O bioterrorismo ataca o algodão
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O bioterrorismo ataca o algodão
27/12/2004
Por Claudia Jardim
Fonte Jornal Brasil de Fato
O deputado Edson Duarte, líder do Partido Verde na Câmara, encaminhou uma representação ao Ministério Público Federal, solicitando a suspensão da decisão da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) que autorizou o uso de sementes de algodão contaminadas com transgênicos. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) também recorreu da decisão.
A CTNBio aprovou, dia 18 de novembro, o pedido da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem), em nome da Bayer, Syngenta e Monsanto, para comercializar sementes convencionais de algodão com até 1% de transgenia, ou seja, contaminadas, naquela proporção, por organismos geneticamente modificados.
Ao autorizar a comercialização de sementes transgênicas, a Comissão aceitou o argumento das empresas de que não possuem sementes convencionais com 100% de pureza para atender às necessidades da safra atual de algodão. De acordo com o Ministério de Agricultura, apenas 0,5% das sementes examinadas apresentavam sinais de contaminação.
Além de suspender a autorização, o deputado Edson Duarte pretende que os membros da CTNBio sejam citados em uma ação civil pública por improbidade administrativa. Na sua avaliação, os membros da CTNBio têm que responder pela Lei de crimes ambientais (9.605/ 98), cujo artigo 67 estabelece que é crime ” conceder o funcionário público licença ou autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais”.
Ilegalidade
Para o parlamentar do PV, os membros da CTNBio têm que responder a um processo criminal porque, assim como fizeram com a liberação da soja transgênica, novamente aprovaram o pedido da Abrasem sem realizar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) exigido por lei.
O Ministério do Meio Ambiente foi além, e classificou de “flagrante ilegalidade” o fato de a decisão ter sido aprovada por apenas sete dos 13 membros presentes à reunião, quando o quórum necessário seria de nove. O mesmo ocorreu em 1995, quando a CTNBio autorizou a comercialização da soja transgênica. Na ocasião, o Instituto de Defesa do Consumidor e o Greenpeace entraram com uma ação judicial e o cultivo da soja geneticamente modificada foi proibido.
Ruralistas
A decisão da CTNBio acontece no momento em que os ruralistas articulam para aprovar na Câmara o projeto da Lei de Biossegurança, que dá mais poderes à Comissão para decidir sobre a necessidade de estudos de impacto ambiental para a produção de organismos geneticamente modificados.
Para Edson Duarte, a decisão irregular da Comissão é uma das provas que seus poderes devem ser limitados pelo projeto de lei, como sugeria o texto original da lei em tramitação. “Tudo isso mostra, mais uma vez, que a CTNBio não tem competência nem credibilidade para decidir sobre biossegurança no país”, afirma. A seu ver, a decisão da CTNBio foi “irresponsável e ilegal, e colocou em risco a biodiversidade brasileira”, diz.
A contaminação das sementes do algodão não foi realizada por meio do contrabando de sementes como ocorreu no Rio Grande do Sul com a soja transgênica. A estratégia utilizada pelas transnacionais, dessa vez, foi o “contrabando” genético.
O geneticista Paulo Barroso explica que a contaminação do algodão ocorreu a partir da reprodução do material genético que é realizado fora do Brasil. De acordo com Barroso, as variedades “avós” das sementes a serem cultivadas “provavelmente” são transgênicas, o que deu origem às sementes contaminadas.
“A falta de fiscalização pode ter contribuído para essa contaminação”, admite o geneticista, que integra a equipe da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa-Algodão.
Omissão
Mais uma vez, o governo federal se eximiu da responsabilidade de fiscalizar as sementes e os cultivares. Enquanto produtores e a imprensa denunciavam o plantio irregular do algodão modificado, apenas há alguns meses a fiscalização do Ministério da Agricultura constatou “oficialmente” a contaminação de sementes convencionais por transgênicas.
A falta de controle preocupa os especialistas. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, o algodão é uma espécie de polinização cruzada, ou seja, uma espécie polinizada por insetos e pássaros. O risco de cruzamento com outras variedades é de 70%, o que colocaria em risco o patrimônio genético de espécies silvestres de origem brasileira.
Vítimas
Em uma audiência pública na Câmara, dia 9, os produtores denunciaram que já houve contaminação de uma lavoura para outra e se consideram vítimas das transnacionais, que detêm cerca de 50% do mercado de sementes de algodão no país.
O representante da Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa), João Carlos Rodrigues, afirmou que, se produtores plantaram sementes contaminadas, foi sem conhecimento. “Somos muito mais vítimas do que vilões. Os casos de contaminação que aconteceram até agora não são culpa dos produtores”, assegurou.
Segundo Rodrigues, os produtores estão preocupados com a possibilidade de redução de área plantada de algodão, além da perda de competitividade do produto brasileiro em relação aos de outros países.
Além dos riscos de contaminação das variedades e dos impactos desconhecidos ao meio ambiente, a ambientalista Marijane Vieira Lisboa, da organização não-governamental Por um Brasil Livre de Transgênicos, em audiência pública alertou que, em breve, o governo será pressionado pelas transnacionais, aos moldes do que ocorreu com a soja, a editar uma medida provisória para regularizar também a comercialização do algodão transgênico. “De MP em MP, a Monsanto enche o papo”, ironizou Marijane.