Honestino Guimarães

Em 1968, a ditadura instaurada pelos militares no Brasil já completava quatro anos e a violência do exército e da polícia crescia a cada momento. Ao mesmo tempo, se intensificavam os protestos contra a repressão e o regime. Em 28 de março, quando os estudantes realizavam uma manifestação contra o aumento dos preços do restaurante Calabouço (RJ), criado para atender alunos carentes e custeado pelo governo federal, o secundarista Edson Luís de Lima Souto foi morto. Rapidamente, as lideranças do movimento estudantil convocaram uma grande manifestação para acompanhar o velório e o enterro. Em Brasília, a notícia chegou no início da noite. Ao ouvir os relatos, o estudante de geologia Honestino Guimarães se dirigiu à biblioteca da Universidade de Brasília (UnB) e deu início a uma intensa mobilização.

A reportagem do Jornal Correio Braziliense de 30 de março de 1968 relata: “A capital da república viveu desde às 18h de ontem, até a madrugada de hoje, cenas de violência, em virtude das manifestações de condenação do assassinato do estudante Edson Luís no Rio de Janeiro. As demonstrações reuniram centenas de universitários e estudantes secundaristas, além de populares”.

Na época, Guimarães era presidente da Federação dos Estudantes Universitários de Brasília (FEUB) e uma das principais lideranças do movimento estudantil. Primeiro filho de Maria Rosa com Benedito Monteiro Guimarães, Honestino já havia sido preso quatro vezes até 1968, acusado de pichar as ruas de Brasília e participar do movimento estudantil. Seu irmão Luís Carlos, secundarista, também se envolveu na luta contra a ditadura e foi preso uma vez. Como conseqüência da ação política de Honestino e Luís Carlos, o caçula da família, Norton, foi expulso do colégio em que estudava. Sem opção, ele se matriculou no Elefante Branco, escola conhecida por intensa participação política de seus estudantes e professores. Nesse mesmo lugar, Honestino tinha iniciado sue trabalho político e em 1964, começou sua militância organizada na Ação Popular (AP), uma das organizações políticas mais importantes da época e que orientaria sua trajetória.

A UNE e o movimento estudantil

Os militantes da AP foram os últimos dirigentes da União Nacional dos Estudantes antes da proibição total da entidade. Desde 1964, a UNE estava na ilegalidade, como os demais movimentos sociais e organizações populares, mas continuava atuando intensamente na política. Em 1968 as perseguições aumentaram.

Após o assassinato de Edson Luís, a polícia invadiu uma assembléia clandestina de estudantes na Universidade Federal do Rio de Janeiro e prendeu 400 pessoas, que foram levadas para o campo de futebol do Botafogo (RJ) e duramente torturadas. No dia seguinte, a população carioca e os estudantes enfrentaram a polícia durante quase 10 horas. O episódio, conhecido como Sexta-feira Sangrenta, deixou quatro mortos, vários baleados, espancados e presos. Em 26 de junho, a Passeata dos Cem Mil tomou as ruas do Rio. Com ampla adesão popular, o governo optou pela não repressão.

Sob esse clima de tensão, foi realizada a Assembléia Geral dos Estudantes de Brasília em que quatro militares infiltrados foram identificados. Os estudantes ergueram barricadas no campus, declarando o lugar “Território Livre”. Um agente policial foi preso e mantido em cárcere durante toda noite. Em 15 de agosto, a prisão preventiva de sete estudantes foi decretada, entre eles estava Honestino.

Em uma operação conjunta entre Exército, Polícia Militar, Polícia Civil e Polícia Política, sob a alegação de cumprir o mandato de prisão dos alunos, a UnB foi invadida em 29 de agosto. Os estudantes resistiram e centenas foram presos. “Foi a mais violenta das invasões sofridas pela universidade, que coisa horrorosa. Foi o dia mais triste da minha vida. Vi aquela coisa toda e sabia que aquele arsenal era por causa do Honestino. Nesse dia, ele perdeu os óculos e ele era extremamente míope. No dia da invasão o prenderam”, lembra sua mãe. Ele permaneceu dois meses na cadeia.

Em outubro, mais um estudante é morto no episódio conhecido como Batalha da Maria Antônia, em alusão ao nome da rua em que ocorreu o incidente, no centro de São Paulo (SP). O confronto entre estudantes da Universidade de São Paulo (USP) e alunos da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que contava com um grupo auto-denominado CCC (Comando de Caça aos Comunistas), deixou vários feridos e incendiou o prédio da Faculdade de Filosofia da USP.

Em seguida, foi organizado clandestinamente o 30° Congresso da UNE em Ibiúna (SP). O presidente da entidade era Luís Travassos, estudante da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e membro da AP. José Dirceu, também estudante da PUC-SP, era favorito na disputa da presidência. No entanto, antes que fosse concluído, o Congresso foi denunciado e 1.200 estudantes presos. Travassos e Dirceu foram exilados.

Para eleger a nova diretoria da UNE, congressos menores foram realizados por região e Jean Marc Von der Weid foi eleito presidente. Em 13 de dezembro de 1968, o General Arthur da Costa e Silva, então representante máximo do regime militar, editou o Ato Institucional nº 5, eliminando direitos individuais e permitindo ao poder executivo impor estado de sítio, fechar o Congresso, cassar mandatos políticos e aprofundar a censura. Honestino, como milhares de outros estudantes, operários, trabalhadores e trabalhadoras rurais e lutadores do povo, entrou definitivamente para a clandestinidade. Alguns dias depois, em 17 de dezembro seu pai, Benedito Monteiro Guimarães, morreu em acidente de carro, depois de três noites sem dormir.

Em 1969, Jean Marc também foi preso e Honestino assumiu a presidência da UNE. “Ele não abandonou a bandeira da entidade, não deixou a UNE morrer”, afirma Maria Rosa. Continuou coordenando encontros estudantis e lutando contra o regime militar até ser pego em 10 de outubro de 1973. Na época, tinha 26 anos e nunca mais foi visto. Honestino deixou uma filha, Juliana Botelho Guimarães, fruto de um casamento de quatro anos com Isaura Botelho.

Sua certidão de óbito foi entregue à família apenas em 1996, sem qualquer dado, inclusive a causa da morte. “Eles não conseguiram intitulá-lo como terrorista. A luta era ideológica. Honestino sempre buscou a justiça”, defende o irmão mais novo, Norton.

* Com informações da UnB