Agrocombustíveis: a nova fronteira das transnacionais

Pedro Carrano
do Paraná

A redução da emissão de gás carbônico no ar é urgente, assim como a troca da matriz energética mundial, baseada atualmente no carvão, petróleo e gás. Porém, a agroenergia surge e aprofunda a dependência econômica dos países tropicais. A fabricação de etanol (combustível desenvolvido a partir da matriz energética da cana ou do milho) e do biodiesel (óleo combustível que conta com sementes oleaginosas, como a soja), vai se dar dentro do modelo do agronegócio das grandes propriedades, capitaneado por empresas transnacionais, junto aos maiores bancos.

E tocou ao Brasil o papel principal na produção de agrocombustíveis. Hoje, Brasil e EUA dominam 70% da produção mundial de etanol, que no momento responde por apenas 8% do fornecimento mundial de combustíveis. Os EUA, dono de quase metade dos carros no mundo, produz apenas 2,5% de álcool para o mercado interno, a partir do milho. Porém, o objetivo é aumentar esses números e, como a monocultura do milho é mais custosa, o alvo das empresas estrangeiras é a produção de cana-de-açúcar no Brasil. Nosso país tem 200 milhões de hectares potencialmente agricultáveis, clima favorável, mão-de-obra barata, apoio do governo e facilidade de enviar capital para fora do país.

A informação é de Horácio Martins, engenheiro agrônomo, que aponta o aumento dos custos do petróleo como mais uma razão para o repentino interesse dos EUA em ter o Brasil como parceiro na produção de etanol: “Uma nação imperialista tende a controlar fontes de energia básicas, como urânio e petróleo, mas os Estados Unidos já não consegue controlar estes recursos, pois no caso do petróleo está tendo problemas com o Oriente Médio, Iraque e Afeganistão”, aponta.

Sem controle

Ao longo da História, cidades inteiras na América Latina foram construídas e logo abandonadas, de acordo com os interesses da produção. Agora, na economia atual, o etanol se soma às mercadorias exportadas para o mercado de outros países, como é o caso da madeira, da soja e dos produtos da agropecuária.

Então o confronto contra o modelo de agricultura familiar é inevitável. A agricultura familiar pode acabar “engolida” pela lógica do agronegócio, que pode afetar o trabalhador do campo, como aponta Horácio Martins: ao produtor restará abandonar a produção e a terra, ou então adotar a produção voltada para este novo mercado, ou ainda arrendar as terras para a produção de cana-de-açúcar. A questão passa a ser de soberania alimentar, se levamos em conta que a agricultura familiar é a responsável pela produção de alimentos para o mercado interno. São produzidos pelas mãos dos pequenos agricultores o feijão (78%), trigo (61%), tomate (76%) e arroz (39%) do país. (1)

Plínio de Arruda Sampaio, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), soma-se aos que denunciam a perda da soberania alimentar. “O biodisel, quando virar uma mercadoria para exportação, e tiver o estadunidense atrás para sustentar o preço, vai ficar mais rentável que qualquer outra cultura agrícola. Quem está produzindo arroz, batata, carne, vai produzir a agricultura energética, que vai dar mais dinheiro. Então, vai tirar investimento da agricultura alimentar e vai jogar este mesmo dinheiro na produção de energia”, reflete.

O agronegócio não permite competição e, como a sua definição é a de monopólio, logo deve tomar conta dos pequenos produtores. “Como produzir em escala para enfrentar a produção de celulose e cana das multinacionais? O modelo alternativo da agroecologia tem escala para fazer o enfrentamento?”, questiona Martins, e complementa: “O Brasil vai ser transformado numa plataforma mundial de produção de etanol, mas não controla as terras, o mercado internacional, a tecnologia e as terras”.

Índices de poluição

A agroenergia, dentro do modo de produção capitalista, não diminui a emissão de gases poluentes para o ar. O apelido de “energia limpa” não soa bem porque a produção de etanol e biodiesel na verdade passam por um processo produtivo, envolvendo recursos naturais.

O ciclo poluidor não se rompe. A produção de cana é dependente dos fertilizantes, que necessitam óleo diesel e derivados do petróleo. Misturado à gasolina, o etanol tem pouco efeito prático na descarbonização da economia, visto que a frota de veículos tende a aumentar e hoje em dia é responsável por 40% da emissão de poluentes no ar do planeta.

José Batista, da Via Campesina, aponta que a monocultura consome uma grande quantidade de água e causa desertificação, um fato historicamente comprovado em regiões do nordeste – basta ler o livro Geografia da Fome, de Josué de Castro. “Não é um projeto conciliável com a pequena agricultura, familiar, cooperada, são dois projetos em disputa. Estamos contra porque o que está em jogo é o futuro da humanidade. Cada litro produzido para exportação implica o uso de água que não será reposta. Temos o exemplo do plantio do eucalipto e da soja, que exigem muito do solo”, afirma Batista.

Expansão da cana

A empresa transnacional Cargill passou a comprar usinas na região de Ribeirão Preto, em São Paulo. O estado concentra 62% das plantas usineiras e 70% do que se mói de cana no Brasil. A meta dos usineiros junto as transnacionais é de ampliar as áreas cultiváveis em mais 1,7 milhão de hectares nos próximos cinco anos, somando uma área total de 5,4 milhões de hectares. “O Brasil vai ganhar em média uma usina de álcool e açúcar por mês até 2013. Hoje, com 336 unidades, deve chegar a 409 até o final da safra 2012/13”, descreve Horácio Martins.

De acordo com a organização de direitos humanos, Terra de Direitos, o avanço dos agrocombustíveis é um obstáculo à reforma agrária no plano econômico, mas também no plano jurídico, devido ao desrespeito às leis. Para garantir a expansão da monocultura, os usineiros contratam milícias armadas para expulsar trabalhadores Sem Terra, o que ocorreu no caso da fazenda Videira, no município de Guairaçá (PR). Famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam a fazenda – classificada como improdutiva pelo Incra – mas que estava arrendada pela Usina Santa Terezinha para o plantio de cana-de-açúcar. Os agricultores foram despejados com violência, na madrugada de 9 de março, por 20 pistoleiros que deixaram três pessoas feridas. Segundo informações da entidade, a Secretaria de Segurança Pública do Paraná vem sendo pressionada por usineiros do estado de São Paulo para realizar a reintegração de posse. (Pedro Carrano)

1. Dados organizados pelo professor Ariovaldo de Oliveira (USP) a partir dos estudos do Plano Nacional da Reforma Agrária, com base nos dados estatísticos do INCRA (cadastro 2003) e do IBGE (Censo Agropecuário 1995-96).