Movimentos promovem campanha pela redução dos preços da energia
Por Luís Brasilino
Fonte Jornal Brasil de Fato
É possível passar a pagar apenas um quinto da conta de luz? Ou até mesmo não pagar nada? O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) está promovendo, ao lado de outras entidades, uma campanha nacional pela redução das tarifas de energia elétrica. A reivindicação é de 100 quilowatts (Kw) gratuitos, por mês, para famílias de baixa renda, e de equiparação entre o preço da energia cobrada das indústrias com o preço para as residências. Em Minas Gerais, por exemplo, a aplicação dessa medida reduziria em cinco vezes o preço da energia paga pela população.
Joceli Andrioli, da coordenação nacional do MAB, explica que a campanha é uma forma de envolver a população na discussão de um projeto popular para o Brasil. Serão realizadas assembléias populares municipalizadas para dar capilaridade à campanha e está sendo preparado um abaixo-assinado com o objetivo de reforçar uma ação popular.
Andrioli conta que a redução das tarifas de energia, além de significar “um dinheirinho a mais para as famílias comprarem leite, roupas etc.”, tem um caráter desconcentrador de renda. “As empresas de geração de energia, nas mãos de acionistas privados, obtêm grandes lucros, enquanto os maiores consumidores de energia, as indústrias pesadas, pagam tarifas muito inferiores em comparação com as residências. Portanto, o dinheirinho a mais sairia dos gordos rendimentos de empresas privadas”, coloca o dirigente do MAB.
Efeito das privatizações
O economista César Benjamin definiu, em um artigo sobre a crise energética, a condição privilegiada do Brasil: “Mais de 90% de nossa capacidade de geração se baseia em duas coisas gratuitas, a água das chuvas e a força da gravidade. Bacias hidrográficas generosas, com centenas de rios permanentes e caudalosos, se espalham por grandes regiões – Sul, Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste e Norte – cujos regimes de chuvas são bem diferentes.
Por serem rios de planalto, seguem trajetórias em que, de modo geral, a declividade é suave. Quando barrados, formam grandes lagos. São energia potencial estocada. É só fazer a água cair, passando por uma turbina, que geramos a eletricidade mais barata do mundo, de fonte renovável e não poluente. Se as barragens forem construídas em seqüência, ao longo do curso de um rio, a mesma gota d’água é usada inúmeras vezes, antes de se perder no oceano”.
Entretanto, as privatizações do setor elétrico iniciadas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1995, transferiram todas essas vantagens do povo brasileiro para grandes grupos privados. Com isso, o interesse das empresas, antes públicas, mudou. Em vez de oferecer energia barata para a população e estimular o desenvolvimento, seu principal objetivo passou a ser gerar lucro para seus acionistas.
Mesmo nas empresas onde o controle administrativo permanece estatal, a obtenção de mais receita – e menos despesas – prevalece. Esse é o caso da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) que, apesar de estatal, se comporta como uma empresa capitalista. Em 2005, seu lucro foi de R$ 2,003 bilhões, dos quais 76% ficaram com acionistas particulares.
Explosão tarifária
“Para que a Cemig tenha um lucro como esse, alguém deve pagar a conta. E quem arca com isso é a população”, protesta Andrioli. Entre 1995 e 2001, a tarifa residencial subiu 125,5% no Brasil. No mesmo período, a inflação foi de 58,82%, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Até 2005, a tarifa da Cemig tinha subido 243,03% em relação a 1999, quando suas primeiras ações foram vendidas no mercado. Pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor (INPC), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a inflação acumulada nesses anos foi de 71,86%. Resultado: em 2004, a tarifa brasileira já era a quinta maior do mundo, 0,141 dólar o Kw/hora (KwH), segundo estudo feito pelo Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico (Ilumina). Na mesma pesquisa, países cuja matriz energética se baseia na hidreletricidade, como o Canadá e a Noruega, aparecem, respectivamente na 29ª e 30ª posição.
Bom para uns
No entanto, para as grandes indústrias, as privatizações não foram tão prejudiciais. Luiz Dalla Costa, também da coordenação nacional do MAB, cita o caso da transnacional estadunidense Alcoa. Apesar de ser uma siderúrgica, a companhia tem participação acionária em usinas hidrelétricas como a Eletronorte, em Tucuruí, no Pará. “Pelo contrato firmado com o governo, para produzir alumínio a Alcoa compra energia dessa usina a 19 dólares (cerca de R$ 42) o megawatt (Mw). No entanto, o preço para a população gira em torno de R$ 500 o Mw. Considerando que a Alcoa é uma das proprietárias da usina, temos o seguinte quadro: a siderúrgica compra por 19 dólares a mesma energia que vende a R$ 500”, constata Dalla Costa.
Essa disparidade se repete no país inteiro. Segundo informações do Ilumina, entre 1995 e 2004 a tarifa residencial subiu 50%, descontando- se a inflação. A tarifa industrial cresceu 23%. Analisando as receitas da Cemig no 3º trimestre de 2005, a situação fica clara. Aproximadamente 36% do faturamento da empresa veio do setor residencial. Por sua vez, as indústrias contribuíram com 33%. No entanto, o consumo industrial (59%) é mais de três vezes superior ao consumo doméstico (17%).
Justiça auxilia a campanha
A campanha pela redução da tarifa de energia elétrica conta com um aliado importante: a Justiça. No dia 20 de abril, o juiz Charles Renaud Frazão de Moraes, da 14ª Vara da Justiça Federal de Brasília, determinou que os consumidores residenciais de todo o país cuja média de gastos não ultrapasse os 200 quilowatts por mês têm direito a desconto de 65% na conta de luz. Na ocasião, o magistrado considerou procedente uma Ação Civil Pública movida em 2004 pela Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor de São Paulo (Procon- SP) e pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Pro Teste).
A determinação tem aplicabilidade imediata. No entanto, por falta de informação, não está sendo empregada. Segundo Joceli Andrioli, da coordenação do MAB, a campanha se dedica a difundir essa informação para ampliar o benefício a uma camada maior da população. Aproximadamente 17,5 milhões de casas já são beneficiadas com o desconto.