Encontro reivindica projeto de desenvolvimento popular para o nordeste
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Encontro reivindica projeto de desenvolvimento popular para o nordeste
20/12/2004
Por Lucas Milhomens
Fonte Agência Carta Maior
“O sertanejo é antes de tudo um forte”. As palavras de Euclides da Cunha caracterizaram bem o clima presente na terceira edição do Fórum Social Potiguar (FSP), que aconteceu na cidade de Mossoró, no interior do Rio Grande do Norte, e terminou neste final de semana. Reflexões sobre o nordeste, a história de suas mobilizações sociais e a busca de alternativas sustentáveis para problemas seculares na região deram o norte às discussões e principalmente, às proposições apresentadas pelos diversos movimentos sociais presentes. Em consenso, a necessidade do nordeste de um olhar mais profundo sobre seus problemas e de uma participação mais democrática no enfrentamento dessas questões.
“Precisamos entender e sensibilizar as autoridades que, sem a participação democrática nas decisões e questões fundamentais para a região, estamos fadados a viver à margem do processo de desenvolvimento que há séculos se espera acontecer”, acredita a professora de economia política da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Eleonora Tinoco.
A observação da acadêmica não vem sem exemplos concretos do grau de afastamento das autoridades regionais e nacionais. O projeto de transposição do Rio São Francisco é um caso atual e de extrema relevância para o nordeste cujo debate ainda não inseriu a população excluída do sertão. Na visão dos participantes do III FSP, a proposta de acabar com a seca no semi-árido precisa passar por instâncias democráticas antes que qualquer medida possa destruir os recursos naturais em nome de interesses que não os da sociedade brasileira e, principalmente, da nordestina.
Na linha da construção de um “projeto popular para o nordeste”, algumas iniciativas já vêm sendo desenvolvidas. Uma bela experiência oriunda da Paraíba – e compartilhada em Mossoró – diz respeito à agroecologia e sua importância para a agricultura familiar. Trata-se de um banco de sementes comunitárias entre trabalhadores rurais, uma forma de organização que parte da concepção de economia solidária e vai de encontro à tendência mundial de “padronização” das sementes pelas grandes corporações do agronegócio.
“É um absurdo quererem patentear até um dos símbolos da liberdade no campo, a utilização de sementes. Isso, desde o começo da humanidade, reflete uma das características mais belas do trabalhador camponês: ter o direito de plantar o que quiser. É fundamental combatermos este modelo neoliberal de agricultura que padroniza as formas de produção beneficiando sempre os empresários do agronegócio. Urge construirmos novas e democráticas formas de produção”, afirma o pesquisador José Camelo, da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa, para quem a compreensão da realidade local é essencial para o aperfeiçoamento de novas formas de produção que respeitam o meio ambiente e conseqüentemente, a população que usufrui de seus benefícios.
“Este atual modelo traz o mito de que o nordeste é pobre, que não tem conhecimento e seus moradores são ignorantes. É justamente o contrário! O sertanejo é resistente por natureza, inventa várias formas para continuar vivendo. Possui um conhecimento inacreditável de uma série de coisas, sabe o valor medicinal de cada planta, onde fica cada lugar e suas potencialidades, constrói formas para combater a seca, fabrica cisternas, adutoras. É de uma sabedoria singular, principalmente na região do semi-árido”, aponta Camelo.
Garantir a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável para o nordeste, baseado na participação popular, é tarefa coma qual este Fórum Potiguar se propõe a contribuir. Do local para o nacional, o FSP foi palco da sintonia das discussões de desenvolvimento regional no Nordeste com os processos propositivos de outros fóruns sociais. “O FSP está construindo pontes, do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul”, afirmou João Pedro Stédile, membro da coordenação nacional do MST, em alusão ao Fórum Social Mundial, que acontece em janeiro em Porto Alegre.