Nota Pública dos Movimentos Sociais Contra a Criminalização da Luta Pela Moradia em Curitiba
A Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), as organizações e entidades que a compõe, manifestam a sua preocupação diante da forma como as ocupações irregulares e a falta de moradia em Curitiba têm sido tratadas pela bancada governista municipal e pelos meios de comunicação, o que culminou com a implantação da “CPI das Invasões”, proposta pelo vereador Tico Kuzma, do PPS, e aprovada na Câmara de Vereadores, no dia 8 de março.
Se a questão não for tratada corretamente, poderá ser um pretexto para criminalizar o movimento social que reivindica de forma legítima o direito à moradia adequada e à cidade. São legítimos os mecanismos de pressão da sociedade organizada junto ao Estado, garantidos pela Constituição e por instituições internacionais. Mas, muitas vezes, a luta por direitos é confundida com criminalidade.
O Relator Especial sobre a Moradia Adequada da ONU, Miloon Kothari, afirmou, durante visita ao Brasil em maio de 2004, que “ocupar terras improdutivas e prédios abandonados é um direito legítimo dos miseráveis brasileiros”. Ainda, o Superior Tribunal de Justiça do Brasil decidiu que a pressão do movimento popular “configura direito coletivo, expressão da cidadania visando a implantar programa constante da Constituição da República”.
Igualmente nos preocupa a abordagem da mídia empresarial sobre esta situação, Recentemente, durante as ocupações ocorridas nos bairros Campo Comprido e Santa Quitéria, em Curitiba, os meios de comunicação enfocaram apenas as disputas partidárias, sugerindo que são o motivo das ações. O tema da moradia, porém, é muito mais amplo e complexo.
Quando meios de comunicação defendem a aplicação imediata da reintegração de posse, cumprida pelo governo estadual, desconsideram o fato de que nada justifica os Despejos Forçados, segundo reforçam as orientações das Nações Unidas (ONU), assinadas pelo Brasil, e que priorizam a busca de medidas alternativas à aplicação de despejos. Isto porque “os tratados e acordos internacionais de Direitos Humanos assinados pelo Brasil, e introduzidos ao sistema de leis brasileiras, determinam a eliminação dos Despejos Forçados e a promoção de políticas inclusivas à cidade” (vide o Manifesto por Curitiba e o Paraná livre de despejos forçados, de 2005).
Ao contrário do exposto na manchete publicada pelo Jornal do Estado, (09/03/07), não se “varre” a falta de moradia para debaixo do tapete, muito menos a população atingida diretamente pela falta de políticas e condições econômicas. Sugerimos, para ampliar a investigação dos vereadores da “CPI das Invasões”, um olhar para TODOS os fatores que motivam uma ocupação, como o déficit habitacional que atinge cerca de
32 mil domicílios em Curitiba (segundo dados do IBGE); pedimos também atenção à especulação imobiliária, que paralisa a cidade e produz vazios urbanos insustentáveis, excluindo os pobres e parte da classe trabalhadora do amplo acesso aos direitos e benefícios da cidade.
Em meio a este cenário, as políticas da COHAB-Curitiba têm sido ineficientes, pois não atingem a população cuja renda é inferior a 3 salários mínimos. Por sua vez, os instrumentos de regularização fundiária, presentes no Plano Diretor de Curitiba, não têm sido aplicados, e a regulamentação dos Planos de Habitação e Regularização
Fundiária ainda não foi comunicada à população de Curitiba. Todas as políticas do Plano Diretor devem ser regulamentadas na cidade até dezembro de 2007, mas, por falta de mais informação e divulgação, a população não faz a menor idéia do assunto.
Os parlamentares que propuseram a CPI poderiam investigar em que medida as políticas clientelistas contribuem para a prorrogação da miséria, por meio da cooptação de lideranças locais mantendo áreas inteiras sob controle político. No mínimo, os vereadores da bancada governista municipal e a mídia empresarial poderiam passar mais do que os habituais cinco minutos numa área de ocupação, ouvir as pessoas, saber das suas reivindicações, antes de generalizar e reduzir uma necessidade de milhares de famílias a razões “levianas” – na expressão do projeto da CPI, ao falar da motivação das ocupações irregulares.
Finalizamos lembrando que, de acordo com o Estatuto da Cidade e o novo Código Civil, a função da propriedade passa a ser, antes de tudo, social e ambiental. Portanto, trata-se de uma visão de mundo na qual o ser humano está em primeiro lugar, muito antes do mercado especulativo de terras. O certo é que, no final das contas, os pobres da cidade não podem ser usados como massa de manobra pelos partidos que querem
antecipar a corrida eleitoral de 2008.
Diante disto, reivindicamos imediatamente:
1. O fim dos Despejos Forçados;
2. O fim da criminalização dos movimentos sociais e das pessoas que
necessitam de moradia;
3. Assinatura do Termo de Compromisso “Curitiba Livre de Despejos” pela Prefeitura de Curitiba e Estado do Paraná, apresentada durante missão da Comissão de Especialistas sobre Despejos Forçados da AGFE/ONU;
4. Políticas habitacionais inclusivas, para todos os níveis de renda e especialmente para população de renda entre 0 e 3 salários mínimos;
5. Uma política de ocupação dos vazios urbanos de Curitiba destinados à especulação;
6. Aplicação dos instrumentos jurídicos previstos no Plano Diretor de Curitiba como IPTU progressivo, regulamentação das Zonas de Interesse Social, regularização fundiária e urbanização de ocupações, com participação da sociedade;
7. A regulamentação do Conselho Municipal da Cidade de Curitiba e do Conselho Estadual das Cidades, nos termos da Lei Estadual 15.229/2006;
8. A implementação do Fundo Municipal de Habitação e Interesse Social;
9. A extinção imediata da “CPI das invasões”;
10. Um debate sobre déficit público de moradias e ação especulativa do mercado imobiliário em Curitiba.
Curitiba, 14 de março de 2007.
Assinam:
Coordenação dos Movimentos Sociais do Paraná;
Central Única dos Trabalhadores – CUT – Paraná;
Marcha Mundial das Mulheres;
Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM);
Central de Movimentos Populares – CMP;
União Nacional de Moradia Popular – UNMP;
APP Sindicato.
Ambiens Cooperativa
Conam (Confederação Nacional das Associações de Moradores)
Jornal Brasil de Fato
Terra de Direitos