Teatro leva história da resistência indígena para o 5º Congresso

O que tem em comum a história do massacre dos povos indígenas pelos colonizadores europeus, a resistência dos Guaranis nos Sete Povos das Missões, no Rio Grande do Sul, e a saga do Movimento Sem Terra no Brasil atual? Para o grupo “Peça pro Povo”, do MST gaúcho, estas questões estão muito relacionadas. Dez militantes irão apresentar no 5º Congresso Nacional do MST, em Brasília, a adaptação de Ayuca Karaipe (“Morte aos Brancos”), de autoria do escritor e teatrólogo paulista César Vieira.

Foram quase dois anos de estudos e pesquisas sobre a história indígena. Os integrantes do grupo, formado por acampados e assentados da reforma agrária, tiveram aulas de história, analisaram filmes, realizaram seminários e até mesmo visitaram uma aldeia Guarani em São Miguel do Iguaçu, no Paraná, para compor a peça.

“A nossa adaptação é resultado de muita pesquisa e estudo, tanto em grupo como individualmente. Um processo que não acaba com a peça de teatro, mas que tem nela um dos seus produtos mais ricos”, diz Leila Almeida, do setor de Cultura do MST no RS.

O “Peça pro Povo” também recebeu assessoria histórica e técnica do grupo de teatro de rua “Ói Nóis Aqui Traveiz”, de Porto Alegre. Uma parceria que já existe há três anos e rendeu boas experiências, tanto para os urbanos do Ói Nóis como para os camponeses do MST.

Adaptação

A escolha da peça de César Vieira, criador do grupo de teatro popular “União e Olho Vivo”, foi uma decisão bem pensada pelos integrantes do “Peça pro Povo”. “Decidimos que iríamos investir em um grupo que tivesse uma história, uma relação com a resistência e o popular, que estivesse engajado na luta também. Daí optamos pelo grupo União e Olho Vivo, do César Vieira, que é um dos grupos de teatro mais antigos do país, já tem mais de 40 anos de luta, e ainda continua com essa perspectiva de esquerda”, explica Leila.

A peça Ayuca Karaipe foi escrita por César Vieira na década de 80. Trata, de maneira crítica, da dizimação de boa parte dos povos tradicionais com a chegada dos europeus ao Brasil. Mas também ressalta a organização e a resistência dos Guaranis ao processo de colonização, através da história dos jesuítas e dos Sete Povos das Missões, no Rio Grande do Sul do século XVIII.

Na adaptação feita pelos Sem Terra, a peça ficou com 15 cenas, uma a menos do que a original. O grupo também retirou algumas partes em que César descrevia a comunidade indígena e o seu cotidiano; trocou as partes de fantasia e ficção abordadas pelo autor por cenas de repressão, enfrentadas hoje pelos movimentos sociais; e tirou o foco dado somente aos Guarani, mostrando que os europeus atingiram os povos indígenas em geral.

Ao mesmo tempo, o “Peça pro Povo” inseriu elementos da luta contemporânea do MST pela terra, como a resistência dos latifundiários à marcha que o MST realizou em 2003 a São Gabriel (RS), reivindicando a desapropriação da Fazenda Southall.

Mantivemos as características trazidas pelo César Vieira que são importantes, como a descrição do desenvolvimento dos indígenas. Não eram os mesmos de 1500, fantasiados de penugem na cabeça, como nos conta erroneamente a História oficial. Eram indígenas que estudavam música, fabricavam instrumentos, inclusive para exportação, trabalhavam com tintas e até mesmo as Ciências”, conta Leila.

Outro detalhe importante da adaptação, ressalta Leila, é que nenhum dos integrantes sai de cena para trocar de figurino. “Uma coisa que foi difícil ensaiar, mas que decidimos em conjunto, é de ninguém sair da cena para mudar a roupa. O público poderá ver também o ‘por trás’ da peça, que nunca aparece. As mesmas pessoas que são indígenas fazem, depois, as pessoas ‘do mal’. Isso também obriga aos que fazem a peça, estudar e pesquisar mais sobre seus personagens”, afirma.

Como a peça foi pensada, pelos Sem Terra, para ser apresentada na rua, a adaptação é cheia de vozes em coro. Também foram musicadas algumas partes que no texto original eram faladas pelos personagens – algumas, inclusive, ditas na língua Guarani. Também são utilizadas músicas de militantes do MST, como Zé Pinto, assentado em Rondônia.

Luta pela Terra

A principal mensagem que o grupo “Peça pro Povo” quer trazer na peça histórica de César Vieira é que a luta pela terra é a mesma travada por indígenas e Sem Terra, mesmo passados quase 200 anos do fim dos Povos das Missões. “Na verdade, o sistema capitalista hoje é a evolução do que acontecia naquela época. Então a gente junta, na peça, o passado e o presente, para que as pessoas compreendam melhor o processo de exploração de hoje. Porque as pessoas, muitas vezes, não se dão conta de que o que acontece hoje já iniciou há muito tempo”, diz Juliana Silva.

Para mostrar a relação do passado com o presente, o grupo apresenta o capital e a Justiça de braços dados com o Exército de Portugal e Espanha. “O que sai do canhão e mata o líder indígena Sepé Tiaraju não é a bala, mas sim o dinheiro”, conta Leila Almeida, do setor de Cultura.

Recursos escolhidos pelo grupo para entreter e, principalmente, contribuir na politização dos debates do Congresso. “Queremos mostrar que a juventude do MST tem capacidade de fazer um teatro que contribua para a formação dos militantes. Mostrar que o teatro também é uma ferramenta para a nossa luta”, opina Luciana Frozzi.