Apenas 13% das crianças brasileiras têm acesso à creches
Marjorie Ribeiro
Brasil de Fato
Como todo começo de ano, Sirlene da Silva foi a todas as creches da região para saber se o filho de cinco anos conseguiria finalmente freqüentar uma escolinha. Como já previa, a resposta foi a mesma: não tem vaga. Sirlene conta que essa dificuldade é ainda mais antiga. Apenas dois dos seus cinco filhos conseguiram estudar antes dos sete anos de idade.
Daiane Bernardine, mãe de dois meninos, passa por uma situação semelhante. Há mais de quatro anos, colocou o nome de Ferdinand, de cinco, na lista de todas as creches próximas e até hoje não conseguiu. “Desisti de colocá-lo na creche”, reclama. Como não tem onde deixar os filhos e o salário mínimo do marido não lhe permite contratar uma babá, não consegue arranjar um emprego fixo. “Não vale nem a pena fazer ‘bico’. O dinheiro que receberia só daria para pagar alguém para olhar as crianças”, ressalta. Sem conseguir a vaga para esse ano, seu filho, já com a idade limite, não continuará na lista de espera das creches no próximo ano.
Assim como Sirlene, Daiane mora na favela de Paraisópolis, na Zona Sul de São Paulo, região que apresenta dificuldades em assegurar o ensino da educação infantil. São apenas duas creches para uma população que já passa dos 80 mil, segundo Jilson Rodrigues, vice-presidente da Associação de Moradores da comunidade. “Existem cerca de 9 mil crianças entre 0 e 6 anos que não conseguem vaga”, explica.
Falta de vagas
Casos como os encontrados em Paraisópolis não são uma exceção no Brasil. De acordo com o Ministério da Educação, apenas 13% das crianças brasileiras de 0 a 3 anos de idade estão matriculadas em creches. Isso significa que cerca de 11 milhões de crianças nessa faixa etária não freqüentam uma escolinha. A alta demanda e a quantidade insuficiente de vagas em creches gratuitas são ainda o principal motivo do alarmante dado.
Paradoxalmente, essa fase é considerada por muitos estudos como fundamental para o desenvolvimento humano. A psicóloga Ângela Barreto, do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (Mieib), explica durante esse período é formada a maioria das sinapses, ligações neurológicas essenciais para a determinação da inteligência. Segundo ela, uma educação pedagógica adequada e o convívio com outras crianças são indispensáveis para o bom desenvolvimento. “É ainda mais importante às famílias que moram em condições precárias porque a creche acaba aparecendo como um ambiente compensatório, onde a criança pode se expressar e se sentir mais segura”, ressalta Ângela.
Para as mães de baixa renda, há também um aspecto financeiro que vai além da necessidade de deixar seus filhos em um lugar enquanto trabalham. Casos como o de Jaqueline Pereira, que sustenta os cinco filhos com seus “bicos” e o salário de 600 reais do marido. São as cinco refeições diárias oferecidas na creche do filho caçula que “aliviam” o seu orçamento. “Eu só vou ter que dar uma refeição quando ele chegar em casa.”, explica. Sem essa ajuda na alimentação, seus gastos seriam maiores. “No período de férias, pesou muito o Igor (o filho) o tempo todo em casa”, conta Jaqueline.
Baixo investimento
O descaso com a educação infantil por parte do poder público é facilmente constatado. Em 2005, por exemplo, enquanto foram investidos pela União (governo federal, estados e municípios) mais de R$ 230 milhões no Ensino Médio e R$ 49,2 milhões no Fundamental, apenas R$ 21, 6 milhões ficaram com a educação infantil. A disparidade é ainda maior se forem comparados os recursos destinados ao Ensino Superior: cerca de R$ 9 bilhões. Para efeito de comparação, a União gastou com pagamento de juros e serviços da dívida R$ 93,5 bilhões.
O governo federal lançou um programa para tentar amenizar essa situação por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que está previsto para entrar em vigor em março. Diferente do antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef), que transferia recursos do governo federal aos municípios para o ensino médio e fundamental, o Fundeb irá contemplar também a pré-escola e o ensino para as crianças de 0 a 3 anos (as creches).
O Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (Mieib) reivindica que o governo também contemple um suporte às creches comunitárias conveniadas, que atendem a cerca de 1,2 milhão de crianças no Brasil. Essas instituições surgiram como solução emergencial para o problema e recebem um per capita mensal da prefeitura (equivalente ao número de alunos). São administradas por Organizações Não Governamentais (ONGs); algumas possuem parcerias com a iniciativa privada; a maioria sobrevive apenas com a verba da poder público.
Para a professora aposentada da PUC-SP e ex-secretária de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo, Aldaíza Sposati, essa situação – o crescimento das creches conveniadas – demonstra a deficiência das políticas públicas na área da educação. “O poder público está se furtando de cumprir com a sua missão fundamental, que é a educação, e colocando isso para as organizações sociais”, afirma.“Você não pode descartar simplesmente as iniciativas que estão instaladas, porque há uma demanda efetiva. Agora você também não pode fazer dessas iniciativas a maior fatia”, complementa.
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A equipe do Brasil de Fato procurou o Ministério da Educação que declarou, pela sua assessoria de imprensa, que ainda estão sendo definidos os parâmetros do Fundeb e que o MEC só irá se pronunciar quando o fundo entrar em vigor.