Sociedade dá condições para MST continuar lutando
Entrevista com Marina dos Santos, integrante da Direção Nacional do MST, publicada pela Rits.
Você acredita que os métodos de reivindicação e pressão que o MST usa têm se mostrado eficientes?
A ocupação da terra improdutiva tem se revelado eficiente porque organiza e mobiliza os próprios trabalhadores que têm interesse na conquista da terra. Ninguém faz o trabalho por eles. São eles que cortam a cerca do latifúndio que não cumpre a sua função social garantida pela Constituição. Nesses 22 anos de MST, esse método tem se mostrado eficiente porque envolve o próprio sujeito em ações diretas de conquista. A Marcha Nacional também se revelou um ótimo método. Os próprios estados têm desenvolvido marchas também, chamando a atenção para a questão.
Uma pesquisa do Ibope encomendada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) mostrou que 76% da população considera antidemocráticas as invasões de terras promovidas pelo MST. Você contesta esses números?
Achamos estranho esse resultado. Normalmente, nos acampamentos, até termos algum tipo de conquista, o que pode demorar oito meses, um ano, sobrevivemos de doações das próprias comunidades locais. Elas realizam campanhas para recolher agasalhos, coisas para compor a escola e alimentos. Não faz sentido essa pesquisa porque na prática é a sociedade que nos dá condições de tocar a luta.
Muitas vezes o Incra obtém na Justiça Federal decisão autorizando a imissão de posse de alguma área, mas que acaba suspensa por alguma instância local. Você acredita numa tendência de criminalização do Movimento por parte do Judiciário?
Não tenho a menor dúvida. O Judiciário, junto à grande mídia, é um dos maiores inimigos da Reforma Agrária e criminaliza os movimentos sociais que lutam contra seus interesses. É comum o juiz do município que recebe o processo de desapropriação ser fazendeiro ou filho de algum fazendeiro. E muitas vezes eles emperram o processo.
Dificilmente o governo vai cumprir as metas de assentamento até o fim do ano. Você acha que o governo Lula falhou nesse aspecto?
O Lula ficou refém da política econômica, que é uma continuidade do governo anterior. Ele privilegiou as grandes empresas e as transnacionais, e por isso não vai cumprir a meta. Nem o índice de produtividade, que determina se uma terra é produtiva ou não, ele atualizou.
Usam um índice de 1975! O governo é refém do agronegócio e das monoculturas, principalmente de cana e de eucalipto. Há o privilégio destes setores e dos bancos também.
Em março, o MST fez ocupações simultâneas em muitos estados. Existe a formação de uma jornada nacional de lutas?
A grande imprensa tratou assim, mas não houve uma combinação. O que houve foi que os estados têm autonomia para se organizar. Existem famílias acampadas há cinco ou seis anos que estão vendo o governo chegar ao fim e não conseguiram nada. Em abril, sim, estamos planejando manifestações para lembrar os dez anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, em que 19 trabalhadores foram assassinados e até hoje ninguém foi preso. É o Poder Judiciário defendendo seus interesses. As famílias das vítimas estão abandonadas. Não há políticas públicas que dêem assistência de saúde ou indenizações. Vão acontecer mobilizações nos estados, exigindo a punição dos responsáveis.
Quais são as reivindicações para o último ano de governo?
Nesse último ano, vamos nos concentrar na pauta de sempre e, principalmente, nas reivindicações da marcha do ano passado, que são a atualização do índice de produtividade e o assentamento das 170 mil famílias acampadas hoje no país. Vamos continuar batendo nas mesmas teclas. Não sabemos quantas famílias serão assentadas, porque esse número é o governo que tem de nos dizer. Mas não estamos otimistas, porque já é abril e nem orçamento aprovado temos. Depois vem a Copa do Mundo e depois eleições, e aí fica difícil. E não é só isso. O problema maior está em todo o modelo econômico que o governo vem privilegiando.