Por que os EUA não são uma democracia
Por Emir Sader, Fonte Agência Carta Maior
A maior evidência da eleição nos Estados Unidos é que não se trata de uma democracia. O princípio fundamental do liberalismo – cada cabeça um voto – não existe naquele lá. Na eleição anterior, triunfou um presidente que teve menos votos que seu oponente. Pode ocorrer o mesmo na disputa da próxima terça-feira (2). Isto é, pela segunda vez consecutiva a maioria dos eleitores pode não fazer prevalecer sua vontade, tendo que se sujeitar a ser governados pela minoria dos estadunidenses.
Mais do que isso: os partidos políticos não servem para promover o direito de cidadania dos indivíduos, mas se constituem em filtros que só permitem que se candidatem os que contarem com o apoio dos grandes grupos econômicos do país. Basta dizer que para participar das eleições internas dos grandes partido nos 50 Estados do país, o candidato precisa dispor de muitos milhões de dólares, para poder estar presente no Estado, fazer campanha e poder ter um resultado que o credencie a concorrer à presidência. Não por acaso são membros das mesmas elites tradicionais – do leste ou do oeste – os que se sucedem na presidência do país. Como diz Millor Fernandes – é certo que Lincoln, um lenhador, chegou a ser presidente dos EUA, mas desde então nenhum outro lenhador chegou minimamente perto de ocupar esse cargo. Agora, pela primeira vez na história dos EUA, pode ser eleito o primeiro senador negro.
Esta campanha eleitoral bateu todos os recordes de financiamento das campanhas. A não existência de horário gratuito na mídia faz com que as candidaturas tenham de pagar por esses horários, o que se constitui em um negócio milionário para as empresas de comunicação – revelando porque ela é contra o horário eleitoral por aqui. Isso obriga que as campanhas tenham de ter arrecadações bilionária e elimina quem não consiga esses recursos.
Tudo isso impede os EUA de dar lições de democracia ao resto do mundo, de classificar quem é e quem não é democrático no mundo. Tudo isso impede os EUA de qualificar um regime de qualquer outro país como ditatorial, totalitário ou tirânico. Foi necessário que Bush vencesse com minoria e agora possa se repetir isso, para que se iniciasse o debate sobre a eventual possibilidade de implantar no país o princípio do voto majoritário.
Mesmo assim, o império do dinheiro e das grandes corporações é determinante nas eleições, definindo com um caráter de classe aberto quem exerce o poder nos EUA. Como podem cientistas políticos e outros afins continuar a eleger esse país como referência de democracia política? Como podem os editorias da grande imprensa se referirem ao sistema político estadunidense como uma democracia, como uma referência para outros países?
Ganhe Bush ou ganhe Kerry, com maior quantidade de votos ou apenas maioria no Colégio Eleitoral, não será um presidente eleito democraticamente. Até porque devem votar menos da metade dos eleitores. E estes não definirão por maioria simples quem governará o país que mais influência tem no mundo.