Milhares resistem em Oaxaca

Por Pedro Carrano,
Fonte Agência Brasil de Fato

Domingo, dia 10 de dezembro, milhares de mexicanos caminharam juntos, envoltos por uma corda que se estendia do começou ao fim da Oitava Megamarcha convocada pela Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO), cidade do sul do país palco de um levante rebelde.

A marcha foi organizada como demonstração de força do movimento diante da política de “guerra suja” do presidente mexicano, Felipe Calderón. As pessoas gritavam pela dissolução dos poderes do governador de Oaxaca, Ulises Ruiz Ortiz (URO), mostrando que as demandas do movimento se mantêm.

Havia um orgulho no ar pelo cerco repressivo que tentava ser rompido, mas era um sentimento misturado a dor das pessoas que tinham alguém próximo preso. Familiares e amigos caminhavam na linha de frente da marcha e, logo atrás, vinha a multidão os professores da Seção 22 do Sindicato Nacional de Trabalhadores da Educação, jovens e outros participantes da APPO, além do Sindicato Nacional de Eletricistas.

Dias antes da megamarcha, Oaxaca amanhecia presenciando o movimento da Polícia Federal Preventiva (PFP) carregando a sua roupa pesada no centro histórico da cidade, dividindo espaço com os ambulantes do zócalo (praca do poder). As pessoas tratavam de tocar a sua vida. Alguns hotéis, vazios, ofereciam os quartos pela metade do preço. Os turistas voltavam a surgir como se nada houvesse acontecido. Havia poucos indícios dos seis meses da Comuna de Oaxaca, como as janelas do Tribunal Superior de Justiça, abandonadas e envoltas em negro. O prédio foi incendiado no dia 25 de novembro, provavelmente por agitadores contratados para legitimar a agressão da polícia.

O estado de sítio na capital irrompeu no confronto do dia 25 de novembro entre a polícia e a população. Mais de 200 pessoas foram presas. A partir daí sucederam-se invasões policiais às casas dos colonos na calada da noite, perseguições aos dirigentes e também a simpatizantes do movimento. Pior: um levantamento recente aponta que 84% dos presos não tinham nada a ver com a APPO, apenas saíram na rua naquele dia.

Fascismo e terror

Na arrancada da oitava Megamarcha, o porta-voz da APPO, Florentino Lopez disse que neste atual “Estado de Exceção”, que ele qualifica como fascista, não são apenas os corpos policiais e militares que estão perseguindo casa por casa o povo, mas também os paramilitares e os policiais à paisana.

Lopez crê que a APPO se está reorganizando, mesmo com as 35 ordens recentes de busca e apreensão contra os conselheiros estatais do movimento. Hoje, a Seção 22 do Sindicato de Professores – o cerne constitutivo da APPO – mostrou poder de convocatória, ainda que muita gente tenha ficado em casa, com medo.

Uma enfermeira, chamada Olga, presente na caminhada, conta que o hospital onde trabalha recusou-se a receber os feridos na batalha do dia 25 de novembro. Relatos de terror se acumulam, como a da socióloga da Cidade do México que foi presa e teve dois dos seus dedos cortados.

O imaginário popular compara a situação ao que foi vivido no ano de 19668 no país, quando o governo de Gustavo Días Ordaz assassinou mais de 300 pessoas na Praça de Três Poderes, em represália ao movimento estudantil. Ali começou e agora se repete a chamada “guerra suja” com perseguições individuais a qualquer suspeito de ser militante.

A APPO somos todos

“Não deixes de lutar, por um governo operário, camponês e popular” – repetiam, em coro, as 15 mil pessoas da marcha. Desta vez, os rostos estavam descobertos: ninguém cobria mais a cara para impedir a presença de infiltrados disfarçados.

Assim mesmo, os milhares ali presentes tinham o nome e o rosto dos desaparecidos e presos. A repressão da polícia alimenta a mística do movimento da APPO, que se diz estruturada nas bases. Um dirigente que se ausenta – esteja preso ou foragido – rapidamente é substituído por outro.

Temerosos, os professores cobriam-se com sombrinhas quando alguém tentava tirar uma foto. Uma pergunta sobre o significado da APPO trazia a resposta de pronto: “Nós somos a APPO”. Converso com professores e eles me explicam que a Seção 22 é uma dissidência do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Educação cuja direção, segundo eles, está afinada com o governo de Vicente Fox.

Uma das características da APPO, em sua heterogeneidade, é relação intrínseca entre os professores da Secão 22 e as etnias indígenas. Um exemplo é o dirigente magisterial Eliazar Rosette, que veio da costa do lado Pacífico para participar da marcha. Sua etnia é a chatina, “os descendentes dos peixes”, como ele relata. Rosette vem de uma oito regiões do estado representadas na Assembléia Popular.

“Somos presos políticos”

A megamarcha ganha o centro histórico de Oaxaca, aporta na Plaza de la Danza, buscando evitar o contato com Polícia Federal Preventiva (PFP), que instalou bloqueios perto do zócalo, algumas quadras longe dali. No palanque armado com o nome de Fórum Contra a Repressão, falaram as mães de jovens detidos e também os representantes da Frente Ampla Progressista (FAP) de esquerda no México.

O nome mais representativo entre as personalidades convidadas foi o de Rosário Ibarra, senadora do Partido da Revolução Democrática (PRD), quem teve o filho desaparecido em 68. Disse que sente orgulho que o filho tenha participado do grupo de guerrilha urbana da época. Quando o nome de Lopez Obrador foi mencionado (candidato que se proclamou o presidente legítimo do México, com apoio massivo, pois acusa o processo eleitoral deste ano como fraudulento), mereceu gritos e aplausos dos presentes.

As mães, irmãs e namoradas dos detidos são as protagonistas do Fórum. Uma das mães lê o depoimento do seu filho, que lhe escreveu: “Somos presos políticos e somente pela via política vamos sair daqui”. Outras colocam, em seu rosto, cartazes com o rosto de seus filhos. Suas mãos tremem de angústia e pedem aos jornalistas para que coloquem “a imagem dos seus filhos na internet, para que as pessoas de outros países saibam o que está acontecendo no México”.

Em pouco tempo, a praça se esvazia, as pessoas vão para casa, sabem que é preciso ter cautela ao regressar. Restam as mães falando de seus filhos, um clima de melancolia, desolação. O filho de dona Reyna Martinez García se chama Miguel Angel e com apenas quinze anos foi enviado à prisão de Nayarit (1.300 quilômetros para o Norte). “Me disseram que ele está por lá”, exclama a indígena zapoteca, que não tem condições de pagar a fiança de 40 mil dólares e sequer pode comprar uma passagem de ônibus e visitá-lo.

A namorada de Pedro Antonio Jose Perez narra que o jovem ia viajar quando foi agarrado pela polícia em 25 de novembro. Como outros, ele cometeu o pecado de sair à rua naquele dia. A mãe dele exibe uma foto publicada no jornal, o filho sendo levado pelos cabelos ao lado de outro jovem ensangüentado. Perez estuda direito e trabalha para se sustentar. Vive numa casa cujo teto e as paredes são de zinco.

Para mais informações, acesse: http://www.brasildefato.com.br:8080/v01/agencia/especiais/especial.2006-12-12.4532728076