que estamos construindo um país democrático, inclusive com a contribuição do MST em sua luta pela reforma agrária A Justiça precisa interferir nesse conflito e se manifestar contra tais atitudes dos ruralistas, que incentivam o ódio e o terror, além de serem inconstitucionais.Ana Maria Freire [email protected]

É impressionante como a mídia tratou o caso São Gabriel e vem tratando outras ações do MST. A Veja como sempre vem demonizando o movimento, enquanto a televisão tenta justificar no inconsciente das pessoas com doses diárias de informações mal elaboradas e tendenciosas, a fúria contra os sem terra. [email protected]