“Os contratos das petroleiras são ilegais”, afirma Evo Morales

Por Maite Rico
Do El País

Ele está sobrecarregado pela vitória eleitoral de uma magnitude inesperada e pelos “paparazzi”, como chama os jornalistas, que o assediam a cada passo. Veste jeans pretos, tênis esportivos e jaqueta de brim azul, a cor do Movimento ao Socialismo (MAS), seu partido.

Evo Morales, 46 anos, o menino aimará que pastoreava lhamas em sua Oruro natal, o jovem que se curtiu nos sindicatos cocaleiros em Cochabamba e o deputado capaz de mobilizar as massas para derrubar governos prepara-se para se transformar, no próximo dia 22 de janeiro, no primeiro presidente indígena da Bolívia. Morales confirma a nacionalização das jazidas de gás e petróleo e a revisão dos contratos de exploração, que considera ilegais.

O que o senhor se sente mais: indígena, camponês ou cocaleiro?

Evo Morales – Indígena, fundamentalmente. Estou muito orgulhoso de meu povo, mas também da classe média, intelectual, profissional que se somou ao MAS para que nós mesmos possamos nos governar e resolver nossos problemas.

Como explica o apoio que teve nas cidades, sendo o MAS um movimento camponês?

Morales – Da gente das cidades, mestiça, crioula, também estou orgulhoso por esse apoio tão consciente, tão solidário. O movimento indígena é inclusivo, e valoriza nossa atitude democrática e nossa luta pela igualdade.

Que relação o senhor quer ter com a oposição?

Morales – Se estiverem dispostos à mudança, serão bem-vindos. E se não a luta não será somente no Congresso, mas fora do Congresso. Essa é a nossa força para mudar nossa história.

Que tipo de relação quer ter com os EUA?

Morales – De respeito mútuo, sem chantagens nem condicionamentos. Temos dignidade como povo e lutamos por nossa soberania.

O senhor estaria disposto a negociar um Tratado de Livre Comércio (TLC) com os EUA, como fez o Peru? Muitas empresas exportadoras dizem que sem o TLC fecharão.

Morales – Não é tanto assim. É preciso revisar esses documentos. O TLC não é nenhuma solução, pelo contrário, fecha cooperativas, microempresas… Se for um acordo para que o comércio seja de microempresários e pequenas empresas, e não das transnacionais, será bem-vindo. Precisamos de um comércio de povo a povo para resolver os problemas econômicos, e não para concentrar o capital em poucas mãos.

O senhor pensa em continuar com os acordos de erradicação das plantações de coca?

Morales – Queremos convocar o governo americano para fazer um narcotráfico zero, mas não vai haver coca zero. Uma coisa é a folha de coca, outra é a cocaína. A coca faz parte de nossa cultura, e faremos um estudo do mercado legal da folha de coca para definir as plantações com os sindicatos de agricultores. A luta contra o narcotráfico tem de ser eficaz, e não uma desculpa para que os EUA controlem nossos países e assentem bases militares ou mandem soldados armados, como no Chapare. Isso tem de terminar. Queremos que os EUA respeitem a autodeterminação dos povos latino-americanos.

O Estado boliviano é por lei o dono dos recursos naturais. O que quer dizer quando fala em nacionalizar os hidrocarbonetos?

Morales – Acho que na prática o Estado não exerce o direito de propriedade. Os contratos (com as companhias de petróleo) são ilegais, inconstitucionais. Existem cláusulas que dão o direito de propriedade na boca do poço. É preciso revisá-los, mas já são nulos de pleno direito.

Em que situação vão ficar as companhias de petróleo, que fizeram investimentos enormes?

Morales – Precisamos de seus serviços para explorar e perfurar, e serão pagas por isso. Não vamos expropriar seus bens. Será garantida a segurança jurídica, que recuperem seu investimento e que tenham lucro. Mas o Estado boliviano tem de controlar a cadeia de produção e a comercialização.

Dariam preferência a alguma companhia, como a brasileira Petrobras ou a espanhola Repsol?

Morales – Se estiverem dispostos a nos deixar beneficiar de nossos recursos, vamos lhes dar garantias. Muitos países dizem que é preciso combater a pobreza; o que melhor que lutar contra a pobreza com nossos recursos naturais?

O que espera de Hugo Chávez?

Morales – Eu o respeito e admiro muito. Luta ao lado de seu povo pela dignidade, pela soberania, pelos recursos naturais. Quando um líder defende seu povo, e essa é minha experiência, um povo defende seu líder. É o caso de Hugo Chávez. Imagine quantos golpes já enfrentou: um golpe militar, um golpe econômico, um golpe da mídia e continua mais fortalecido. Inclusive um golpe democrático, com o referendo revogatório que se transformou em referendo retificador.

Muitos bolivianos estão irritados porque, apesar de suas declarações de apoio, Hugo Chávez preferiu comprar soja dos EUA em vez da Bolívia, que é o principal produtor da região. Também excluiu a Bolívia do projeto de gasoduto com o Brasil, Argentina e Chile.

Morales – São os oligarcas que manipulam isso politicamente. Nós estamos dispostos a renegociar para que nossa soja tenha mercado, e não somente com a Venezuela, mas com muitos países.

O que o senhor diz ao pessoal da Central Operária Boliviana (COB) e aos movimentos sociais, que lhe dão três meses para cumprir suas exigências, como nacionalizar os combustíveis sem indenização?

Morales – A COB está com o MAS. A COB não é o comitê executivo, são as forças sociais: os mineiros, professores, transportadores, agricultores… eles estão conosco. Alguns dirigentes da cidade de El Alto talvez tenham dito algo.

Ontem mesmo o secretário-executivo da COB, Jaime Solares, reiterou o ultimato.

Morales – E quem acredita nele?

Não são representativos?

Morales – Não quero comentar esse tema. Mas sim que é impossível resolver em cinco anos a destruição do país em 500 anos, e com a Espanha podemos falar bastante sobre isso.

Falando de Espanha, soube que o senhor recebeu um convite do primeiro-ministro José Luiz Rodríguez Zapatero.

Morales – Sim, há pouco recebi uma ligação de Zapatero, muito feliz com nossa vitória. Eu o convidei para a transmissão de poder, e ele me convidou o mais cedo possível, e me disse que vai instruir seu chanceler para minha visita à Espanha. Temos muita vontade de conversar. Esse é um apoio.

Uma curiosidade: de onde saiu o nome Evo?

Morales – Teria de perguntar a meus pais. Eles nunca me disseram.

É o único Evo na Bolívia?

Morales – Bem, hoje já existem muitos Evitos.