Resistência comunitária frente à mineração

Por Luis Vittor
Fonte Minga Informativa

Durante mais de oito anos fomos testemunhas de como as lutas das comunidades andinas contra a mineração se tornaram bandeiras nacionais e internacionais. De como a experiência de organização comunitária transcendeu até a construção de uma organização nacional e de uma articulação regional a nível andino. De como as demandas ambientalistas diante da mineração, seus impactos e benefícios, foram colocadas em pauta na agenda política nacional. De como a indiferença empresarial e estatal se converteu em criminalização da mobilização social contra a mineração.

Uma das nossas aprendizagens comunitárias tem a ver com o valor que tem a força coletiva diante de qualquer desafio. A resposta coletiva diante de qualquer necessidade ou ameaça é uma prática cotidiana dos Andes peruanos. Essa mesma prática coletiva é encontrada nas comunidades no início da CONACAMI (Coordenação Nacional de Comunidades do Peru Afetadas pela Mineração). Encarávamos conflitos territoriais com a mineração nas comunidades de Vicco (Pasço), Tintaya – Marquiri (Cusco) e Yauli (Junín) e se identificávamos demandas contra a contaminação em La Oroya (Junín), Ilo (Moquegua) e Lago Junín. Cada um desses casos são processos com suas particularidades mas que tinham atores solitários e comuns em um lado da beira das águas: as comunidades.

Como relata Scorza*, “solitariamente padeciam os abusos; solitariamente se rebelavam; solitariamente os massacravam. Era imprescindível que se unissem”. Assim, as comunidades juntaram seus combates dispersos. E assim aconteceu. Os líderes foram se encontrando em oficinas e seminários para discutir sua problemática frente à mineração. Esse era o ponto de convergência de todos. Se encontraram na necessidade de se unir e fazer uma grande comunidade, que juntasse as suas lutas solitárias diante da mineração. Rapidamente, foram realizados encontros e congressos das comunidades afetadas pela mineração em cada província. Daí surgiu a proposta de uma Coordenação Nacional de Comunidades do Peru Afetadas pela Mineração.

Em outubro de 1999 as comunidades afetadas constituíram a CONACAMI. Suas primeiras atividades tinham como objetivo dar visibilidade à problemática, principalmente aos impactos negativos da mineração, como a contaminação de suas terras, da água e do ar. Em dezembro de 2000, foi realizada em Lima a marcha dos atingidos pela mineração, que não eram apenas humanos, mas também animais e plantas. Foram mostradas águas contaminadas e comunidades retiradas de suas terras se apresentaram.

Pela primeira vez, os meios de comunicação, centralizados em Lima, transformaram em imagens as queixas e reclamações dos que não têm voz, que se fizeram escutar pelas ruas antigas da periferia. Foram tempos de transição democrática no Peru, mas ainda assim as demandas das comunidades afetadas pela mineração não foram ouvidas nem recebidas pelas autoridades do governo.

Enquanto a organização expandia seu âmbito de influência, chegando a ter presença em 16 estados do Peru, consciências comunitárias despertavam para assumir uma posição crítica diante da mineração. Assim encontramos apostas como a dos agricultores de Tambogrande (Piura) ou das comunidades de Carumas (Moquegua), que se opunham por diversas razões aos projetos de mineração. Com um crescente processo

Com um crescente processo de organização, foi convocada a “Marcha Nacional pela Vida, a Terra, a Água e a Agricultura”, que chegou a Lima em 8 de julho de 2002. A marcha não teve apenas demandas como reivindicações, mas foi uma movimentação com identidade, uma manifestação de cores e diversidades, talvez por ter sido a primeira vez que as comunidades originárias dos Andes afetadas pela mineração foram ouvidas pelo governo e as empresas mineradoras.

A marcha foi concluída com a assinatura de um acordo de compromisso com o governo Toledo, representado pelos ministros de Minas e Energia, Saúde e Agricultura. Nos termos do documento, o governo se comprometia a instalar uma “Comissão Nacional Tripartite de Alto Nível” para resolver os conflitos agrários, integrada pelo governo, comunidades e empresas mineradoras. O governo reconhecia pela primeira vez a problemática e os conflitos entre as comunidades e as empresas, ainda que meses depois ele apenas serviria para ser apresentado como indicador de “cumprimento” de uma das políticas do Acordo Nacional e sua realização ter sido relegada ao esquecimento, como todas os compromissos firmados com o governo.

O bloqueio do diálogo veio de todos os lados: do governo, do Ministério de Minas e Energia, do Congresso da República, das empresas de mineração, da oposição do grêmio empresarial mineiro. O slogan era anular o reconhecimento da CONACAMI como o interlocutor político e legítimo das comunidades afetadas pela mineração. Ao final de 2003, o governo, diante da pressão social, deixou sem efeito o contrato de opção que tinha a mineradora Manhathan para explorar em Tambogrande, o quer gerou, por sua vez, um efeito expansivo de oposição à mineração no Peru e na América Latina.

Depois de viver a impossibilidade de abrir um diálogo com o governo e do êxito dos agricultores de Tambogrande, a CONACAMI em pouco tempo havia contribuído a colocar o tema da mineração no centro do debate nacional. As comunidades se mobilizaram contra os impactos negativos da mineração em Cajamarca, Huancavelica, Apurímac, Ancash, Moquegua e Lima.

As empresas mineradoras, o governo, o Congresso da República e os meios de comunicação se acusavam de incitar as mobilizações e conclamavam o término da CONACAMI. O governo modificou as normas legais referentes aos direitos políticos dos cidadãos para criminalizar os protestos sociais contra a mineração e a militarização das zonas de mineração.

No interior do Palácio do Governo se ordenou aos funcionários e procuradores judiciais ilegalizar e fechar a CONACAMI. Primeiro se exigiu o cumprimento de todas as suas obrigações legais e sem justificativa legal nem direito a defesa, ela foi excluída da Agência Peruana de Cooperação Internacional (APCI) apenas por pressões políticas. Em agosto de 2004, Miguel Palacin Quispe, presidente da confederação dos afetados pela mineração é indiciado por ter viajado até a zona de conflito e participada de uma comissão para buscar o diálogo entre as comunidades de Ayavaca e Huancabamba e o Ministério de Minas e Energia. Feitos como esse demonstram que o “interessa nacional” (assim se declara a mineração atualmente) são mais importantes que o interesse comunitário ou coletivo e que é possível inventarem ações e resoluções para tentar calar a razão.

A COCANAMI é hoje uma organização que sustenta seu pensamento e atos nas práticas comunais, aspira apenas a unidade entre as comunidades afetadas pela mineração e também das comunidades dos Andes e suas diversas formas organizativas, onde os agricultores defendam uns ao outros para transitar do esquecimento e da exclusão para a construção de um país onde os interesses comunais sejam respeitados.

A COCANAMI convocou o III Congresso Nacional de Comunidades Afetadas pela Mineração no Peru, na cidade de Lima entre os dias 29 de setembro e 1º de outubro. Segundo os organizadores, é esperada a chegada de mais de mil agricultores das 18 regiões do país onde a mineração tem concessões e desenvolve atividades mineradoras. Uma oportunidade para que escutem realidades, não ficções. Uma oportunidade para escutar as vivências do Peru real.

Luis Vittor é Assessor Técnico da Coordenação Andina de Organizações Indígenas (CAOI)

* A Tumba do Relâmpago, Manuel Scorza.