Marcha do MST denuncia imperialismo e imobilidade da Reforma Agrária
Pedro Carrano,
de Brasília (DF)
A avenida principal de Brasília foi tomada pelas bandeiras e camisas vermelhas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), agitadas por militantes e colaboradores, vindos das delegações de 24 estados brasileiros. Junto com eles, mais de 200 delegados de outros países enfatizavam o sentimento de internacionalismo que marcou o 5º Congresso. Partindo do ginásio Nilson Nelson, a meta era chegar à Praça dos Três Poderes. Ali, o ato chegou ao auge, com a denúncia da imobilidade do poder público para realizar a Reforma Agrária.
A caminhada passou por outros três locais, onde foram levantadas questões essenciais para a luta dos trabalhadores. A marcha se deteve pela primeira vez em frente à embaixada dos Estados Unidos, onde um forte aparato de segurança estava montado. Lá os trabalhadores fizeram a denúncia do imperialismo estadunidense. Caixões revestidos de panos negros foram expostos durante a passagem de toda a multidão. Neles estava escrito o número de mortos deixados nas guerras travadas pelos Estados Unidos contra outros povos.
Logo depois, uma faixa foi deixada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), com um protesto para que o judiciário reconheça as mais de 60 ações populares questionando o leilão da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Nesta semana, o STJ está julgando um pedido de reclamação da Vale, hoje a segunda maior mineradora mundial, que exige a extinção das ações populares que acusam a venda da companhia de irregularidades.
Em frente ao prédio do Itamaraty, a multidão de trabalhadores protestou contra a política de intervenção do governo Lula no Haiti. O trajeto culminou na Praça dos Três Poderes, com a denúncia coletiva da lentidão do executivo, legislativo e judiciário para realizar a Reforma Agrária. Uma imensa faixa cobriu o monumento da Praça, com os dizeres: “Acusamos os 3 poderes de impedir a Reforma Agrária”.
Denúncia e pressão
O funcionário público e colaborador do Movimento, Valdir Chaves, da delegação do Piauí, opina que a marcha tem um caráter de pressão sobre o governo federal. “Vejo que o ato simboliza uma retomada das lutas. O governo Lula foi eleito em cima das bases da Reforma Agrária, que não foi feita, até porque o enfrentamento não é mais contra os coronéis, mas contra as empresas transnacionais. Hoje já não temos aquela comida saudável, porque a nossa produção é para a exportação”, opinou.
A militante Maria Alderian de Menezes tem uma avaliação semelhante sobre o significado da marcha. A delegação do estado de Pernambuco, da qual Maria faz parte, foi a última a deixar o acampamento do MST, quando o começo da marcha já chegava à Explanada dos Ministérios, cerca de uma hora depois. “Essa marcha mostra o que o povo precisa ter para melhorar o país, para que o governo não dê as costas para o povo que o elegeu”, acusou. A fala dos militantes encontrava eco na multidão, que gritou em frente ao Palácio do Planalto: “Lula a culpa é sua, o povo está na rua”.
A paraibana Adilma Pereira, assentada e militante pelo setor de produção do movimento, no final do ato regressava para o acampamento descalça, mas estava feliz com a quantidade de gente reunida. “Eu estava com medo da polícia, mas precisávamos fazer com que acontecesse a marcha como forma de denúncia”, ressaltou.
Atos sintetizam discussão do Congresso
Na avaliação de Vanderlei Martini, da direção nacional do MST, os atos simbólicos da marcha são uma síntese dos debates que marcaram os três dias anteriores do 5º Congresso do MST. As questões denunciadas ao longo da caminhada vão refletir nos estados e nas bases, afirma o dirigente. “O ato serve como um coração que bombeia o sangue para o restante dos estados”, compara.
Um dos debates mais claros é o atual embate entre os movimentos sociais e camponeses contra as transnacionais, enxerga Martini, visto que os atuais partidos de esquerda não estão cumprindo este papel. “Temos o exemplo dos camponeses, dos camponeses na Coréia, mas também dos estudantes na França, fazendo esta luta ferrenha. O problema é comum: o modelo neoliberal que impede o avanço na questão social e faz uma ofensiva contra os recursos naturais. A luta da Campanha pela Anulação do Leilão da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) é uma luta contra o capitalismo. A luta dos movimentos rurais da África, Ásia e América é uma luta contra o capitalismo financeiro. São lutas dos movimentos sociais”, aponta.
Marina dos Santos, da direção nacional do MST, enxerga duas linhas na construção do ato, de acordo com o atual momento político do país. “A primeira como demonstração de indignação com os projetos em curso no país, que favorecem grupos privados e as transnacionais. Além disso, existe a necessidade de diálogo com as pessoas para mostrar a necessidade do projeto de Reforma Agrária”
Ataque contra os povos
Os caixões simbólicos levados nos ombros ao longo da caminhada carregavam a história das intervenções militares dos EUA em inúmeros países do mundo. Cada caixão continha o nome do país e o número de mortos. A pesquisa para a mística resgatou as primeiras intervenções mundiais dos EUA, ainda no final do século 19, nas guerras hispano-americanas, travadas pela disputa da região do Caribe, entre os Estados Unidos e a Espanha (a antiga metrópole).
O ato resgatou o nome dos países atacados frontalmente pelos EUA, como é o caso do Vietnã, onde a guerra deixou um rastro de 1,2 milhão de mortos. Mas também falou de países da América Latina e África, cujas ditaduras e guerras civis tiveram patrocínio dos EUA. Somente nos países da América Central, nos anos 1980, números oficiais apontam cerca de 330 mil mortos na Guatemala, Nicarágua e El Salvador. (Fonte: Brasil de Fato)