Para Veríssimo, economia do país continua injusta
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Para Veríssimo, economia do país continua injusta
07/01/2005
Por Miguel Enrique Stédile
Fonte Jornal Brasil de Fato (www.brasildefato.com.br)
Em quatro décadas de jornalismo, Luís Fernando Veríssimo estabeleceu marcas inconfundíveis em seu trabalho: um senso de humor apurado, uma crítica mordaz às estruturas conservadoras da nossa sociedade e uma esperança inabalável no ser humano. Uma esperança que se mantém mesmo diante da sensação de que perdemos outra vez a chance de construir um projeto nacional. Para Veríssimo, esse projeto começa pela mudança do modelo econômico, mas depende da correlação de forças para que “a eleição de um Lula não seja só uma curiosidade eleitoral mas signifique mesmo uma novidade”. Nesta entrevista, Veríssimo fala sobre o governo Lula, o Fórum Social Mundial e a derrota do PT em Porto Alegre.
Antes da vitória do Lula, na eleição de 2002, o senhor escreveu que o Lula representava uma nova possibilidade de retomar um projeto de Nação. No primeiro ano de governo, o senhor escreveu uma crônica sobre o cavaleiro preparado toda a vida para combater um dragão e, quando entrava na caverna, tornava-se amigo do dragão. Chegando ao fim do segundo ano de governo, estamos mais próximos de um novo projeto nacional ou dentro da caverna do dragão?
Luís Fernando Veríssimo – Acho que não há dúvida de que houve um acordo com o dragão. A questão é saber até que ponto esse arranjo era inevitável, se é temporário e se é por estratégia ou por convicção. O certo é que o projeto que se imaginava não pode conviver com esse modelo econômico. Coisas como a distribuição de renda e o combate à exclusão não passam por programas de caridade pública, mas sim pelas áreas do governo, hoje dominadas pelo ideário conservador.
Durante o regime militar, o senhor criou a personagem “Velhinha de Taubaté”, que acreditava no Delfim e no milagre econômico. A euforia da política econômica atual na mídia seria um caso para a Velhinha de Taubaté?
Veríssimo – A Velhinha de Taubaté apoiava o governo por ingenuidade. Pode-se dizer tudo dos grupos que apóiam a continuação deste modelo econômico, menos que sejam ingênuos.
Há alguns anos, sobre a relação entre a grande mídia e o governo FHC, o senhor escreveu que havia um “reflexo de autodefesa do patriciado e a conseqüente predisposição de ajudar o homem (FHC)”. Como o senhor vê esta postura dos grandes meios de comunicação e o governo favorável ou complacente com a política econômica?
Veríssimo – Acho que há uma postura naturalmente conservadora de quem defende seus interesses, ou tem medo de mudanças vindas da “esquerda”, ou então acredita que o caminho certo é esse mesmo. Acho que não se deve pensar em termos de ogros e heróis, mas sim de interesses em jogo. As grandes empresas de comunicação têm seus interesses e convicções, são fortes e usam a sua força. O negócio é tentar dar força ao outro lado para que um acontecimento como a eleição de um Lula não seja só uma curiosidade eleitoral, mas signifique mesmo uma novidade.
Uma das maiores polêmicas do governo este ano foram as propostas de Lei do Audiovisual e de criação do Conselho Federal de Jornalismo, que foram interpretados por alguns setores como um retorno à censura. Como o senhor vê estas propostas?
Veríssimo – Os projetos, antes de mais nada, foram mal redigidos. Falar em “fiscalizar, orientar etc.” a imprensa assusta, assusta, e dá uma arma semântica à reação. Devia ter ficado mais claro que o objetivo, na questão do Conselho, era prevenir contra a concentração da informação, não restringi-la. Na lei dos audiovisuais também não ficou clara a intenção de promover a produção nacional. Na minha opinião os projetos se perderam no português.
O senhor foi autor da carta de encerramento do 1º Fórum Social Mundial. No final da carta, o senhor escreveu que “nos próximos [FSM], falaremos mais claro”. Estamos chegando a quinta edição. Que impressões o senhor tem deste processo?
Veríssimo – O bom do Fórum é que ele é imprevisível. Vai criando suas próprias prioridades e seu próprio folclore, enquanto acontece. Acho que a idéia básica de discutir alternativas econômicas, ecológicas e políticas para um mundo em crise continua. Fica difícil dizer se o Fórum “adianta” ou não “adianta”, num sentido puramente prático. Sua função é manter viva essa evidência de inconformismo global e busca de alternativas. Sua função é continuar a existir e a fazer barulho.
Aliás, na carta do FSM, o senhor escreveu sobre a necessidade de recuperar o ser humano como parâmetro em oposição ao capital. Em um mundo em que Bush é reeleito, em que assistimos a massacres em Faluja, de sem-terra em Felisburgo (MG) ou os conflitos entre palestinos e israelenses, não parece que perdemos definitivamente este parâmetro humano?
Veríssimo – Pois é, o mundo se retribaliza e se bestializa. Mas podemos sucumbir à revolta ou ao desânimo, mas nunca ao niilismo. À idéia de que a humanidade não tem jeito mesmo. Temos que acreditar que tem, nem que seja por vaidade. Afinal, é a nossa espécie.
Provavelmente, este seja o último FSM em Porto Alegre, motivado principalmente pela saída do PT da prefeitura depois de 16 anos. O senhor, como morador da cidade, talvez pudesse explicar o que levou a população a encerrar uma administração por um projeto de oposição?
Veríssimo – Penso que a derrota do PT nas últimas eleições municipais foi um reflexo da reação ao governo estadual do Olívio Dutra que deu um susto no conservadorismo gaúcho e criou aqui um antipetismo ressentido e virulento. Isso, aliado ao desgaste natural de 16 anos do PT no poder em Porto Alegre, e a um candidato da frente anti-PT simpático como o Fogaça, deu no que deu. Mas não sei se o Fórum vai embora, não. Já descobriram que ele é muito bom para o turismo na cidade.
Gostaria de retomar o tema do projeto nacional. Em quais pilares, na sua opinião, deveria se sustentar este projeto?
Veríssimo – Como eu disse antes, a reorganização de prioridades passa pelo comando da economia.
Por último, na primeira edição do Brasil de Fato, o economista Celso Furtado aconselhava o presidente Lula a ter coragem para fazer as mudanças necessárias. Que conselho o senhor daria ao presidente?
Veríssimo – Que aceite o conselho do Celso Furtado.
Quem é
Um escritor prolífero e popular, mas reservado na vida particular. Luís Fernando Veríssimo é autor de centenas de livros, entre eles romances, relatos de viagens e sobre culinária, infanto-juvenis e de poesia. Criou personagens marcantes como o Analista de Bagé e Ed Mort, este último adaptado para o cinema. Escreveu também roteiros para a televisão. Segundo o cartunista Jaguar, Veríssimo pode ser visto “de manhã à noite, sempre com a placa “Homens trabalhando” pendurada no pescoço.