Aposta em commodities é retrocesso
Guilherme C. Delgado
Há evidências empíricas de todo tipo que corroboram a tese de que o Brasil vem perseguindo e obtendo no século XXI uma nova inserção no comércio mundial – uma nova posição primário-exportadora na divisão internacional do trabalho.
Segundo a publicação “Intercâmbio Comercial do Agronegócio – Trinta Principais Parceiros” (Brasília, Ministério da Agricultura, agosto de 2007), a parte principal do esforço exportador nos últimos sete anos se realiza por meio de cinco complexos agro-industriais: soja, carnes, produtos florestais, produtos do setor sucro-alcooleiro e produtos de couro e peleteria. Juntos, esses complexos agro-industriais concentram três quartos de partes das exportações do autodenominado agronegócio.
As exportações dessas cadeias agroindustriais vêm crescendo em ritmo mais rápido que o conjunto da economia e do comércio exterior, situação que passa a ser perseguida como objetivo das políticas agrícola-agrária, macroeconômica e de relações internacionais. Esta é uma informação factual que precisa ser analisada e principalmente interpretada a luz da pergunta original: “para onde vamos”?
Essa inserção primário-exportadora, na qual o segmento sucro-alcooleiro é o que mais vem se destacando recentemente, provocou uma curiosa mudança nas nossas relações macro-econômicas internacionais. O país carregou uma forte posição deficitária na conta corrente com o exterior durante os dois governos FHC, revertendo-a já em 2003, quando começou a apresentar saldo positivo nas “transações correntes”. Desde então, pagou-se antecipadamente dívidas com o FMI e Clube de Paris e, a partir de 2005, o país passou a formar novas reservas internacionais, adquirindo títulos do Tesouro norte-americano – o que significa financiar parte da dívida externa norte-americana.
Todos esses dados e informações, se vistos apenas pelos seus efeitos imediatos – de uma mera “dança de números” tão ao gosto de um certo tipo de exposição midiática -, seriam símbolo do sucesso total.
Mas vejamos o outro lado da moeda. A esta altura da evolução da economia mundial, apostar fortemente as nossas fichas na produção de commodities de baixo valor agregado em termos de transformação industrial e adição de serviços significa regressão e não avanço competitivo.
Por seu turno, os complexo agro-industriais em que o país mais cresce e exporta carregam endogenamente uma matriz de relações de trabalho, práticas ambientais e concentração fundiária altamente perversas em termos de distribuição de renda e riqueza agrária.
Apostar neste crescimento ou tornar-se dele “caixeiro-viajante”, como se auto-proclama o presidente Lula, é o mesmo que reinserir-se no velho padrão da “modernização conservadora” que o militares criaram e que o presidente Fernando Henrique Cardoso relançou no seu segundo mandato. Lula dá continuidade a isto, aprofundando o padrão com a opção de fazer deste país um imenso canavial.
Os ventos atais da economia ainda sopram bafejados pela vigorosa expansão asiática, capitaneada pela China, mas ancoradas no acordo tácito sino-norte-americano de altos déficits comerciais dos últimos e superávits dos primeiro. Mas esse crescimento é cíclico e, uma vez revertido, poria em perigo a maior parte dos indicadores de comércio internacional ora alcançados. Por isso, nosso crescimento precisa se apoiar firmemente na demanda interna, mantendo ou ampliando posições competitivas estruturalmente distintas das que ora são perseguidas pela nova inserção primário-exportadora.
Guilherme C. Delgado, economista do IPEA, é membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.