“Risco maior é a barbárie”, diz Stédile
Entrevista de João Pedro Stedile, da Direção Nacional do MST, ao jornalista Roldão Arruda. Publicada no jornal O Estado de S.Paulo.
O MST e outras organizações populares têm dito que está em curso um processo para desestabilizar o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Onde o senhor vê indícios desse processo?
João Pedro Stedile – Basta ler os jornais. Basta ler as declarações de próceres do PFL, o que diz o ACM, o que escrevem os colunistas ligados à direita. É evidente que os setores mais reacionários da política brasileira e, mais ainda, aqueles setores ligados aos serviços de inteligência, incontroláveis, estão apresentando a hipótese de impedimento do presidente.
Preparam um golpe?
Stedile – Como disse o sociólogo Emir Sader, num artigo recente, os golpes modernos não são no estilo clássico, da força bruta. São pequenos golpes, todos os dias, com o objetivo de minar a credibilidade e criar um clima de insustentabilidade. A articulação dos setores direitistas para dar maior exposição às denúncias de corrupção é evidente.
O senhor tem dito que é preciso aglutinar forças em defesa do governo. Não acha difícil fazer isso, considerando que o governo ainda não correspondeu à expectativa popular? A política econômica na linha neoliberal é a mesma do governo anterior, o nível de desemprego continua alto, o salário mínimo não cresceu como se esperava.
Stedile – O esforço do MST e de outros movimentos populares não é para mobilizar forças em torno do governo. Nós temos autonomia e assim devemos continuar. Nosso esforço é para pressionar o governo. Há uma crise e o que se busca são formas de sair dela. Setores governistas e do capital querem que o governo saia pela direita, comprometendo-se ainda mais com os interesses do capital. E nós dizemos que a melhor forma de o governo sair da crise é abandonando o projeto neoliberal e recompondo sua aliança com o povo.
Como ele faria isso?
Stedile – Para recompor a aliança com o povo, o governo precisa dar sinais claros de mudança na política econômica. Precisa usar os recursos públicos, ora contingenciados pela política burra do superávit primário, para atender aos direitos sociais. Ou seja: aplicar os recursos em educação, salário mínimo, Reforma Agrária, investimentos que gerem emprego.
Não acha que o governo ficaria mais instável se fizesse um movimento brusco na economia, como o senhor recomenda?
Stedile – Se não mudar, ele pode ter estabilidade. Mas ficará ainda mais refém do capital internancional e dos interesses dos bancos. Por outro lado, perderá a credibilidade com o povo e comprometerá a reeleição.
O clima de instabilidade ao qual o senhor se referiu e a fragilização do governo podem criar o risco de convulsão social no País?
Stedile – Não. Nós vivemos um período histórico de descenso do movimento de massas. Isso foi causado por 15 anos de neoliberalismo, que resultou no enfraquecimento das organizações, quebrou o direito ao trabalho e levou desânimo às massas. O papel dos dirigentes e dos movimentos populares é estimular as lutas sociais, mostrar para o povo que ele não pode ficar esperando soluções milagrosas e, muito menos, pela ação de um presidente paizão. O perigo maior que eu vejo nessa conjuntura é o da barbárie social. Falo daquela situação em que os problemas sociais se agravam e as pessoas passam a buscar apenas saídas pessoais – que levam a todo tipo de desvios. Elas não levam a nenhuma organização social, nem à civilidade. Isso sim é que é perigoso. O alto nível de desemprego, a pobreza e a desesperança, associados à falta de credibilidade nas instituições representa um problema muito grave.
Em vez de golpe, a oposição não estaria tentando imobilizar Lula, garantindo seu retorno ao poder, nas próximas eleições?
Stedile – Há varias cenários em curso e ninguém sabe ainda como vai acabar, pois depende da correlação de forças. Há setores mais à direita que apostam no impedimento. O PSDB, a Febraban e seus aliados querem desgastar o governo, para levá-lo à derrota antecipada e ganhar as eleições de 2006. Há setores do governo que querem sair da crise por meio de uma aliança com o PMDB, sem grandes alterações. E há setores que chegam a defender a aliança com o PSDB. Foi o caso dos irmãos Viana, do Acre. Nós, dos movimentos sociais, deixamos claro na Carta ao Povo Brasileiro que a única saída popular seria o governo se aliar com o povo, mudar a política econômica, fazer uma reforma ministerial clara, conduzir a reforma política e construir um novo projeto para o país.