Pela reestatização da Companhia Vale do Rio Doce
Por Frei Gilvander Moreira
Criada pelo governo federal em 1º de junho de 1942, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) é a segunda maior empresa brasileira e estrategicamente decisiva para o futuro do país. A empresa atua em 14 Estados da federação, possui 9 mil quilômetros de estrada de ferro, é proprietária de dez portos e está presente nos cincos continentes. É detentora de importantes e estratégicas jazidas de mineiros, como nióbio, urânio, ouro, manganês, etc., sendo que alguns destes minerais possuem reservas somente em solo brasileiro. Líder mundial no mercado de minério de ferro, a Vale é a segunda maior produtora integrada de manganês e ferroligas, além de maior prestadora de serviços de logística do Brasil. Comercializa seus produtos para indústrias siderúrgicas do mundo inteiro.
Contra a vontade da sociedade civil e dos movimentos sociais, a CVRD foi privatizada, em leilão, no dia 6 de maio de 1997, na cidade do Rio de Janeiro, com amplo aparato policial de um lado e de grande manifestação pública do outro, por R$ 3,3 bilhões – valor semelhante ao lucro líquido da empresa, apenas no segundo trimestre de 2005 (R$ 3,5 bi). Apenas em 2004, os lucros da empresa alcançaram o patamar de 6,4 bilhões de reais e a previsão para 2005 foi de 12,5 bilhões de reais.
Em outubro de 2005, a desembargadora federal Selene Maria de Almeida, da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, decidiu dar provimento à uma ação impetrada na Justiça Federal que pede a anulação da privatização da Vale. A decisão da juíza obriga a Justiça federal de Belém a dar prosseguimento à ação e analisar todos os seus fundamentos. Mais de cem ações populares foram impetradas no Poder Judiciário contra a venda da CVRD, figurando como réus a União, o BNDES (que financiou com dinheiro publico a venda da companhia) e o ex-presidente FHC. A juíza Selene é relatora de outras 68 ações. Esta vitória judicial reoxigena a mobilização em prol da reestatização da CVRD. O movimento Reage Brasil ganha caráter nacional.
Já está instalada a CPI das Privatizações no Congresso Nacional com o objetivo de investigar todo o processo de privatização conduzido durante o governo FHC e o PSDB.
O processo de privatização da CVRD está cheio de irregularidades. A deputada federal Dra. Clair da Flora Martins (PT-PR), em ação na justiça, afirma que a privatização foi conduzida à margem da lei: “Estamos pedindo a nulidade dos editais da privatização. Eles estão repletos de irregularidades, como o fato de o banco de investimentos Merrill Lynch (gigante estadunidense do mercado financeiro) ter feito a avaliação do edital. Não tem como esse banco ser imparcial”. Problemas com esse do banco dos Estados Unidos também foram levantados pela juíza Selene, na justificativa da sua decisão. “Os argumentos dos autores populares, no que tange à subavaliação ou não-avaliação do patrimônio da CVRD, encontram respaldo no Relatório do Grupo de Assessoramento Técnico da Comissão Externa da Câmara dos Deputados, formada por especialistas reunidos pela Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da UFRJ, que apurou significativa diferença entre os valores das reservas registrados pela Vale na Securities and Exchange Comission, em Nova York, que foram conferidos e admitidos pelas autoridades americanas, porém, posteriormente, foram reduzidos pela empresa Merrill Lynch quando da avaliação do patrimônio da empresa, entre os anos de 1995 e 1996”, escreveu a desembargadora.
Outra irregularidade levantada por Mauro Santayana “foi a transferência de milhões de hectares à propriedade dos acionistas estrangeiros da empresa, mediante a venda no Exterior dos títulos da Vale, quando a legislação impede a alienação de mais de dois mil hectares a alienígenas (e que alienígenas!) sem a anuência das Forças Armadas e do Senado da República”. E mais: Empresas que haviam participado da avaliação, tornaram-se depois associadas na composição acionária da empresa privatizada.
Qual o volume total de reservas lavráveis em poder da CVRD? Segundo informações da CVRD à empresa norte americana Securites and Exchange Comission, as reservas de minério de ferro de Minas Gerais e da Serra do Carajás eram, em 1995, de 12.888 bilhões de toneladas, muito acima dos 3,2 bilhões de toneladas anunciadas na época de sua venda.
A CVRD foi vendida a preço de banana, sub-avaliada. As ações na justiça questionam os critérios de avaliação, ou seja, a forma como o preço da Vale foi calculado: “Simplesmente verificaram o preço da ação da CVRD no mercado e multiplicaram pelo número total de ações com direito a voto. Não se observou todo o patrimônio da Companhia”, alerta Clair Martins. Foram deixadas de fora das contas as 54 empresas onde a Vale operava diretamente (controladas e coligadas), a reserva mineral, duas das três ferrovias mais rentáveis do mundo, o capital tecnológico e intelectual da Docegeo, os terminais marítimos e o Complexo de Carajás (no Pará) inteiro. Este último, aliás, foi alvo de um Mandado de Segurança que recebeu parecer favorável do Supremo Tribunal Federal, por constituir reserva de urânio. Em 1995, a Vale declarou que suas reservas de minério de ferro em Minas Gerais eram de 7,198 bilhões de toneladas. No edital de privatização, de repente, havia apenas 1,4 bilhão de toneladas.
Para se ter uma idéia do que foi deixado de fora, Fábio Barbosa, diretor financeiro da Vale, foi à imprensa, em março de 2005, comemorar um feito: a CVRD se tornava a maior empresa da América Latina. Segundo Barbosa, à época, a empresa já valia cerca de 40 bilhões de dólares (R$ 100 bilhões) ou 28 vezes o valor pela qual a estatal foi vendida.
O geólogo Francisco F. A. da Costa, ex-superintendente de Pesquisas da Vale, em artigo no Diário do Pará sobre a lucratividade da Companhia – a da época e a futura – disse: “Este aumento de lucratividade, resultado de décadas de administração competente sob regime estatal, será meticulosamente atribuído à privatização. Economistas bisonhos louvarão as virtudes da privatização e apresentarão a Vale como exemplo”, sublinhou o geólogo. Diz o jornalista Mauro Santayana: “A Vale era a empresa que iria dar excelentes resultados logo no ano seguinte à privatização, para justificar a cantiga de que ‘tão logo foi privatizada, a Vale passou a dar grandes lucros’. Ela iria ter os mesmos (ou até melhores) resultados empresariais, se fosse mantida como empresa estatal. E teria dado muito mais benefícios diretos para o povo brasileiro, além dos lucros obtidos nas operações”. Segundo o jornalista, “os neoliberais sempre argumentam com os excepcionais lucros obtidos pela Vale – mas, conforme confirmam todos os que a conhecem bem, eles não são resultados destes últimos oito anos, e sim dos 55 anos precedentes, em que esteve sob controle da União”.
Não dá para compreender a entrega da segunda maior empresa brasileira ao capital privado. A privatização da CVRD atentou contra a necessária preservação das riquezas nacionais fundamentais para a soberania e o desenvolvimento do Brasil. A troco de que FHC e sua equipe entregaram a preço de banana riquezas fundamentais para um país em desenvolvimento? Essa pergunta está entalada na garganta. O povo brasileiro não irá se calar frente a tantos absurdos e desmandos atrozes.
Já na época da privatização, 70% dos brasileiros se mostraram contrários à venda da Empresa, Agora, é preciso ir às ruas exigir a devolução da gigante da mineração que nos foi tirada. Se o povo tomar consciência da força que tem não só terá seu patrimônio de volta como governos corruptos pensarão duas vezes antes de cometer tamanhas falcatruas. As forças políticas que coordenaram a luta contra a privatização da CVRD precisam urgentemente rearticular a memorável campanha de 97 e exigir que a companhia seja devolvida ao Estado brasileiro e que os responsáveis pela maior negociata da história republicana sejam levados às barras da justiça.
Queremos a Vale de volta. E vamos buscá-la no Congresso, na Justiça, mas, principalmente, nas ruas. Reestatização já!
Frei Gilvander Moreira é mestre em Exegese Bíblica; assessor da CPT, CEBI, MST, CEBs e SAB