Reforma Agrária é condição para justiça social no país, afirma relator da CPMI
Em entrevista, o deputado federal João Alfredo (PSOL-CE), relator da CPMI da Terra, apontou as principais questões levantadas pela Comissão em dois anos de trabalho. Para ele, “a primeira solução (para a questão da terra) é que o governo tem que cumprir a sua meta”. O relatório foi lido na Comissão terça feira (22/11) e deve ser votado hoje.
A Comissão correspondeu aos seus propósitos iniciais?
Em entrevista, o deputado federal João Alfredo (PSOL-CE), relator da CPMI da Terra, apontou as principais questões levantadas pela Comissão em dois anos de trabalho. Para ele, “a primeira solução (para a questão da terra) é que o governo tem que cumprir a sua meta”. O relatório foi lido na Comissão terça feira (22/11) e deve ser votado hoje.
A Comissão correspondeu aos seus propósitos iniciais?
João Alfredo: Eu sempre tenho dito que os desafios desta Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) e deste relatório foram imensos. Primeiro por tratar a questão agrária, que nunca se resolveu no Brasil e se mantém há cinco séculos. A CPMI teria que analisa todo o tempo da nossa história e o tamanho do país. É um desafio imenso para dois anos.
Segundo, pela paixão, os interesses, as lutas e os embates que decorrem da questão agrária. Se nunca aconteceu a Reforma Agrária no país é porque a força dos grandes proprietários de terra foi muito grande. Tratar dessa questão é expor uma chaga aberta: a da concentração da terra em poucas mãos. Hoje 1,6% dos proprietários tem quase 50% dos imóveis no Brasil inteiro. É a violência da concentração fundiária, que somada à violência física vitimou nos últimos anos quase 1.400 trabalhadores, advogados, sindicalistas e religiosos. Desses casos, pouco mais de 70 foram apurados.
Além das mortes, temos também a impunidade. No período que a CPMI trabalhou tivermos a morte da Irmã Dorothy Stang, que depôs na Comissão e naquela época relatava a situação de extrema tensão em Altamira (PA), onde Anapu está situada. Nós tivemos a morte dos fiscais do Ministério do Trabalho que estavam levantando o problema do trabalho escravo em Unaí (MG) e a chacina de Felisburgo (MG). Já na conclusão do relatório, mais mortes em Pernambuco e no Pará. É um desafio muito grande, ainda mais em uma CPMI onde os ruralistas são majoritários e o tempo todo tentaram inverter o objetivo da CMPI pra atingir os movimentos sociais.
Tentei ser fiel aos objetivos da CPMI, que era fazer o diagnóstico da situação fundiária, analisar os processos de Reforma Agrária acontecidos no Brasil, o problema a violência no campo e as soluções para isso. O problema fundiário brasileiro não é um problema de contas, do MST ou das entidades ruralistas. Até porque estes receberam nos últimos dez anos receberam 1 bilhão de reais, enquanto as entidades ligadas aos trabalhadores receberam 41 milhões de reais. Não se trata disso. Se trata da raiz do problema: de entender o problema da concentração de terras, da grilagem, saber se há terra para fazer a Reforma Agrária e que há uma demanda de mais de 3 milhões de famílias pra isso. E precisamos dizer que os governos não tiveram vontade política para fazer a Reforma Agrária. O governo Fernando Henrique Cardoso, que desapropriou muito menos do que propagou, investiu em uma Reforma Agrária de mercado através do crédito fundiário, abandonando os assentamentos.
Diante desse cenário que o relatório traçou muitas sugestões foram dadas. Quais foram as mais importantes?
J.A: Se identificamos como principais problemas a concentração fundiária, a grilagem de terras, a violência no campo e o trabalho escravo, apontamos soluções nesse sentido. A primeira solução é que o governo tem que cumprir a sua meta. Falta pouco mais de um ano para o final do mandato governo e apenas 45% das metas de assentamento foram cumpridas. Isso é muito baixo. E o que é mais grave: no orçamento do próximo ano, os recursos para o pagamento das desapropriações foram cortados em 40%. Também é preciso cumprir as metas nas outras áreas. Na questão da titulação das posses de boa-fé, de até 100 hectares, apenas 1% do combinado foi cumprido. Do ponto de vista do georeferenciamento, que é a realização do cadastro pra levantar o problema da grilagem de terra, especialmente no Pará, apenas 1% foi cumprido. Nessa linha administrativa entra também o fortalecimento do Incra.
Do aspecto legislativo, queremos mudar a legislação para tornar mais ágil o processo de desapropriação, tanto para a mudança dos índices de produtividade como dos prazos com relação à tramitação do processo de desapropriação. Se nós olharmos o problema da grilagem, é fundamental uma correção nos cartórios, fosso de corrupção, e a aprovação uma proposta de emenda constitucional no sentido de estatizar os cartório no Brasil.
Na questão da violência no campo, evidentemente aparecem propostas de indiciamento, como a do presidente da UDR (União Democrática Ruralista), que tem estimulado a formação de milícias privadas, assim como outras lideranças ruralistas. É preciso uma força tarefa da polícia federal para desmontar todas essas milícias privadas e desarma-las. Assim como a instalação das ouvidorias agrárias e comissões de mediações nos estados e mudanças na legislação para que em conflitos coletivos, os juízes não possam conceder liminares de reintegração sem antes ele e o promotor irem ao local. E o proprietário tem que comprovar a função social da propriedade. Isso é fundamental porque os despejos rurais são fonte de mais violência.
Na busca da impunidade, queremos aprovar Varas Agrárias federais, dentro da Justiça Federal, e trabalhar na construção de uma Justiça Agrária, como há a Trabalhista. Será uma justiça especializada desde o juiz do primeiro grau até os tribunais para os despejos, desapropriações, para questões coletivas vinculadas a posse e conflitos de terras e a execução da Reforma Agrária.
São 150 recomendações voltadas para os poderes executivo, legislativo e judiciário, para o Ministério Público, para o Tribunal de Contas da União e também para 10 estados que receberam propostas concretas.
Queremos criar na Câmara uma Comissão da Reforma Agrária e Justiça no Campo, porque essas questões da Reforma Agrária e dos conflitos no campo não têm espaço nas comissões. Ou são tratadas na Comissão de Agricultura, que é dominada pelos ruralistas e acaba voltada para os interesses do agronegócio, ou na Comissão de Direitos Humanos, junto com outros temas vinculados a esse problema. Achamos que a questão agrária é tão importante que merece uma comissão específica até para acompanhar as propostas que estamos apresentando no relatório.
Podemos dizer que o relatório comprova a possibilidade e a necessidade da Reforma Agrária?
J.A.: Em primeiro lugar a necessidade porque os principais indicadores de miséria e pobreza estão no campo devido à injustiça social que é a concentração de terra e quantidade de famílias sem-terra ou com pouca terra. A necessidade está colocada e a demanda de quase 200 mil acampados, dos 900 mil que se inscreveram para a Reforma Agrária e das 3 milhões de famílias que englobam nesse universo.
A possibilidade está colocada porque há terra de sobra no Brasil, inclusive improdutivas. A maioria das grandes propriedades no Brasil é improdutiva. Há uma quantidade imensa, algo em torno de 200 milhões de hectares de terras que não tem documentação. Portanto são terras griladas que o Estado pode arrecadar para fazer a Reforma Agrária. A Reforma Agrária é a condição para termos democracia e justiça social no país.