A Vale, empresa sem rosto e sem país
Por Pedro Carrano
Fonte Jornal Brasil de Fato
A venda da maioria das ações da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) do Estado para o mercado acionário, em 1997, se tornou um episódio mal explicado da história recente brasileira. Em grande parte, pelas irregularidades reconhecidas no edital do leilão. Mas também porque a participação do banco Bradesco no controle acionário da companhia, assim como a participação do capital estrangeiro nas decisões empresariais, nunca ficaram claras.
O capital estrangeiro detém 41% das ações totais da empresa. O governo, 33,2%, por meio de investimentos em fundos de pensão. Porém, as ações totais não explicam a estrutura de controle da companhia, subdividida em duas frentes. Primeiro, as ações ordinárias, que dão direito a voto nas definições de políticas da empresa (reinvestimentos, por exemplo), e a princípio as mais importantes do ponto de vista do controle sobre a empresa. Na outra frente, as ações preferenciais (maioria) não dão direito a voto, mas detêm a preferência nas distribuições de lucros na forma de dividendos.
Identificar o manda-chuva visível no controle e nas decisões da Vale é fácil. Trata-se da Valepar, compradora da empresa, que detém 52,3 % das ações ordinárias com direito a voto. Conglomerado criado para ser o principal acionista da CVRD, a Valepar é composta pela Bradespar, empresa criada com fundos do Bradesco para figurar no quadro de controladores – numa manobra que pode esconder a mão invisível do banco na compra da companhia. Atualmente a Bradespar tem 17,4% do conglomerado.
Bradesco oculto
Existem indícios de que o Bradesco atua nessa história, embora não como protagonista e sem aparecer nos créditos no final. A maioria das ações da Valepar, ao menos, o banco não tem. Porém, na página da CVRD na internet, a presença da Bradespar é comentada de modo que deixa claro o dedo desse grupo nos rumos da companhia. Vinícius Buranelli, da Secretaria Operativa da Rede Popular de Estudantes de Direito, autor de monografia sobre as ações da Vale, explica que um grupo que tem mais de 15% das ações ordinárias tem voz ativa nas decisões da S. A.
O outro integrante do conglomerado é Lintel/Lintela, os fundos de pensão Previ, detentores de 58,1% do capital da Valepar. Completa o time a empresa Mitsui, com sede nos Estados Unidos (com 15% das ações).
Existe o argumento em defesa da atual política da companhia de que o governo não perdeu o controle da empresa, pois a maioria do capital da Valepar se dá por meio dos fundos de pensão. De acordo com Buranelli, tal controle dos trabalhadores é questionável: “A Previ é dona da maioria das ações da Valepar, mas daí a dizer que os funcionários do Banco do Brasil teriam o controle, é diferente, porque ter um voto é uma coisa, mas ter o controle da administração da empresa é outra. Quem toma as decisões sobre os investimentos são os diretores dos fundos de pensão, uma classe dominante ligada ao governo, como comentou o sociólogo Chico de Oliveira”.
Na opinião do advogado Ubiratan Cazetta, do Ministério Público do Pará, que investigou a participação do banco no leilão da mineradora, os fundos Previ não têm o maior poder de decisão da empresa. “Os fundos de pensão são investidores na Vale, ao passo que a Bradespar se apresenta como a face executiva, o que determina a participação no dia a dia, nas decisões mais estratégicas, é o que garante a ele participação nas decisões”, avisa.
Ações pulverizadas
Se, por um lado, a Valepar tem o controle nominal da CVRD, com 52,3 %, os outros 39,1 % das ações ordinárias se dão na forma de ações pulverizadas, ou seja, ações na Bolsa de Nova York – as chamadas ADRs, também presentes na Bovespa – um investimento sem rosto, sem país e sem língua.
Assim como pairam dúvidas sobre o país de origem do capital pertencente à Bradespar, é difícil rastrear quem são os investidores em ADR. A única coisa certa, por enquanto, é que dados da própria CVRD apontam que 28,6 % das ações ordinárias são declaradamente estrangeiras. Buranelli explica: “Um terço do controle acionário com direito a voto pertence ao capital estrangeiro”.
O advogado Eloá Cruz, autor de ação popular pedindo a nulidade do leilão de 1997, acrescenta que o edital de venda, à época, não admitia compra das ações da CVRD por parte das grandes mineradoras concorrentes, para evitar a monopolização e manter o papel estratégico da Vale.
Agora, como impedir que o capital estrangeiro de um grupo concorrente compre as ações em Nova York? Para o jurista, isso representa um desvio de finalidade, de acordo com a Lei da Ação Popular, pois a empresa não cumpre o papel a que se destinou no edital do leilão.
Números da negociata
60,8 % – Participação de capital estrangeiro nas ações preferenciais, aquelas que não dão direito a voto, mas que têm preferência na distribuição de dividendos.
39,1 % – Percentual de ações ordinárias pulverizadas em ADRs, cuja origem não está explícita.
28,3 % – Participação de capital estrangeiro no controle acionário da Vale, por meio de ações ordinárias, com direito a voto.
5 % -Participação dos cotistas por meio do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), investimento que, na teoria, seria uma forma de o trabalhador investir na companhia.
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A Valepar tem 52,3 % das ações ordinárias, o que lhe concede o controle e a escolha do conselho de administração da CVRD. Porém, tem 32,5 % das ações totais da Vale do Rio Doce. Sua composição acionária é:
Bradespar- 17,4 % de capital votante sobre as ações ordinárias da Valepar.
Litel/Litela(fundos do Previ) – 58,1 % de capital votante
Mitsui (transnacional sediada nos EUA, que age em diversas frentes, como no ramo de mineração, por exemplo. Seria o capital estrangeiro evidente na composição acionária) – 15 % de capital votante.
BNDESPAR(pertencente ao BNDES) – 9,5 % de capital votante.
Opportunity/Eletron- 0,02 % de capital votante.