Idealina Fernandes Gorender

Vanda, Antônia Elza, Toni, Haydée. Estes foram alguns dos nomes usados ao longa da vida da militância política de Idealina da Silva Fernandes Gorender, ou simplesmente Idê, como era carinhosamente chamada pelos amigos. A companheira que faleceu em julho, aos 84 anos, trilhou um caminho próprio e fez suas escolhas para defender o ideal de um Brasil justo e digno para seu povo.

Idê veio de uma família onde a luta política era uma constante. Os nomes dos filhos e filhas de Hermogênio da Silva Fernandes e de Julieta da Silva Fernandes são uma prova disso. Os 10 irmãos e irmãs de Idealina tinham nomes que faziam ligação com a visão de mundo defendida pelos seus pais. Uma se chamava Socialina, por causa do socialismo; outra, Paz, porque nasceu logo depois da Primeira Guerra; já o caçula, Neno Vasco, recebeu o nome do português que traduziu a letra da Internacional. Já Idealina era uma homenagem às novas idéias surgidas no mundo depois da revolução Russa.

Apesar de ter pai carioca, Idealina nasceu na cidade de Cruzeiro, interior de São Paulo, em 12 de março de 1922. Treze dias depois de seu nascimento, seu pai, que era eletricista de profissão, fundou o Partido Comunista, juntamente com outros moradores da cidade.

Anos mais tarde, o PC fundou a associação 23 de agosto, onde toda a família Silva Fernandes aprende a tomar gosto pela luta. Lá organizavam passeatas e atividades políticas nas ruas da pequena Cruzeiro. As forças conservadoras da cidade não viam com bons olhos a militância da família de Idê. Seu pai foi preso por seis vezes.

Morte da mãe

Em 1934, a família sofreu uma grande perda: a morte da mãe Julieta, aos 39 anos. Logo depois, a perseguição aos comunistas na cidade se intensificou e todos e todas que, mesmo não sendo comunistas, lutavam a favor da classe trabalhadora, tiveram que se esconder ou fugir.

Por isso, Hermogênio partiu para o Rio, deixando Idealina e seus irmãos em Cruzeiro. Nesta época, aos quinze anos de idade, Idê foi presa pela primeira vez, delatada pelo diretor da escola onde estudava. “O pretexto foi uma discussão que tive com um professor onde afirmava que na União Soviética a vida era melhor que no Brasil, que não havia tanta miséria. A verdade, porém é que fizeram isso para forçar o meu pai a se entregar”, conta. No período em que esteve na cadeia, seus irmãos ficaram em prisão domiciliar. Ela foi a última da família a se mudar para o Rio, quando conseguiu burlar a vigilância da repressão em Cruzeiro.

Na capital carioca, Idê passou por momentos difíceis. Seu pai continuava na militância, mas na clandestinidade. A situação de pobreza era uma realidade e todos na casa trabalhavam muito para buscar seu sustento. Aos 17 anos Idê se tornou caixa em um café da cidade. Quando o Partido Comunista volta à legalidade, em 1945 ela se filiou. Sua tarefa era fazer propaganda dos ideais do partido, distribuir panfletos, fazer colagens e pichações. Com a volta do partido à ilegalidade, em 1950, o grupo em que ela atuava se desmembrou.

Em 1954, ela partiu para Moscou, onde permaneceu por um ano e 8 meses estudando. Lá tinha aulas de russo, história, geografia e política da União Soviética, além de estudar as teorias de Karl Marx. Neste período, começou a namorar aquele que seria seu companheiro até o fim da vida, Jacob Gorender.

Quando voltou da Rússia, em 1956, sua responsabilidade com o partido aumentou e ela se tornou responsável pelo Comitê Distrital do Méier, bairro carioca. O trabalho era organizar palestras e divulgar as idéias e objetivos do Partido.

Em 1961, nasceu a primeira e única filha do casal Gorender, Ethel. Seu nome é uma homenagem à Ethel Rosemberg, militante estadunidense morta na cadeira elétrica nos Estados Unidos, acusada de passar o segredo da bomba atômica para a União Soviética.

Idê segue trabalhando no PC até 1964, quando acontece o golpe militar, que surpreendeu a todos. Durante os nove meses seguintes, acredita que Jacob havia sido assassinado pelos militares, já que ficou por nove meses em notícias de seu companheiro. Na verdade, ele estava escondido.

O endurecimento do regime militar

Em 1968, os militares instauram o Ato Constitucional n.º5, que endureceu ainda mais as políticas da ditadura. Sobre este período ela contou: “Quando voltei do Rio (de visita à família que lá vivia), o Jacob havia sido preso – eu não sabia e me pegaram quando cheguei em casa. Dali me levaram para o Dops (Departamento de Ordem Política e Social), onde fui interrogada pelo delegado e torturador Fleury. Eles não chegaram a me bater. Depois de responder à um interrogatório, me mandaram para a carceragem, e dali para a cela, onde ficavam as outras mulheres”.

Das celas do Dops, seguiu para o Presídio Tiradentes, em São Paulo, onde homens e mulheres que sobreviviam às torturas eram mandados para cumprir a pena. Nos quatro meses em que ficou lá Idealina, que sempre teve a alegria como uma de suas principais características, animava o dia a dia das companheiras.

Depois de libertada, Idê permaneceu em São Paulo, aguardando seu julgamento. Nesta época, Jacob Gorender também estava preso. Eithel, a filha do casal, ficou no Rio de Janeiro com a sua família.

Em 1972, quando Gorender ganhou a liberdade, o casal passou a viver na capital paulista, com a filha. Mesmo todos estando juntos, Idê relatava que ainda existia uma certa dose de clandestinidade na vida da família.

No começo da década de 80, quando o país começou a sair do longo período da repressão, Idealina, por problemas de saúde, passou a viver uma vida mais reclusa. Mas apesar de todos os percalços da militância, afirmava categoricamente que não se arrependia de nada. Quando questionada, respondeu: “Claro que valeu a pena viver tudo isso, ter participado ativamente da política de esquerda, ter conhecido tanta gente decente, digna, não só do PC, como em outros partidos dos quais nos aproximamos, com os quais nos aliamos ou apoiamos”.

* A matéria foi escrita com base em uma entrevista veiculada na revista Teoria e Debate de 1993. O material está disponível na página: www.fpa.org.br