“Metade das terras em São Gabriel é improdutiva”, diz produtor local
Léo Gerchmann
da Agência Folha, em Porto Alegre
O produtor Viterbo Garcia da Rocha, 67, tradicional morador da zona rural de São Gabriel (RS), surgiu como a personificação da tolerância em meio ao clima de confronto existente no município.
“Seu Bita”, como é conhecido, ofereceu 80 hectares ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) para seus integrantes acamparem enquanto esperam o STF (Supremo Tribunal Federal) decidir a respeito da desapropriação de 13,2 mil hectares no município.
A desapropriação, definida pelo governo federal, foi suspensa pelo STF. Um grupo de 800 sem-terra iniciou, então, uma marcha de apoio à sua execução. Os ruralistas locais, em oposição, realizaram sua “contramarcha”.
Antes disso, estabeleceu-se a tensão, com cartas apócrifas propondo morte aos sem-terra, definidos como “escória” e “ratos”.
O prefeito e proprietário rural Rossano Dotto Gonçalves (PDT), 40, adotou o bordão “ame-o ou deixe-o [o município]” para quem apóia os sem-terra, retomando frase utilizada durante o período mais repressivo do regime militar (64 a 85).
“Metade de São Gabriel está sem plantar, e a função da terra é produzir. O que se vê por aqui é um monte de grota [barranco]”, declara “Seu Bita”, que, vestido permanentemente de bombacha e bota, planta arroz e cria gado.
Ele diz não temer os outros produtores e defende a desapropriação dos 13,2 mil hectares. “Sou a favor do MST. Com tanta terra, o povo não pode viver de cesta básica.”
Crítica aos ruralistas
Nem os ruralistas do município são poupados. “Eles não podem ficar decidindo quem deve ou não morar no município”, opina, contando que foi sua própria iniciativa a de procurar o diretório do PT e oferecer suas terras ao MST.
Sob a alegação de que os sem-terra não podem morar na cidade, o prefeito diz: “O município não tem condições de receber essas 3.000 pessoas, teremos de aumentar os serviços de educação e saúde. Haverá favelas rurais”.
Gonçalves afirma não temer ser chamado de reacionário ou de xenófobo. “Apenas defendo minha comunidade, que sabe o quanto a economia seria afetada caso haja os assentamentos que o MST quer. Não podemos abrigá-los”, afirma.
Com uma população de 62 mil habitantes, a renda per capita de São Gabriel é de R$ 6.300. A economia do município (329 km de Porto Alegre) depende da agricultura e da pecuária, especialmente arroz, soja e gado. O orçamento do município para 2003 é de R$ 30 milhões.