Em Oaxaca, comunicação comunitária articula mobilização

Por Pedro Carrano
Fonte Jornal Brasil de Fato

Em Oaxaca, não foi diferente: as rádios comunitárias cumpriram uma função medular na revolta de massas latino-americana. Os exemplos se multiplicam, mas basta citar o papel da Rádio La Luna, em Quito, no Equador, na mobilização que iniciou a queda do presidente Lúcio Gutierrez (2005).

Do sul do México, no entanto, veio uma inovação: além de ocuparem as rádios e transmitirem as mensagens rebeldes, o povo criou barricadas populares para defendê-las. Não eram apenas um ponto de combate contra as tropas de choque federais, mas sim uma necessidade diante da urgência de proteger as radiodifusoras tomadas pela Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO), vulneráveis ao ataque de grupos paramilitares que buscavam destruir suas antenas de transmissão.

Das três mil barricadas criadas no auge do movimento, as principais delas se organizaram ao redor das antenas, formando comissões de segurança encarregadas da sua proteção. A autodefesa do povo se dava com técnicas simples: bazucas feitas de tubo de plástico que soltavam rojões e fogos de artíficio, molotovs e estilingues para lançar bolas de gude.

O estopim

Em 14 de junho, dia quando os professores da Seção 22 do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Educação foram expulsos do zócalo (centro da cidade), um grupo de universitários tomou uma rádio no recinto da Universidad Autonoma Benito Juárez (UABJO), prontamente convocando a outros estudantes para acudir.

Estava criada a Rádio Universidad, uma ferramenta essencial para a mobilização da APPO, nos seis meses de ações pela queda do governo de Ulises Ruiz Ortiz (URO) e pela reforma do Estado oaxaquenho.

Só mais tarde as barricadas tiveram a sua gênese, em agosto, quando começam a circular madrugada adentro os denominados “comboios da morte”, carregando policiais e paramilitares que varavam a cidade para disparar contra as antenas e as cabines das rádios ocupadas e agredir as pessoas.

Eram as “Caravanas da morte”, na expressão do porta-voz da APPO, Florentino López Martinez. Exatamente no dia 20 de agosto, o canal estatal 9, que havia sido ocupado pelas mulheres da APPO e transformado na rádio Cacerola – em referência às panelas usadas numa marcha convocada por elas – teve a sua antena destruída. “Neste momento, todo o povo se inteirou da destruição e tomaram outras 13 rádios transmissoras, ou seja, todas as rádios locais foram ocupadas”, relata Martínez.

Não foi preciso muito tempo para tal ação acontecer. Os tiros contra a Rádio Cacerola foram disparados às duas da manhã e, logo às cinco, a população estava nas ruas tomando todas as rádios comerciais e estatais de Oaxaca, devolvendo algumas e mantendo outras, por questões de logística.

Os marcos da luta

O dia 2 de novembro foi uma das três datas fundamentais que resistem na memória coletiva e marcaram o mês de novembro em Oaxaca. As outras são a batalha do dia 20 e a repressão brutal após a megamarcha do dia 25.

Naquele dia, a polícia tinha a ordem de desbloquear a enorme Avenida Universidad, onde se localizada a Universidad Autônoma Benito Juárez de Oaxaca e, conseqüentemente, a Rádio Universidad. O caminho estava tomado por barricadas e fileiras de carros queimados deixavam o asfalto borbulhando com o calor dos incêndios.

Peças de ferro-velhos foram colocadas de um lado a outro da pista. Há meses, a avenida estava fechada. Finalmente, ao conseguir chegar perto da universidade e passar as barreiras, a polícia decidiu não recuar e desarmar a Rádio Universidad.

“Fizemos chamados, cadeias de mensagens por celular. A rádio não era o ponto político do movimento, mas pela capacidade de convocatória que tem, as pessoas se defendiam com ímpeto”, afirma o membro da APPO Estudantil, Francisco Pedro Garcia, quem fala de millares de pessoas dos arredores acercando-se para conter o avanço policial que sucumbiu diante do poderio popular.

A APPO celebrou a vitória do dia 2 sobre as forças federais, transmitida via Rádio Universidad para vários países do ocidente. Porém, a batalha vencida ao mesmo tempo debilitou a resistência. Muitas barricadas foram perdidas e a repressão naquele momento apenas se iniciava.