Declaração Universal dos Direitos Humanos faz 56 anos sem garantir igualdade
Declaração Universal dos Direitos Humanos faz 56 anos sem garantir igualdade
10/12/2004
Por Bia Barbosa
Fonte Agência Carta Maior
“Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”. O artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que completa nesta sexta-feira (10) 56 anos, é um dos mais citados internacionalmente e, paradoxalmente, o que se encontra mais distante de ser efetivado. Promulgada em 1948 pela Assembléia Geral das Nações Unidas, formada na época por 56 países, a declaração nasceu como um ideal comum a ser atingido por todos os povos e nações. Seu objetivo era fazer com que cada indivíduo e órgão da sociedade se esforçasse, através do ensino e da educação, para promover o respeito aos direitos e liberdades ali determinados e com que cada Estado adotasse medidas progressivas para assegurar seu reconhecimento e efetivação. Cinco décadas depois, o primeiro deles, que passa pelo reconhecimento da igualdade de direitos, ainda não foi, em muitos países, sequer reconhecido.
A afirmação é verdadeira para todos os 30 artigos da Declaração Universal. Sobram exemplos de países que ignoram completamente que os direitos e liberdades estabelecidas no documentos devem ser garantidos sem qualquer distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição – como prevê o artigo II. Os demais passam pelo reconhecimento e efetivação de direitos como o à vida, à educação, à saúde, ao trabalho, à justiça e à liberdade, e também pela recriminação de práticas como escravidão e tortura.
Sobram exemplos de violações desses direitos dentro de casa. E não é preciso ir longe para encontrá-los. Nesta quinta-feira (9), familiares, vítimas e testemunhas da violência cometida por policiais civis e militares no Estado de São Paulo relataram casos de execução, extorsão e tortura durante uma audiência da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa carregada de emoção. “Nos dias de hoje, discutir Segurança Pública é discutir estatísticas. Quando os números ganham um rosto, uma família que luta por Justiça, a discussão é humanizada. Assim, cada caso contribui para a luta da sociedade por uma polícia que cumpra seu dever, que é defender a sociedade e não agir como os criminosos”, acredita o deputado Renato Simões (PT-SP), presidente da Comissão.
Nos relatos, a violação clara do direito à Justiça. Uma pesquisa realizada pela secretária-executiva da Comissão Municipal de Direitos Humanos de São, Beatriz Stella de Azevedo Affonso, mostrou que 72% dos 226 processos analisados que correram no Ministério Público e que tinham integrantes da polícia militar como réus foram arquivados. O levantamento foi realizado em 20% dos casos registrados pela Ouvidoria da Polícia e teve como objetivo analisar os efeitos da lei federal que estabelece que os homicídios cometidos por policiais militares devem ser julgados pela Justiça comum. “O Ministério Público é conivente com a polícia militar. O caso do grupo de extermínio formado por PMs em Ribeirão Preto é exemplar, pois foi arquivado sem maiores explicações”, conta Beatriz.
Trata-se de apenas um exemplo das inúmeras violações que, cotidianamente, perpetuam um quadro que comprova a urgência do Estado em colocar em prática o que estabelece a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Para o ministro Nilmário Miranda, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, o Brasil tem avançado neste sentido. Ele cita como exemplo conquistas como o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Orgânica da Assistência Social e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
“Do ponto de vista da criação de direitos, o país está muito bem. Precisamos agora universalizar esses direitos e é impossível conseguir isso de uma vez só. O importante é que estamos avançando sempre. Pela primeira vez, tipificamos os crime de tortura, aumentamos os direitos das mulheres, das pessoas vítimas de preconceito e discriminação racial, das pessoas com deficiência. Agora vamos erradicar o trabalho escravo e o trabalho infantil. Estamos construindo a cada ano essa erradicação. Os indicadores mostram que estamos cada vez mais próximo de alcançar esses objetivos”, garante.
Um dia para lembrar e comemorar
Em 1950, a Assembléia Geral da ONU estabeleceu que o dia 10 de dezembro fosse lembrado por todos os países como o Dia dos Direitos Humanos, por conta da comemoração da aprovação da Declaração Universal dois anos antes. Neste dia, no mundo todo, a data é marcada por protestos, debates, manifestações, atos que lembrem e reforcem a importância de manter a luta viva. Entre sexta e domingo(12), por exemplo, a Anistia Internacional promove uma maratona global de cartas. No ano passado, em 24 horas, milhares de ativistas de direitos humanos de 30 países redigiram mais de 27.500 cartas de apoio a vítimas constantes de violações e coletaram 9 mil assinaturas em petições que buscam barrar estes crimes na Justiça. Este ano, são esperadas mais de 50 mil cartas.
Aqui no Brasil, há uma extensa programação planejada. Na Assembléia Legislativa de São Paulo, acontece a entrega do VIII Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos, numa homenagem também aos 25 anos da morte do operário assassinado pela polícia militar durante a ditadura, no dia 30 de outubro de 1979. Quem recebe o prêmio este ano é Ana Dias, viúva de Santo, reconhecida por seu trabalho comunitário na periferia de São Paulo, iniciado na década de 70, por sua militância junto à Pastoral Operária e por sua determinação em esclarecer o assassinato do marido. Antes da entrega do prêmio, acontece um debate sobre Gênero e Direitos Humanos.
Nesta quinta, também em comemoração ao Dia dos Direitos Humanos, líderes religiosos, parlamentares, representantes do movimento negro e estudantil e organizações de defesa dos direitos humanos participaram do Ato Contra a Intolerância Religiosa, no Museu Afro-Brasileiro, no Parque do Ibirapuera. “Temos que nos unir e mostrar que é possível conviver com as diferenças, sejam elas de credo religioso, de orientação sexual ou de etnia”, afrima o padre José Enes de Jesus, da Paróquia Nossa Senhora de Casaluci, em São Paulo, para quem os assuntos relacionados ao cumprimento dos direitos humanos e as iniciativas para combater práticas discriminatórias estão cada vez mais sendo discutidas.