Dom Tomás diz que agronegócio é o pior caminho e pode levar à desertificação

Dom Tomás Balduíno, presidente nacional da CPT (Comissão Pastoral da Terra) e histórico militante na luta pela terra e pelos direitos dos povos indígenas, diz que jogou uma maldição no agronegócio, porque esta é a face mais nefasta do capitalismo. Ele defendeu que os avanços na luta pela Reforma Agrária não são em virtude do governo, mas, principalmente, de conquistas das organizações populares. Aos 81 anos, o religioso dominicano, que participou da fundação da CPT e do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) concedeu entrevista à AnotE (Agência de Notícias Esperança), informativo de pastorais e comunidades eclesiais do Ceará, durante assembléia regional da CPT, em Fortaleza, em 19 de junho. Ele criticou a criminalização dos movimentos sociais que “está sendo retomada com a quebra do sigilo bancário de entidades ligadas ao MST” e a posição do governo em relação às sementes geneticamente modificadas. “Apoiar os transgênicos é o mesmo que não querer a Reforma Agrária e a agricultura familiar”, afirmou.
A seguir, a entrevista.

A Reforma Agrária e a demarcação das terras indígenas são sempre questões polêmicas. Quais os avanços e as falhas do atual governo nessa área?

Há muitos avanços graças às próprias organizações populares, não ao governo. Por isso, acredito que o que foi feito pela Reforma Agrária nesse país se deve, quase totalmente, às ocupações de terra e demais mobilizações sociais. O marco histórico desta gestão é o Plano Nacional da Reforma Agrária (PNRA), porque é a primeira vez, em quinhentos anos, que o governo adota uma política concreta e efetiva na área. Embora considero o PNRA tímido e reduzido, porque não é aquele de um milhão de famílias que os movimentos e estudiosos provaram que é possível. Com relação à causa indígena, o governo está parado. O avanço que existe é de consolidação das organizações e articulação destas junto às entidades de apoio.

O MST é o movimento organizado de maior destaque na luta pela Reforma Agrária no país. Que relação a CPT mantém com os Sem Terra?

Sempre uma relação de companheirismo, colaboração e apoio. Alguns dizem que dizem que o MST é o braço da CPT. Isto desmere as organizações populares. A elite não acredita que o povo possa pensar com a própria cabeça e andar com as próprias pernas. O MST tem plena autonomia e é uma honra para a CPT proporcionar o nascimento de entidades autônomas, com direções, planejamento e estratégias próprias. Os movimentos nos comunicam, convidam e consultam, mas são eles os autores daquilo que realizam. A Igreja apoia e é solidária às ações e mobilizações dos movimentos.

O governo brasileiro vem apostando muito no agronegócio visando a exportação. O senhor considera este o melhor caminho?

Acho que é o pior caminho. Não sou contra o agronegócio no sentido de organizar economica e tecnicamente a agricultura. Porém, o modelo que está por trás disso, é nefasto: o lucro. Por outro lado, a organização dos movimentos do campo na luta pela Reforma Agrária visa a dignidade e a participação. É uma luta para recuperar os valores fundamentais da pessoa humana. Como no agronegócio o objetivo é o capital, parece que vale tudo. Destróem o meio ambiente, enchem de adubo e veneno o solo e substituem centenas de trabalhadores por algumas máquinas. Além disso, este setor não faz um uso consciente da terra, pensando no futuro. O resultado que teremos daqui alguns anos é a desertificação. Eles atingem as nascentes, que na sua maioria procedem do cerrado. Assim, estão acabando com essa vegetação. A técnica extensiva e o uso intenso de agrotóxicos contaminam o que resta dos lençóis freáticos, que acaba matando as plantas e animais.

O que os defensores do agronegócio chamam de métodos avançados está provocando um enorme retrocesso no nosso país, retornando à condição de Brasil Colônia e destruindo o ambiente futuro. No período colonial o Brasil era um exportador de pau-brasil, cana de açúcar, especiarias, café. Seguimos assim e alguns defendem que este é o caminho para o desenvolvimento: produzindo matéria prima para exportação, concentrando o dinheiro nas mãos de poucos e expulsando os trabalhadores do campo.

Além disso, o agronegócio também intensifica a concentração de terra. O setor avança no cerrado, no Pantanal, na Amazônia e também está dominando, com uma voracidade extrema, as pequenas propriedades. Ao mesmo tempo, a agricultura está sofrendo um processo de empobrecimento muito forte e os pequenos agricultores estão sendo obrigado a deixar a terra. Pequena parte do capital gerado pelo agronegócio contribui para o superávit primário, mas a grande massa de dinheiro fica nas mãos de poucos. Para a população trabalhadora não resta nada. É o empobrecimento do país e o enriquecimento da elite. Por isso, joguei uma maldição no agronegócio. Isso deu muita polêmica, mas eu sustento, porque é a face mais nefasta do capitalismo.

Como a CPT se posiciona sobre os transgênicos?

Ela foi sempre radicalmente contra os transgênicos. Os argumentos que defendem os alimentos geneticamente modificados como inofensivos à saúde não têm base científica, nem mesmo aquela declaração da ONU, que foi forçada pelos Estados Unidos. O que assusta é que usam a ONU para tudo, até para encobrir coisas que a ciência não definiu. Mas suponhamos que os transgênicos não sejam perigosos e que não haja mais dúvidas. Para nós, para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e para a CPT, o veneno está na hegemonia. Eles se tornam os donos da produção e da semente, formando um monopólio que elimina a agricultura familiar. Acredito que isto o governo Lula não enxergou no enfrentamento aos transgênicos. Apoiá-los é o mesmo que não querer a Reforma Agrária e a agricultura familiar.

Na sua opinião, o que o governo Lula deve fazer para responder às esperanças que nele foram depositadas?

Iniciar as mudanças é o que ele deveria ter feito desde o início, quando tinha toda a população naquela explosão de felicidade. Nunca um presidente da República teve uma comemoração assim tão bela e popular como a posse do Lula. Era uma força extraordinária que impulsionava as transformações necessárias para a nossa sociedade. O que a gente chama de mudança é fazer o Brasil dos brasileiros. Até agora, o Brasil é colônia do mercado internacional. Antes nossa metrópole era Portugal, hoje se chama FMI (Fundo Monetário Internacional) e OMC (Organização Mundial do Comércio). É o capital, sobretudo volátil, especulativo, sem pátria, sem povo e, ao mesmo tempo, dominando todos os povos, principalmente os pobres. É essa a mudança que Lula deve fazer e se ele não responder à esta necessidade, será a mesma coisa que qualquer outro governo. Afinal, qualquer um, de qualquer tendência, pode fazer um governo em que todo mundo tenha um pouquinho das coisas, mantendo essa dominação econômica. Até o Serra [José Serra, PSDB] pode fazer.

A gente não pode deixar de levantar a crítica, mas reconhecendo que demos um passo, que é mais do que Lula, é todo um conjunto de presença na instituição governamental. Temos consciência de que Lula está e tem de estar do mesmo lado que nós, por isso trabalho junto aos movimentos populares reivindicando dentro do governo, e não com um governo inimigo. Toda essa organização popular que cresceu e que o elegeu poderia impulsionar projetos como saúde preventiva, alfabetização em massa, Reforma Agrária massiva e abrangente que mude esta cruel estrutura fundiária. Isso tem, imediatamente, a colaboração das melhores cabeças e corações que estão nas bases populares.

Há uma clara diferença no outro lado, a direita está tentando retirar o tapete dele, porque eles não estão conformados com o fato de terem perdido o trono depois de quinhentos anos de dominação. Outro ponto que precisamos destacar é o fortalecimento da sociedade civil. Antes, por exemplo, a organização dos Sem Terra era um grupo criminalizado. Agora, alguns integrantes do Congresso Nacional estão retomando a criminalização com o pedido da quebra do sigilo bancário de entidades ligadas ao MST. São os deputados que comem mosquitos e engolem camelos. Os mosquitos do MST vão ser fiscalizados até os centavos, mas vão continuar de olhos fechados para os grandes roubos da Sudene e da Sudam (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste e da Amazônia, respectivamente), dos bancos, do dinheiro público e das privatizações.