Resgatar a esperança
Por D. Demétrio Valentini
O país está de novo envolvido na fumaceira levantada pela corrupção. Como em dias de espessa neblina, a visibilidade fica prejudicada, e os riscos de colisão aumentam. Em meio ao tiroteio de suspeitas, acusações e recriminações, é imprescindível agir com responsabilidade.
Está em causa a credibilidade das instituições, que precisam ser preservadas. Mas sobretudo urge resgatar a esperança do povo. Pois é a partir dele que se torna possível recuperar a energia ética indispensável para banir a corrupção que infelizmente se infiltrou na cultura política.
A situação criada com as recentes denúncias de práticas ilícitas em instâncias do governo acaba propiciando tomadas de posição que revelam as reais intenções dos autores políticos.
Em momentos como este, se requer uma ação rápida, sem tergiversações, para identificar com clareza os fatos, e tomar as decisões adequadas, tanto administrativas como judiciárias.
Se queremos de fato valer-nos desses episódios para combater a corrupção e aprimorar as instituições e a prática política, não se permitem manobras que denotam os mesmos vícios que se pretende denunciar.
Por isto, não é o caso de instrumentalizar, por exemplo, a Comissão Parlamentar de Inquérito para tirar vantagens eleitorais da crise que se instaurou. O povo rejeita tanto os que praticaram os atos ilícitos como os que pretendem agora em cima deles faturar vantagens eleitorais.
Os critérios a conduzir a apuração dos fatos não pode ser nem o enfraquecimento do governo nem o cerceamento da oposição. Pois se isto acontece, acaba-se corroborando o mesmo processo de desvio de finalidades, que está na raiz da própria corrupção.
O procedimento responsável de todos os que precisam agora atuar na apuração dos fatos e no julgamento dos envolvidos precisa servir de referência para a cidadania conferir quem está, de fato, interessado em combater a corrupção, e quem ainda faz parte do seu jogo.
Numa de suas recentes assembléias gerais, a CNBB alertava para a persistência da corrupção, que precisa ser combatida sem trégua. Vale recordar a descrição do processo da corrupção, que pode ajudar na compreensão dos fatos atuais. Assim se expressou a CNBB, em sua assembléia de 2002:
“Chegou a hora de um combate decidido contra a corrupção. Sua persistência mostra a necessidade de buscar as raízes históricas da perversa cultura de corrupção implantada no Brasil. Ela se nutre da impunidade, acobertada pela conivência, que se torna cumplicidade, incentivada por corporativismos históricos, habituados a usar em benefício de interesses particulares as estruturas do poder público, seja do Executivo, como do Judiciário e do Legislativo, como de todas as instâncias públicas. É antiético acobertar, por partidarismo político ou lealdade de confraria, o erro de alguém que prejudica o bem comum. Conclamamos todas as instituições de nossa sociedade a reverem suas práticas, para que se desencadeie um grande esforço nacional, a fim de erradicar a praga da corrupção que corrói o exercício da democracia”
A surpreendente virulência com que a corrupção ainda se mostra ativa requer, com evidência, que se proceda o quanto antes a uma consistente reforma política. O saldo positivo que pode resultar desta situação de constrangimento ético em que os recentes episódios mergulharam o país, deve ser o desencadear de uma autêntica reforma política que encontre suas principais energias na participação popular.
Descrer da política seria a pior das privatizações. Pois resultaria na convocação de ditaduras ou na entrega do Estado ao jogo de interesses corporativos.
A hora exige coragem e lucidez. Cabe à cidadania urgir uma reforma política que o Brasil está esperando há muito tempo. Não basta uma CPI. É preciso uma mobilização nacional em vista de objetivos maiores que precisam orientar as providências a serem tomadas.