Empresas lucram, trabalhadores perdem
Por Pedro Carrano
Fonte Agência Brasil de Fato
Duas pesquisas divulgadas na última semana traduzem, em parte, a realidade da economia do país. Primeiro, o trabalho. O Instituto Brasileiro de Estatística (IBGE) constatou um aumento do desemprego no mês de julho nas seis principais capitais do país. A desocupação chegou a 10,7 %, maior marca desde abril de 2005. Junto a isso, houve queda de 0,7% do rendimento médio real do brasileiro entre os meses de junho e julho.
Agora, a visão empresarial. Uma outra pesquisa, divulgada pela consultoria Economática, revela que 180 empresas do setor produtivo e não-financeiro, como as de siderurgia e petroquímica, por exemplo, obtiveram no governo Lula lucros três vezes superiores aos obtidos na época do governo Fernando Henrique Cardoso.
Mas como explicar essa contradição presente na mesma economia que, durante a gestão petista, apresentou o mesmo desempenho medíocre do governo tucano (média de expansão de 2,55% contra 2,3% dos oito anos de FHC)?
Cassino financeiro
A resposta é que até mesmo o crescimento dos lucros do setor produtivo não está pautado na melhora da condição dos trabalhadores nem do mercado interno. Na verdade, esse novelo só pode ser desenrolado pelo próprio capital financeiro.
Não é à toa que a pesquisa da Economática aponta que os bancos, ao longo da gestão Lula, arrebataram lucros 80% maiores do que no período tucano. É um reflexo direto da política econômica atual, baseada no trinômio superávit primário, juros altos e exportações.
O economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Reinaldo Gonçalves ressalta que, mesmo as empresas do setor produtivo, obtiveram seus lucros a partir de ações no setor financeiro que, para ele, segue sendo privilegiado pelo governo em relação ao capital produtivo. “O capital produtivo teve lucros não-operacionais, ou seja, parte dos seus dividendos vêm do capital financeiro, e não do produtivo. A empresa, ao invés de investir no seu maquinário e estrutura, compra papéis, buscando o juro pago pelos títulos públicos”, explica.
O economista reconhece que as empresas também foram beneficiadas, em menor grau, pelo contexto internacional de crescimento econômico, por uma conjuntura amplamente favorável, como sucedeu no caso do agronegócio sobretudo em 2003 e 2005, favorecido pelos preços internacionais. Conjuntura que poderia ser melhor aproveitada, mas de acordo com o professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), Décio Munhoz, apenas foi um paliativo que ajudou o Brasil a evitar uma crise. Já que, com a baixa do dólar, as exportações não foram aproveitadas ao máximo.
Na opinião de Gonçalves, com as elevadas taxas de juros e spread (diferença entre os juros pagos pelos bancos na captação de dinheiro e aqueles cobrados nos empréstimos concedidos), em nenhum outro lugar do mundo o investidor alcança 50% de rentabilidade. O economista identifica uma política econômica voltada para a base da pirâmide social, por meio de políticas aos mais miseráveis e, ao mesmo tempo, à elite financeira que compõe o topo: “O gasto com o Bolsa Família vai ser em volta de 10 bilhões este ano, enquanto o Bradesco e o Itaú apresentam lucros de 12 bilhões”, compara.
Transferência de renda
O professor de economia da UNB, Décio Munhoz, aponta a transferência de renda do setor produtivo para o setor financeiro, mantida durante o governo Lula, como o maior entrave para o desenvolvimento interno. “A renda do trabalho de 93 para cá reduziu em um terço”, diz. Na opinião do analista, o montante de impostos no país não é à toa, como se veicula hoje em dia. Para ele, o elevado peso da carga tributária – que incide mais sobre o consumo – é uma saída do governo para cobrir as altas taxas de juros que corrigem a dívida.
Na opinião de Munhoz, o que ocorre é uma transferência de renda do trabalhador para o governo, que paga os juros para as empresas credoras. “O governo tem aumentado os impostos porque, com a expansão demográfica, existe a necessidade de mais escolas, mais hospitais… Então, o governo precisa gastar mais, porém gasta na especulação financeira, nas dívidas. Isso privilegia o capital, os grandes bancos e os investidores estrangeiros de curtíssimo prazo, e desvaloriza o trabalho, que é a força do mercado”, pondera.
Moedas de duas faces
Para o economista Marcio Pochmann, o aumento do desocupação de um lado e o aumento da lucratividade entre os setores empresariais e financeiros de outro são dois fatores explicados pelo mercado financeiro e pelas altas taxas reais de juros. Na sua avaliação, atualmente o crescimento é uma moeda de duas faces para as empresas no país, pois “os empresários reclamam das taxas de juros, argumentando que isso é um freio, no entanto, eles não deixam de ser beneficiadas com isso ao investir no mercado financeiro”, pondera.
O economista analisa que houve uma expansão no mercado interno, ainda que tímida, pelo aumento de crédito para o campo, através do Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar (Pronaf), e um maior endividamento das famílias, traduzido no crédito dado aos pensionistas e trabalhadores de carteira assinada, e pelos próprios programas assistenciais.