Governo Lula ameaça as conquistas trabalhistas

Renato Godoy de Toledo
Brasil de Fato

Se as intenções do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, se concretizarem, um setor do funcionalismo público deverá ser submetido a uma legislação trabalhista em que os servidores nada podem fazer contra a falta de uma política salarial ou por melhorias nas condições para o exercício de suas profissões. O ministro afirmou, no dia 2 de março, que pretende restringir o direito de greve nos serviços ditos essenciais, para evitar o que ele considera “abusos”.

Outro direito trabalhista está na mira do Ministério do Planejamento: o recebimento do salário relativo aos dias de paralisação. Membros do órgão sustentam a tese de que receber por dias parados não é greve, mas “férias”. Hoje, a Constituição garante o direito de greve a todos os trabalhadores.

CUT e Conlutas, entre outras centrais, se posicionaram contra a medida. A restrição ao direito de greve foi endossada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ministro do Trabalho Luiz Marinho, ex-presidente da CUT. Lula chegou a declarar que somente um governo liderado por um ex-sindicalista tem o respaldo necessário para realizar esse tipo de alteração na legislação trabalhista.

Para o coordenador da Conlutas, Zé Maria de Almeida, a declaração de Lula é coerente com as medidas que seu governo aplica na relação com o movimento sindical. “A afirmação de Lula mostra um total descaramento e revela o papel que seu governo cumpre: engessar o movimento sindical e arrochar o salário, para poder aplicar a sua política econômica”, diz.

Na análise do professor de sociologia do trabalho da Unicamp, Ricardo Antunes, tais medidas representam um forte ataque à classe trabalhadora. “É inaceitável que um governo que tenha no seus quadros um ex-sindicalista, que teve um papel imprescindível para a conquista do direito de greve no Brasil, venha agora tomar uma medida anti-greve”.

Antunes acredita que as centrais sindicais Colnlutas e Intersindical, além de setores da CUT e demais movimentos sociais, devem mobilizar-se para impedir a restrição ao direito de greve. “O que se espera de um governo de ex-sindicalista é a ampliação do direito de greve dos trabalhadores e não a sua negação”, afirma o sociólogo, para quem a medida corrobora a intenção das classes dominantes, que não se conformaram com a garantia do direito de greve.

A intenção inicial do governo é limitar as greves no atendimento médico emergencial nos hospitais públicos, no controle do tráfego aéreo, nos serviços de arrecadação e fiscalização de tributos em alfândegas e na concessão de pagamentos de benefícios previdenciários e assistenciais. Este último serviço é exercido pelo INSS, cujo funcionalismo tem um histórico de mobilizações e greves duradouras.

Ataque via PAC

Antes das declarações de Paulo Bernardo, a CUT já havia marcado uma audiência com o ministro para contestar uma cláusula do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que prevê a limitação dos gastos com pessoal dos serviços públicos. De acordo com a medida, o governo só pode aumentar os gastos com pessoal em 1,5%, mais a reposição das perdas inflacionárias.

Em meio ao impacto das declarações, foi incluída na reunião, ocorrida no último dia 7, a pauta da restrição ao direito de greve. Na ocasião, o ministro Paulo Bernardo confirmou que tanto a limitação dos gastos com folha de pagamento quanto a revisão dos direitos de greve são medidas que o governo deve mesmo enviar ao Congresso.

Com relação ao arrocho dos vencimentos do funcionalismo público, Severo Quintino, secretário-geral da CUT, mostra-se preocupado com a qualidade do serviço prestado: “Essa limitação de gastos, além de prejudicar o salário dos trabalhadores atuais, impede que se abram concursos públicos. Não haverá verba nem para reposição dos servidores que se aposentarem. Isso nada tem a ver com aceleração do crescimento”.

Quintino afirma que a entidade tem uma posição historicamente contra a restrição a qualquer tipo de greve e a favor do recebimento dos dias de greve, tanto no setor público quanto no privado. “As greves só ocorrem quando os governos, dos três níveis, se recusam a abrir negociação com os servidores. Por princípio, não é a intenção de nenhum trabalhador fazer a greve, ela só ocorre quando não há outro meio de alcançar as reivindicações de uma categoria”, explica Quintino.

O secretário-geral da CUT teme que, com a restrição, o governo inicie uma reforma trabalhista e sindical de forma fatiada, sem embasamento nas demandas dos trabalhadores. Quintino aponta que, principalmente no setor público, há uma legislação muito frágil. Um claro exemplo é o fato de até hoje alguns dirigentes sindicais não conseguirem ser liberados de seu posto de trabalho para exercer as atividades de representação da categoria.

“Quando um diretor de sindicato falta no trabalho para participar de atividades do sindicato, além de ter o dia descontado do salário, sofre um processo administrativo, podendo até ser demitido”, relata Quintino.

Conseqüências políticas

Altamiro Borges, membro do Comitê Central do PcdoB e editor da revista Debate Sindical, considera que se a restrição for aprovada o governo Lula deve sofrer um grande desgaste e fracionar sua base social, tal como na reforma da previdência de 2003.

“Um projeto como este apenas reforçaria as desconfianças entre os trabalhadores e os sindicalistas de que seu governo pretende manter a mesma linha híbrida, conciliadora e contraditória, que tenta contentar “deus e o diabo” e deseja entrar para a história como “o pai dos pobres e a mãe dos ricos”, avalia.