Sociedade brasileira não está acostumada a ver ações políticas de massas
Fonte IHU On-Line
A monocultura do eucalipto é o tema da entrevista com o geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, geógrafo da Universidade de São Paulo (USP). Leia abaixo a íntegra da entrevista:
Quais as principais conseqüências ambientais da destruição de nascentes e matas ciliares do Rio São Francisco?
Ariovaldo de Oliveira – As nascentes são as fontes de formação de qualquer rio. Com o São Francisco não é diferente. Suas nascentes no cerrado do norte mineiro que Guimarães Rosa chamou de Grande Sertões, é uma espécie de caixa dágua, grande esponja, que absorve a água das chuvas, e elas vão para o lençol freático e dele volta à superfície através das nascentes. As matas ciliares são a proteção destas nascentes. O rio São Francisco depende das águas destas nascentes em Minas Gerais. Como mais de 3.800 já secaram, cada dia o rio recebe um volume menor de água. Assim a “conta” será cobrada no futuro, se nada for feito.
Como a plantação de eucalipto interfere na questão do desmatamento?
Ariovaldo de Oliveira – O cultivo do eucalipto, pinus e acácia tem aumentado no Brasil. O que mais cresce é o eucalipto. Hoje o Brasil tem mais ou menos 6 milhões de hectares com cultura de madeira para produzir pasta de celulose, carvão vegetal, resinas, etc. O eucalipto interfere diretamente no desmatamento na região de Marabá no Pará, onde é usado para produzir ferro gusa para exportação. Isso também ocorre em Almerim e Marzagão, Porto Grande, no Pará e Amapá. Lá fica o projeto Jarí, para exportação de pasta de celulose. O mesmo ocorre no Espírito Santo, Sul da Bahia, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Como o senhor vê o projeto de transposição do leito do Rio São Francisco? A revitalização seria uma melhor alternativa?
Ariovaldo de Oliveira – O São Francisco é um rio que está morrendo, pois suas nascentes estão secando. A revitalização é a única solução. Somos contra a transposição porque ela é cara e só atende os interesses das construtoras. Além disso, em toda área por onde estão projetados os canais há muita terra devoluta cercada por grandes grileiros que esperam a água para produzir frutas para exportação. Ou seja, vai aumentar o endividamento público e não resolve a questão da seca. Seria muito mais barato captar via cisternas a água da chuva.
Qual a sua opinião sobre a cartilha O Latifúndio dos Eucaliptos, em que a Via Campesina prega a expropriação das terras com plantio de celulose em prol da Reforma Agrária?
Ariovaldo de Oliveira – A cartilha tem finalidade educativa. Informar e formar opinião. Isto é fundamental, pois, a mídia brasileira está toda “comprada” pelas empresas do setor de pasta de celulose. Não há veiculação de opiniões contrárias. A cartilha tem essa função de alertar a todos sobre os riscos da expansão do cultivo do eucalipto. A tese que a Via Campesina apresenta da desapropriação das terras para a Reforma Agrária está baseada no artigo 184 e 186 da Constituição Brasileira. O artigo 186 diz que “compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei”. Já o artigo 186 da Constituição afirma que “a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”. Assim, o cultivo do eucalipto fere o item sobre o meio ambiente, por isso a posição defendida.
Como o senhor viu a ação das agricultoras que ocuparam a Aracruz Celulose?
Ariovaldo de Oliveira – A sociedade brasileira não está acostumada a ver ações políticas de massa. Ou seja, o que as elites do país querem é um povo “cordeirinho”, que não reaja. Com os movimentos sociais rurais acabou este tempo. Agora, eles fazem manifestação de massa. Tratou-se de um ato político para chamar a atenção das autoridades. As autoridades fingem que estão cumprindo a lei. As mulheres da Via Campesina deram dois recados com o ato: primeiro, não é mais possível continuar o descaso com o meio ambiente; segundo, as pesquisas têm que ter finalidade social e não ser contra a sociedade.
A cartilha expõe os motivos do ato ocorrido em março deste ano e destaca restrições à monocultura. Acha que a ação das mulheres possibilitou a compreensão dessa mensagem pelo público? Se acha que não, qual teria sido a falha?
Ariovaldo de Oliveira – A mídia gaúcha é extremamente preconceituosa (particularmente a RBS, Zero Hora etc.). Eu estava em Porto Alegre quando ocorreu o fato. A mesma matéria da RBS foi ao ar pelo Jornal Nacional. A mesma manchete do Zero Hora foi manchete no Brasil inteiro. A mídia brasileira é a voz das elites. As elites nunca aceitaram a idéia de perder o poder. A sociedade tomou ciência pela mídia, mas devagar ela vai vendo de outra forma o que aconteceu. Seguramente o episódio vai entrar para os fatos políticos mais significativos deste ano de 2006, como a greve de fome de Dom Cappio foi no ano passado.
Como o governo federal tem conduzido a questão da Reforma Agrária e da preocupação ambiental?
Ariovaldo de Oliveira – Lamentavelmente, Miguel Rosseto e sua equipe não fizeram nem mesmo a Reforma Agrária que disseram que iriam fazer no II Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Eles (Ministério do Desenvolvimento Agrário e Incra) mentem para a sociedade que estão cumprindo as metas, o que não é verdade. No ano de 2005 disseram que assentaram 127 mil famílias. Mentira! Assentaram apenas 45 mil. O restante foram famílias que tiveram suas posses ou situações regularizadas em assentamentos já existentes. O mesmo já tinha ocorrido em 2004 e 2003. Na gestão de Rosseto, o Incra não assentou nem 100 mil famílias em assentamentos novos, quando já deveriam ter assentado 260 mil segundo o II PNRA. No Rio Grande do Sul a situação é vexatória, pois, em 2005, o Incra anunciou ter assentado 648 famílias, entretanto, como assentamentos novos, ou seja, reforma agrária verdadeira, foram apenas 220 famílias. Quanto à questão ambiental, o quadro também é preocupante, pois primeiro vieram os transgênicos, agora o governo aprova uma lei para explorar madeira em terra pública.
uais as possibilidades de transformarmos o Brasil em um deserto em função da monocultura de árvores? O senhor tem conhecimento sobre a questão do deserto verde no Rio Grande do Sul? O que pensa sobre isso?
Ariovaldo de Oliveira – A questão do plantio de eucalipto no pampa gaúcho é preocupante, pois, os estudiosos da UFRGS sobre o tema alertam que o balanço hídrico para esta cultura está no limite. Isso quer dizer que chove mais ou menos o que a planta precisa, caso esta quantia de chuva não caia, ela vai buscar água do subsolo, e aí estará diminuindo a quantidade de água no subsolo, logo contribuindo para a arenização do solo. Os empresários brasileiros, os “novos ricos”, em geral, são semi-analfabetos do ponto de vista intelectual. Eles acham que a natureza não vai responder negativamente no futuro. Julgam que podem derrubar a vegetação, podem plantar o que querem. A natureza pode demorar, mas ela reage. Estes empresários precisam perceber que a humanidade é nada frente a história da natureza. Por isso, a destruição da natureza coloca em risco o futuro da humanidade, e depois de tudo destruído não dá para dizer: “Eu não sabia”, porque aí será tarde demais.
Gostaria de aproveitar esta oportunidade para também lembrar aos gaúchos que estão no Cerrado, do Centro-Oeste ou mesmo do Nordeste. Lá o problema é igual. Ou seja, logo vão começar a colher as destruições que estão fazendo. Os movimentos sociais estão trazendo para o seio da sociedade brasileira o brado de alerta. O brado que avisa que o futuro pode ser pior, se nada for feito já. Por isso, trata-se de evitar já o pior, no futuro.