A Reforma Agrária é a mais importante reforma que o governo pode fazer

Estamos publicando aos leitores amigos do Letraviva o resumo dessas duas importantes entrevistas, que podem ajudar a compreender melhor a conjuntura atual da Reforma Agrária.

Ariovaldo Umbelino de Oliveira é professor e doutor em Geografia pela USP e também integrante da equipe do professor Plínio de Arruda Sampaio, responsável pela elaboração do Plano Nacional de Reforma Agrária do governo Lula.

Em entrevista ao jornal Brasil de Fato, de 7 de janeiro de 2004, ele revela dados sobre a propriedade improdutiva no Brasil e o papel político dos movimentos sociais.

Já o presidente da CNBB, cardeal Geraldo Majella Agnelo, cobra pressa de Lula na condução das reformas, principalmente a agrária. Na entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, de 31 de dezembro de 2003, o arcebispo de Salvador e primaz do Brasil elogia o empenho do governo em combater a corrupção e afirma “A Reforma Agrária é a mais importante reforma que o governo pode fazer, porque atinge as raízes da injustiça social

Brasil de Fato – Qual o balanço do primeiro ano de governo Lula na questão agrária?

Ariovaldo Umbelino de Oliveira – Esse ano foi marcado por uma espécie de compasso de espera. De um lado, os movimentos sociais acreditando que o governo poderia implementar uma política mais arrojada de Reforma Agrária e, de outro, o governo que demorou um pouco para desencadear o processo de elaboração do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Só em meados de maio e junho, com o aumento dos processos de luta dos movimentos sociais, o ministério cuidou de preparar o PNRA. Isso mostra que, na realidade, Lula foi eleito sem um plano de fato para o campo. Ao mesmo tempo, há um clima de frustração no fim do ano, em função do baixíssimo índice de assentamentos que o governo conseguiu fazer em 2003. Então, o quadro não é nada animador.

BF – O que impede esse governo de fazer a Reforma Agrária?

Oliveira – Vivemos um período crítico pois aqueles intelectuais que estão ocupando cargos decisórios no núcleo duro do governo não vêem a Reforma Agrária como uma alternativa de política de desenvolvimento econômico. Ao contrário, vêem a reforma agrária apenas como uma política compensatória. É evidente que isso é contraditório porque os movimentos sociais estão aí. É praticamente o único setor da sociedade civil que responde rapidamente à ausência de políticas voltadas para o campo. A concepção desse núcleo duro do governo Lula se aproxima muito à concepção do governo Fernando Henrique. Ao analisar as metas do PNRA, vemos que elas não são muito diferentes daquilo que o último governo fez. Inclusive, são menores do que o próprio PT já teve nas eleições de 89 e 94. São metas que considero extremamente tímidas tendo em vista que não alterarão de forma significativa o índice de concentração fundiária do Brasil. Isso significa que uma parte será assentada, mas corremos o risco de ter muito mais acampados do que temos nesse momento, porque a meta deste ano não será capaz de assentar quem já está acampado.

BF – Então o PNRA não vai mexer na estrutura fundiária.

Oliveira – Exatamente. A primeira tentativa era de que a reforma agrária fosse feita em terras públicas. Quando se descobriu que essas terras eram insignificantes – havia praticamente 5 milhões de hectares de terras disponíveis – então o caminho seria a desapropriação. No entanto, houve uma tentativa de desqualificar os dados existentes no cadastro do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). É curiosa essa desqualificação porque no cadastro do Incra as informações são prestadas pelos proprietários rurais. É um cadastro declaratório. O equívoco foi achar que ao mexer no setor das terras cadastradas no Incra, mexeriam na estrutura do agronegócio, o que não procede. A área total ocupada pela agricultura brasileira hoje não vai além dos 50 milhões de hectares, num país que tem 850 milhões de hectares. Desses, se tirarmos 120 milhões de terras indígenas, 110 milhões de áreas de preservação, ainda restam mais de 500 milhões de hectares que estariam disponíveis. O cadastro do Incra aponta cerca de 410 milhões de hectares. Isso quer dizer que há aí uma faixa de 100 a 200 milhões de hectares de terras “não cadastradas”, terras devolutas. Mas se analisarmos Estados como São Paulo, Paraná ou Rio Grande do Sul, fortemente ocupados do ponto de vista da atividade econômica, fica a sensação de que não existem essas terras não ocupadas. Isso revela que as escrituras dos proprietários contêm uma área inferior à que eles de fato ocupam. Isso quer dizer que na hora que tivermos um cadastro fundiário rigoroso, se descobrirá que os proprietários ocupam mais terras do que de fato deveriam ocupar. Essa informação é valiosa pois poderia oferecer terras a custo quase zero para a reforma agrária.

Estado – As ações do governo para enfrentar problemas sociais são suficientes?

Agnelo – Não há dúvida de que Lula enfatiza, em seu programa de governo e nos discursos, a prioridade à solução dos problemas sociais. Penso, contudo, que suas ações ainda não têm sido tão fortes quanto seus propósitos. Já poderia ter realizado bem mais no campo das políticas sociais, se tivesse contido com mais rigor a voracidade dos credores e renegociado as condições de pagamento dos juros da dívida. A “dívida social” tem prioridade sobre qualquer dívida financeira.

Estado -Como analisa o desempenho do governo em relação à reforma agrária?

Agnelo – A reforma agrária é, a meu ver, a mais importante que este governo pode fazer, porque é a que mais fundo atinge as raízes da injustiça social em nosso país. Ela precisa ser ampla e capaz de quebrar a espinha dorsal dessa estrutura injusta, que é a concentração da propriedade fundiária. Não se trata de intensificar a política de assentamentos, mas de mudar prioridades: o agronegócio para exportação deve ser o complemento natural da agricultura familiar, e não o carro-chefe da política agrícola. O MST tem posição firme em defesa do Programa Nacional de Reforma Agrária, e merece respeito.

Estado – O governo omitiu- se em alguma área que exige urgência ou demora a atacar algum problema?

Agnelo – Sim, em duas áreas muito sensíveis. A reforma agrária, que a meu ver tem prioridade maior do que as da Previdência e tributária, e a promoção de um debate nacional sobre como encaminhar uma negociação soberana da dívida pública, que precisará ser feita.

Para ler a íntegra das duas entrevistas acesse www.mst.org.br/biblioteca/textos.reformagr/bf.htm

Breves

Índia recebe a IV edição do Fórum Social Mundial

Em sua primeira versão fora do Brasil, acontece a IV edição do Fórum Social Mundial, em Mumbai, na Índia, entre os dias 16 e 21 de janeiro de 2004. O Fórum contará com painéis conferências, e mesas de debates, seminários e eventos culturais. Para os interessados, o Fórum mantém uma página com informações sobre todas as edições já realizadas e os fóruns regionais no endereço: www.forumsocialmundial.org.br

Movimentos sociais se mobilizam em campanha de rotulagem de transgênicos

Como a Lei de Biossegurança estabelecendo as normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam os transgênicos ainda deve ser votada pelo Congresso, em data indefinida, e a portaria que obriga as empresas de alimento a rotular os produtos que contenham elementos transgênicos na composição entra em vigor apenas em fevereiro, MST e a Via Campesina estão incentivando a população e entidades sociais a rotularem desde agora os alimentos que contenham transgênicos.

Isso pode ser feito através de adesivo cujo modelo está sendo disponibilizado pelo MST para impressão, a fim de que sejam colados nos produtos por quem desejar participar da manifestação. Segundo as organizações, o ato será importante porque “o governo federal dificilmente vai fiscalizar esta medida”. Imprima agora mesmo o seu através o endereço: http://www.mst.org.br/campanha/transgenicos/meioamb12.htm

MST celebra 20 anos

O MST celebra em 2004, seus vinte anos de atividades. As comemorações terão início no próximo dia 22, durante o XXII Encontro Nacional do MST. Durante o dia acontecerá a palestra sobre a Organicidade do MST e a noite, a Cerimônia dos 20 Anos. O XXII Encontro que acontece entre os dias 19 e 24 de janeiro em São Miguel do Iguaçu, no Paraná. Ao longo do ano diferentes ações farão parte das comemorações.

Cartas

Obrigada pela mensagem e um ótimo 2004 para vocês também. Muita força nas lutas. Graça Gouveia- [email protected]

Companheiros, que 2004 seja um ano de muitas realizações e de muito sucesso na luta.
Abraços, Caporal. [email protected]

Que em 2004 possamos dar mais risadas, de preferência de alegria pela aplicação efetiva da lei da Reforma Agrária, e não de nervosismo pelas trapalhadas de certas figuras.
Abraço, Bolivar Gomes de Almeida. [email protected]