Para Jaime Amorim, Reforma Agrária é única alternativa
Por Luís Brasilino
Fonte Correio da Cidadania
O estado de Pernambuco sempre se destaca nas jornadas de luta do MST. Por quê?
Jaime Amorim: Pernambuco tem um histórico de luta que vem desde o período de libertação dos escravos, com o Quilombo dos Palmares. Depois, vieram as ligas camponesas que formaram gerações de camponeses espoliados e pobres, porém lutadores. Já a história de construção do Movimento Sem Terra foi bastante difícil, pois encontramos as organizações camponesas completamente dizimadas e tivemos que reconstruí-las, fazendo a luta pela Reforma Agrária num estado ao mesmo tempo de medo e de muita pobreza e necessidade. Além disso, a falência total da região canavieira e do pólo de desenvolvimento irrigado do Vale do São Francisco levou a um agravamento, nos últimos anos, da situação de miséria dos trabalhadores. As poucas empresas que ficaram buscaram a mecanização, aumentando o desemprego e a migração para as cidades. Isso fez com que, desde o início, o Movimento em Pernambuco tivesse um pique de luta permanente e constante. Ao longo de sua história, o movimento organiza e confere mobilidade a essa insatisfação popular de modo a fazer grandes lutas.
Quais especificidades isso trouxe para a luta em Pernambuco?
JA: Dentro do estado existem características regionais e culturais diferentes. A Zona da Mata está, tradicionalmente, acostumada com a riqueza e a violência dos usineiros e dos senhores de engenho que mantém – a ferro e fogo – os trabalhadores numa condição miserável porém submissos aos seus interesses. Essa violência da elite agrária e canavieira esteve sempre presente na luta pela Reforma Agrária. É assim na Usina Aliança, que desde 1999, com a primeira ocupação, há repressão permanente. No final do ano passado, tivemos três militantes do Movimento assassinados. No Sertão, o coronelismo permanece. Os coronéis continuam tendo autonomia política e lançando mão da pistolagem para defender suas fazendas. Todos os que se rebelaram foram tratados exemplarmente. Há uma tradição e uma cultura da elite agrária do Sertão de não aceitar que as pessoas se manifestem contrariamente aos seus interesses econômicos e políticos. Portanto, temos duas elites agrárias violentas e só há uma alternativa de luta contra elas: a massificação. Sempre trabalhamos com essa idéia de ocupações grandes e muito espalhadas. Temos, atualmente, 179 acampamentos em 86 municípios pernambucanos. São 23 mil famílias. Além disso, surgiram outras organizações que foram realizando ocupações. A luta desenvolveu, então, uma dinâmica bastante ágil e não permite que o latifúndio nos derrote neste momento, apesar da incapacidade do Estado brasileiro de dar respostas diretamente na Reforma Agrária. Mas temos um perfil de camponês resistente e lutador. Existem acampamentos com mais de 10 anos, onde os trabalhadores persistem firmes na luta, sonhando e acreditando que a Reforma Agrária possa ser uma alternativa para ele e sua família.
O senhor teme novos ataques dessas elites aos Sem Terra?
JA: Esse é um risco constante. Fizemos uma ocupação no município de Belém de Maria e, apenas quatro horas depois, milícias armadas dos fazendeiros acabaram despejando e humilhando as famílias Sem Terra. Felizmente elas conseguiram sair antes de termos um prejuízo maior, mas esses ataques são constantes. Denunciamos isso há muito tempo, a superintendência do Incra também. No entanto, as elites trabalham em diversos campos de batalha; um deles é o enfrentamento direto contra aqueles que lutam pela Reforma Agrária, despejando os acampados com milícias próprias, se articulando financeiramente para combater as ocupações e o MST e eliminado militantes e trabalhadores que lideram acampamentos. Também têm trabalhado junto com a Justiça para garantir reintegrações de posse automática, possuem um apoio do governo do estado de Pernambuco, que é contrário a Reforma Agrária, se articulado com grupos paramilitares e com empresas de segurança para combater o processo de divisão das terras, atuado na frente de infiltração nos movimentos com a ajuda da polícia e no boicote permanente às ações do Incra, tanto internamente com funcionários reacionários quanto com o poder judiciário, que tem impedido praticamente todas as desapropriações realizadas pelo Instituto.
Qual será a reação dos Sem Terra? Em 2004 foram mais de 100 ocupações na jornada de lutas de abril. O que está planejado para este ano?
JA: Trabalhamos com a idéia de conferir uma outra qualidade às ocupações. Do conjunto de 23 ocupações que fizemos esse ano, pelo menos duas são importantes para nós. Em Manari, a cidade com o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, temos um acampamento que começou a ser cadastrado pelo Incra dia 7 e que deve ter mais de 3 mil famílias acampadas. Estamos fazendo o seguinte debate no local: a importância da Reforma Agrária para resolver o problema da fome. Como as elites foram incompetentes ao longo de 500 anos para resolver esse problema, até porque não é de interesse delas fazer isso, estamos apresentando a Reforma Agrária como alternativa. Aliás, ela é a única. Temos lido na imprensa que mesmo em João Alfredo – cidade do assumidamente opositor da Reforma Agrária Severino Cavalcanti, presidente da Câmara – como em qualquer outra cidade do interior do país, nenhuma fábrica nova vai se instalar pois não há qualquer interesse para elas nesses lugares. Então, a Reforma Agrária é a única alternativa para tirar esses municípios do atraso econômico e social, da miséria e da fome. É este debate que fazemos com a ocupação em Manari. A outra ocupação que tem sido importante é a da fazenda Catalúnia 2, em Santa Maria da Boa Vista. São 1,2 mil famílias; o Incra está terminando o cadastro e esse número pode até ser maior, numa ocupação feita às margens do rio São Francisco. Queremos discutir o problema da água. O governo diz que vai fazer a transposição. Nós não temos elementos suficientes para ser contra a obra, mas queremos que o governo, primeiro, resolva o problema dos latifúndios nas margens do rio. Se existe recurso para transpor água, primeiro é preciso resolver a questão do latifúndio que empobrece as pessoas que moram na margem do rio. Segundo, só é cabível falar de transposição se, ao redor do canal, for feita uma ampla Reforma Agrária com um novo modelo de desenvolvimento para beneficiar as comunidades de pequenos agricultores e os sem-terra.
Qual a avaliação das mobilizações de 2004?
JA: Foi uma jornada muito importante porque trouxe o debate da Reforma Agrária para o cenário nacional. Precisávamos chamar a atenção do governo para a Reforma Agrária porque o ano de 2003 tinha sido muito ruim, nenhuma meta havia sido cumprida. O governo Lula frustrou as expectativas de quem esperava por uma ampla Reforma Agrária no Brasil. No entanto, em 2004, apesar das mobilizações, o governo novamente não cumpriu suas metas. A elite então foi favorecida porque, sem Reforma Agrária, o modelo do agronegócio é implantado às custas da miséria e da pobreza da maioria dos trabalhadores e trabalhadoras. Para este ano, a expectativa é outra. Se o governo continuar nesse ritmo, os trabalhadores só terão uma alternativa: fazer luta e pressionar. Infelizmente, é uma frustração e uma decepção bastante grande no meio dos camponeses.