Água é a nova investida de transnacionais
Raquel Casiraghi,
Agência Chasque
A iniciativa do governo de Yeda Crusius em abrir o capital da Corsan não é uma ação isolada. Na última década, a participação de empresas transnacionais nos sistemas de distribuição de água aumentou bastante. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), as empresas investiram cerca de R$ 50 bilhões nas áreas de saneamento de países em desenvolvimento, principalmente na América Latina e na Ásia.
Na avaliação do pesquisador em direito ambiental, João Hélio Pes, a possível venda de ações da Corsan seguirá a tendência mundial de privatização do setor da água. Outras cidades latinas, como a capital da Argentina, Buenos Aires, e Cochabamba, na Bolívia, já repassaram o setor para as empresas privadas. No entanto, devido às altas taxas cobradas à população e o serviço de má qualidade prestado pelas empresas, a distribuição de água nos dois locais foi reestatizada.
“Essa é uma investida bastante grande não só no Brasil mas também em outros países, de corporações que monopolizam este setor da água, que é mais vantajoso, inclusive, do que o petróleo. Em termos de valores, as corporações que distribuem a água ganham mais do que as petroleiras. Há uma tentativa em abrir esses serviços nos países que ainda mantêm o controle público”, afirma.
No Brasil, Hélio cita a experiência mal sucedida de Manaus, capital do Amazonas. Em 2000, o governo estadual realizou o leilão da estatal Manaus Saneamento, que era responsável por 96% dos serviços prestados pela população de todo o Estado. Quem comprou foi a transnacional francesa Suez, por R$ 180 milhões. Metade do valor foi financiado com dinheiro público por meio de empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Atualmente, a cidade possui uma das mais altas contas de água e presta um serviço de péssima qualidade. O mais atingido, afirma o pesquisador, é a população pobre, que não tem condições de pagar por um recurso que é vital.
“No Rio Grande do Sul temos exemplo de políticas totalmente contrárias, como a empresa de saneamento de Porto Alegre, o DMAE, é um exemplo para o mundo, de como a empresa pública pode ser gerida e prestar bons serviços conservando o meio ambiente. A governadora infelizmente deixa de lado esse exemplo e toma a iniciativa de instituir a privatização branca na Corsan”, diz.
O governo do Rio Grande do Sul argumenta que a venda de ações da Corsan não seria total e promete permanecer com o controle da estatal. No entanto, Hélio enxerga a medida como uma “privatização branca”, pois prevê que as empresas privadas pressionarão para que o capital seja totalmente aberto no futuro. A água hoje é mais lucrativa do que o petróleo, que tem reservas limitadas e o preço no mercado internacional está muito alto. Além disso, analisa o pesquisador, o custo para extrair o mineral é bem maior do que para distribuir a água.
Hélio teme que as mudanças na Corsan possam ocorrer logo que a estatal tiver acionistas privados. Também critica as Parcerias Público-Privadas (PPP’s), que são estimuladas por organismos internacionais, entre eles o Banco Mundial.
“Tendo em vista que os serviços prestados por esta empresa pública envolvem bens ambientais de fundamental importância para o saneamento humano, que é a água e o saneamento. Quando há interesse no lucro, isto é bastante preocupante, já que o lucro tem preponderado em comparação à proteção dos bens ambientais. A empresa pública tem lucro, mas este é revertido para o próprio serviço. Já se for uma empresa privada, os acionistas irão querer ter o investimento aplicado, não mais nos serviços, mas sim no bolso”, diz.