Laudelina de Campos Mello
Mulher, negra e trabalhadora doméstica. Esta combinação de características carrega um peso de preconceito que resgata a herança brasileira de escravidão dos negros, sub-valorização das mulheres e exploração da classe trabalhadora.
Há oito milhões de trabalhadores domésticos no Brasil, cerca de 10% da população economicamente ativa. A classe é composta por 95% de mulheres e 82% de negras. A maioria não teve a possibilidade de estudar e apenas 300 mil têm registro na carteira profissional. Enfrentam a desconsideração da sociedade, exercem atividades pesadas e mal remuneradas. São vítimas de humilhações, violência sexual e racismo.
As trabalhadoras domésticas fazem parte de um universo mantido escondido por deixar exposto as feridas de uma sociedade extremamente machista, racista e classista. Apesar de prevalecer ainda o silêncio e a apatia, a luta da categoria começou na década de 30 e teve como precursora Laudelina de Campos Mello, mulher, negra, trabalhadora doméstica e lutadora de esquerda.
Laudelina nasceu em Poços de Caldas, Minas Gerais, em 12 de outubro de 1904. Aos sete anos de idade, começou a trabalhar como empregada doméstica. Passou por uma infância de exploração, discriminação e racismo. Manteve viva dentro de si a indignação com a desigualdade no país.
Com 16 anos começou a atuar em organizações de mulheres negras. Preocupada com a necessidade de diversão das classes pobres, foi presidenta do Clube 13 de Maio, que promovia atividades recreativas e políticas. Nos anos 20, trabalhou especialmente pelo lazer e cultura. No período, fez parte de diversas entidades do movimento negro. Desde então, percebeu que era preciso uma atenção especial com os diferentes níveis de consciência das pessoas e a necessidade de encontrar um ponto em comum para avançar na luta.
Laudelina acreditava que a luta dos negros deveria ser politizada para ultrapassar as demandas pontuais. Para ela, a afirmação da identidade negra no Brasil parava no campo da cultura, deixando em segundo plano o lado político e a ideologia étnica, que se diluía no discurso político tradicional ou na falta de consciência política.
b>Fundação da associação
Na década de 30, Laudelina mudou para Santos, litoral de São Paulo. Passou a atuar em movimentos populares e sua militância ganhou um peso político e reivindicatório, com sua ligação ao Partido Comunista Brasileiro. Em 1936, fundou a primeira Associação de Trabalhadores Domésticos do país, onde permaneceu até 1949 como presidenta. Trabalhou para a fundação da Frente Negra Brasileira, a maior organização de massas da história do movimento negro, que chegou a ter 30 mil filiados.
“Laudelina era uma militante que não lutava por uma única causa, mas por questões gerais na sociedade”, afirma Cleuza Aparecida da Silva, integrante da coordenação da Casa Laudelina de Campos Mello, entidade inspirada na trajetória da lutadora, localizada em Campinas. Por isso, buscou a união das lutas da classe trabalhadora, dos negros e das mulheres como estratégia fundamental para combater o racismo, a opressão e a exploração da burguesia. Ao mesmo tempo, tentava aparar as arestas e manter uma aliança dos grupos no interior do movimento negro.
Com a mudança para Campinas, em 1954, entrou para o movimento negro da cidade e participou de atividades culturais e sociais, com o objetivo de elevar a auto-estima e a confiança da juventude negra, com a formação de grupos de teatro e dança. Criou uma escola de balé e um conservatório de música na cidade.
Em 1957, promoveu um baile de debutantes para jovens negras, no Teatro Municipal de Campinas. Nas negociações com a direção do teatro, enfrentou resistência na obtenção da autorização para usar o local. Laudelina denunciou na imprensa o tratamento preconceituoso dos responsáveis pelo teatro e conseguiu a autorização para fazer a cerimônia. “Ela tinha o poder de questionar os fundamentos da sociedade e ocupar com a luta os meios de comunicação”, explicou Cleuza.
Participou da fundação da Associação Profissional Beneficente das Empregadas Domésticas de Campinas, com o apoio do Sindicato da Construção Civil do município, que emprestou uma sala no seu prédio para sede. Além das atividades culturais, a entidade lutou contra o preconceito racial e fez intervenções em conflitos entre domésticas e patrões. No período, não existiam direitos sociais e legislação trabalhista em defesa da categoria. Por outro lado, era generalizada a superexploração, o uso de menores e abuso sexual.
Conquista de diretos
Laudelina acumulou experiência com a fundação das associações e foi convidada, a partir de 1962, para participar da organização de diversos sindicatos da categoria, como no Rio de Janeiro e em São Paulo. A militância sindical não a fez deixar de lado as demandas das mulheres e dos negros. “Laudelina não perdia no meio da questão luta de classes a especificidade das demais lutas”, afirmou Cleuza.
Durante o regime militar (1964-1985), ela entrou para a luta política na clandestinidade e passou a atuar no interior da igreja progressista, nas comunidades eclesiais de base. Foi presa e obrigada a prestar depoimento. Mesmo assim, seguiu em defesa das domésticas e virou uma referência nacional na batalha pela regulamentação dos direitos das trabalhadoras domésticas. Na década de 70, a categoria conquistou o direito a Carteira de Trabalho e Previdência Social.
Por causa de disputas pelo comando da associação, ficou doente e se afastou do movimento das empregadas domésticas. Em 1982, voltou à direção da entidade, que deu origem ao atual Sindicato dos Trabalhadores Domésticos de Campinas. Na década de 80, entrou para o Partido dos Trabalhadores e participou da filiação do sindicato à Central Única dos Trabalhadores. Depois atuou na criação da Federação Nacional dos Trabalhadores Domésticos.
Laudelina morreu em 12 de maio de 1991. Dona apenas da própria casa, uma habitação popular na região noroeste da cidade, sonhava com a transformação do espaço em um centro de formação política da categoria. Deixou o espaço de herança ao Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da cidade. Hoje a organização tem sede na casa onde viveu a fundadora da entidade, uma das principais lutadoras negras do país e corajosa defensora das mulheres, negras e trabalhadoras domésticas.