Quem Somos
Para falar sobre a trajetória do MST é preciso falar da história da concentração fundiária que marca o Brasil desde 1500. Por conta disso, aconteceram diversas formas de resistência como os Quilombos, Canudos, as Ligas Camponesas, as lutas de Trombas e Formoso, a Guerrilha do Araguaia, entre muitas outras.
Em 1961, com a renúncia do então presidente Jânio Quadros, João Goulart – o Jango – assume o cargo com a proposta de mobilizar as massas trabalhadoras em torno das reformas de base, que alterariam as relações econômicas e sociais no país. Vive-se, então, um clima de efervescência, principalmente sobre a Reforma Agrária.
Com o golpe militar de 1964, as lutas populares sofrem violenta repressão. Nesse mesmo ano, o presidente-marechal Castelo Branco decretou a primeira Lei de Reforma Agrária no Brasil: o Estatuto da Terra. Elaborado com uma visão progressista com a proposta de mexer na estrutura fundiária do país, ele jamais foi implantado e se configurou como um instrumento estratégico para controlar as lutas sociais e desarticular os conflitos por terra. As poucas desapropriações serviram apenas para diminuir os conflitos ou realizar projetos de colonização, principalmente na região amazônica. De 1965 a 1981, foram realizadas 8 desapropriações em média, por ano, apesar de terem ocorrido pelo menos 70 conflitos por terra anualmente.
Nos anos da ditadura, apesar das organizações que representavam as trabalhadoras e trabalhadores rurais serem perseguidas, a luta pela terra continuou crescendo. Foi quando começaram a ser organizadas as primeiras ocupações de terra, não como um movimento organizado, mas sob influência principal da ala progressista da Igreja Católica, que resistia à ditadura. Foi esse o contexto que levou ao surgimento da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 1975.
Nesse período, o Brasil vivia uma conjuntura de extremas lutas pela abertura política, pelo fim da ditadura e de mobilizações operárias nas cidades. Fruto desse contexto, em janeiro de 1984, ocorre o primeiro encontro do MST em Cascavel, no Paraná, onde se reafirmou a necessidade da ocupação como uma ferramenta legítima das trabalhadoras e trabalhadores rurais. A partir daí, começou-se a pensar um movimento com preocupação orgânica, com objetivos e linha política definidos.
Em 1985, em meio ao clima da campanha “Diretas Já”, o MST realizou seu primeiro Congresso Nacional, em Curitiba, no Paraná, cuja palavra de ordem era: “Ocupação é a única solução”. Neste mesmo ano, o governo de José Sarney aprova o Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), que tinha por objetivo dar aplicação rápida ao Estatuto da Terra e viabilizar a Reforma Agrária até o fim do mandato do presidente, assentando 1,4 milhão de famílias. Mais uma vez a proposta de Reforma Agrária ficou apenas no papel. O governo Sarney, modificado com os interesses do latifúndio, ao final de um mandato de 5 anos, assentou menos de 90 mil famílias sem-terra. Ou seja, apenas 6% das metas estabelecidas no PNRA foi cumprida por aquele governo.
Com a articulação para a Assembléia Constituinte, os ruralistas se organizam na criação da União Democrática Ruralista (UDR) e atuam em três frentes: o braço armado – incentivando a violência no campo -, a bancada ruralista no parlamento e a mídia como aliada.
Os ruralistas conseguiram impor emendas na Constituição de 1988 ainda mais conservadoras que o Estatuto da Terra.
Porém, nessa Constituição os movimentos sociais tiveram uma importante conquista no que se refere ao direito à terra: os artigos 184 e 186. Eles fazem referência à função social da terra e determinam que, quando ela for violada, a terra seja desapropriada para fins de Reforma Agrária. Esse foi também um período em que o MST reafirmou sua autonomia, definiu seus símbolos, bandeira, hino. Assim foram se estruturaram os diversos setores dentro do Movimento.
A eleição de Fernando Collor de Melo para a presidência da República em 1989 representou um retrocesso na luta pela terra, já que ele era declaradamente contra a Reforma Agrária e tinha ruralistas como seus aliados de governo. Foram tempos de repressão contra os Sem Terra, despejos violentos, assassinatos e prisões arbitrárias. Em 1990, ocorreu o II Congresso do MST, em Brasília, e que continuou debatendo a organização interna, as ocupações e, principalmente, a expansão do Movimento em nível nacional. A palavra de ordem era: “Ocupar, resistir, produzir”.
Em 1994, Fernando Henrique Cardoso vence as eleições com um projeto de governo neoliberal, principalmente para o campo. É o momento em que se prioriza novamente a agro-exportação. Ou seja, em vez de incentivar a produção de alimentos, a política agrícola está voltada para atender os interesses do mercado internacional e para gerar os dólares necessários para pagar os juros da dívida externa.
No ano seguinte, o MST realizou seu III Congresso Nacional, em Brasília. Cresce a consciência de que a Reforma Agrária é uma luta fundamental no campo, mas que se não for disputada na cidade nunca terá uma vitória efetiva. Por isso, a palavra de ordem foi “Reforma Agrária, uma luta de todos”.
Já em 1997, o Movimento organizou a histórica “Marcha Nacional Por Emprego, Justiça e Reforma Agrária” com destino a Brasília, com data de chegada em 17 abril, um ano após o massacre de Eldorado dos Carajás, quando 21 Sem Terra foram brutamente assassinados pela polícia no Pará.
Em agosto de 2000, o MST realiza seu IV Congresso Nacional, em Brasília, cuja palavra de ordem foi “Por um Brasil sem latifúndio” e que orienta as ações do movimento até hoje.
O Brasil sofreu 8 anos com o modelo econômico neoliberal implementado pelo governo FHC, que provocou graves danos para quem vive no meio rural, fazendo crescer a pobreza, a desigualdade, o êxodo, a falta de trabalho e de terra. A eleição de Lula, em 2001, representou a vitória do povo brasileiro e a derrota das elites e de seu projeto. Mas, mesmo essa vitória eleitoral não foi suficiente para gerar mudanças significativas na estrutura fundiária e no modelo agrícola. Assim, é necessário promover, cada vez mais, as lutas sociais para garantir a construção de um modelo de agricultura que priorize a produção de alimentos e a distribuição de renda.
Hoje, completando 22 anos de existência, o MST entende que seu papel como movimento social é continuar organizando os pobres do campo, conscientizando-os de seus direitos e mobilizando-os para que lutem por mudanças. Nos 23 estados em que o Movimento atua, a luta não só pela Reforma Agrária, mas pela construção de um projeto popular para o Brasil, baseado na justiça social e na dignidade humana.
(*) Com informações do livro “A história da luta pela terra e o MST”, Mitsue Morissawa, Editora Expressão Popular, 2001.