Nota do MST/RS sobre decisão do STF a favor do latifúndio
Santa Margarida do Sul, 14 de Agosto de 2003
Aos Trabalhadores e Trabalhadoras do Rio Grande do Sul e do Brasil,
Desde o dia 10 de junho, deixamos nossos barracos, nos cinco acampamentos existentes no Rio Grande do Sul, para marchar em direção ao município de São Gabriel, onde está o Complexo Southall. Ir acampar já é uma decisão difícil, mas estávamos convencido de que essa era a única forma que as autoridades conhecem para que o nosso sonho de ter um pedaço de terra fosse concretizado. Que se dirá caminhar por kilômetros, enfrentando a chuva e o frio.
E mesmo com todas as dificuldades, estamos há 65 dias na estrada. Enfrentamos a intolerância e truculência. Não houve sequer uma noite em que não tivéssemos que proteger nossos filhos dos tiros e rojões disparados contra o acampamento. As humilhações e provocações na beira da estrada. Os panfletos que nos chamavam de “ratos” e pediam que atirassem e envenenassem nossas famílias. Diziam que criávamos conflito e tensão. Mas não recebemos todas as autoridades que nos procuraram? Não evitamos o conflito todas as vezes em que ele parecia eminente?
Mas encontramos muito apoio. Em todos os municípios por onde passamos. Mesmo nas escolas onde éramos proibidos de entrar, quantas vezes os estudantes não vieram ao nosso encontro no nosso acampamento! E como agradecer aos proprietários que cederam suas terras para que pudéssemos posar e permanecer?
Acreditávamos que ninguém, em sua sã consciência, poderia defender uma área tão imensa como o complexo Southall, maior do que 133 municípios do Estado, com tantas dívidas e maior parte delas com o próprio povo gaúcho.
Estávamos enganados. Para nossa surpresa, dez pessoas se reuniram em Brasília e fingiram que nós não existíamos. Sorriram, discursaram, buscaram argumentos para defender um homem que sozinho possui 13 mil hectares, que impediu que suas terras improdutivas fossem vistoriadas pela lei, que bloqueou estradas para que a lei não fosse cumprida, que fugiu para não receber a notificação da vistoria.
Que estranho: um homem que faz tudo isto está protegido pela lei, nós que marchamos pelos nossos direitos é que somos os “fora da lei”, mesmo que tenhamos dialogado com todas as autoridades, que tenhamos lutado pela paz, que tenhamos cumprido todos os acordos.
A mesquinhez venceu a esperança. A injustiça esmagou a constituição. Como eles, nos seu ternos e gravatas, nos seus termos pomposos, poderiam saber o que passa um agricultor que não tem um pedaço de terra para produzir comida para seus filhos?
Mas mesmo assim, o Supremo Tribunal Federal não apagou do mapa o latifúndio. A injustiça continua ali em São Gabriel e em tantas terras do nosso Estado. As cercas da improdutividade continuam ali. O que o Supremo Tribunal Federal disse é que nossas vidas, oitocentos marchantes, valem menos do que a terra improdutivas do senhor Southall.
Mas nós existimos e não desistimos. Agora sim, temos certeza que não caminhamos só por nós. Que lutamos para que nenhum trabalhador, gaúcho ou brasileiro, tenha seus direitos desrespeitados pela mesquinhez e pela injustiça. Caminharemos com a Constituição Federal em mãos. E seremos vitoriosos.
Porque nem mesmo a cegueira do Poder Judiciário, nem mesmo a truculência e violência do latifúndio, vão nos impedir de plantar e colher.
E esperamos cada um de vocês neste sábado, quando nos reuniremos em São Gabriel para dizermos em alto e bom som que propriedade improdutiva nenhuma pode estar acima da vida de qualquer pessoa.
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra
Marchantes rumo à São Gabriel