Maria Cano

Numa época em que a única função da mulher era ter filhos e cuidar da casa, a colombiana Maria Cano contrariou as expectativas da sociedade tradicional em que vivia. Durante os anos 30, se tornou uma das mais importantes defensoras dos interesses da classe trabalhadora e das mulheres de toda Colômbia.

Maria Cano nasceu em 1887, na cidade de Medelín. Foi criada entre a classe média, que não era muito numerosa ou expressiva na época, mas possuía importância pelo fato de concentrar intelectuais e profissionais liberais.

Desde o inicio da década de 20, se vinculou aos círculos literários contestadores simpáticos à Revolução Russa, como o Cyrano. Cano era assídua frequentadora da Biblioteca Departamental e, aos poucos, foi amadurecendo seu projeto de promover o acesso popular à literatura.

A perda precoce de pais, as atividades literárias e o trabalho fotográfico de uma de suas irmãs contribuíram para o amadurecimento e independência de Maria Cano. Sua casa foi sempre freqüentada por intelectuais, trabalhadores, mulheres em diversas condições, curiosos. Conviveu sempre com idéias revolucionárias críticas ao sistema capitalista. Maria Cano foi desde muito nova uma pessoa inconformada com as desigualdades sociais, e ao mesmo tempo em que se formava, passou a conhecer os bairros pobres da periferia de Medelín, razão pela qual passou a ser chamada de Flor do Trabalho.

Caminho

Maria quis conhecer a luta dos trabalhadores e trabalhadoras de seu país. Por isso, iniciou uma jornada pela Colômbia para entender o processo político pelo qual passava seu país, e conheceu as principais cidades que concentravam atividades artesanais e industriais. No início de sua militância, Maria vivia em um país imerso em lutas operárias, como em toda América Latina. Ela participou ativamente do Terceiro Congresso Operário de Bogotá, em 1926, ano que também ingressou na direção do recém criado Partido Socialista Revolucionário. Na ocasião seu apelido recebeu um complemento, tornou-se a Flor Nacional do Trabalho.

Cano e outros militantes do partido enfrentaram uma intensa perseguição política e indiferença civil nos anos 20 e 30. Apesar da hostilidade das forças policiais do regime conservador colombiano e dos preconceitos sociais que sofria por ser mulher, Maria conseguiu difundir idéias revolucionarias através de sua militância. Transformou sua veia literária em textos de agitação e propaganda. Fazia discursos incendiários, sempre emocionados.

Assim como todas as mulheres de sua geração, Cano estava excluída do mundo público. Em geral, elas não ocupavam cargos importantes, não freqüentavam universidades, não votavam, não dispunham de dinheiro. A mudança de algumas dessas restrições teve início em 1932, mas antes disso, a função da mulher estava restrita à vida privada do lar. O fato de Maria Cano ser militante socialista representava algo duplamente desafiador para a época.

Revés

A partir de 1928, a mal sucedida insurreição socialista pela qual passou a Colômbia, gerou grande desânimo e autocrítica dentro do Partido Socialista do país. Outro ponto negativo foi a pequena participação popular nas eleições presidenciais. Maria Cano, e outros dois companheiros de luta, Tomás Uribe e Ignacio Torres Giraldo, passaram a sofrer isolamento interno no partido, que os acusou de aventureiros.

Abatida pela exclusão dos companheiros, Maria seguiu o trabalho de educação operária e solidariedade com os conflitos trabalhistas, mas sem muito entusiasmo. Passou a ter aparência sombria a qual mudava apenas em situações pontuais, como nas homenagens que recebeu, em 1945 e 1960. Além disso, seus escritos foram cada vez mais esporádicos. A morte de uma de suas irmãs em 1963, a deixou muito abatida e quatro anos depois, em 1967, ela também faleceu.

A figura de Maria Cano resume toda a rebeldia de uma mulher socialista. Foi uma grande agitadora política. A lutadora colombiana protagonizou muitas rupturas com o sistema preconceituoso e excludente no qual ainda vivemos. Além de ter abandonado a classe média da qual provinha, Maria preferiu a militância revolucionária ao papel feminino que deveria cumprir aos olhos da sociedade conservadora.

As recusas que fez são muito mais expressivas que um belo espetáculo de emancipação feminina. A sensibilidade que conseguiu imprimir nos processos políticos da época através de sua militância foi notório. Alfonso López, companheiro do Partido Socialista acreditava que Maria havia feito coisas que homem algum faria. “Maria levou à alma do povo, o inconformismo diante da miséria”, confessou López em abril de 1928.

Em discurso que fez para alguns operários em 1925, Maria Cano acreditava que um mundo mais justo depende também de nossa sensibilidade. “Companheiros, de pé! Prontos para nos defender. Sejamos um só coração, um só braço. Nossos inimigos reafirmam sua perseguição de séculos. No entanto, eles se organizam para destruir. Nós nos organizamos para construir”, encorajou a militante.