A Amazônia dos paulistas e o capital
Por Raul Marcelo*
Vários conflitos políticos estão em curso no Estado de São Paulo, no entanto existe um processo que pouco tem chamado atenção, tanto por desinformação como pela blindagem que os grandes meios de comunicação estão operando para resguardar os interesses do grande capital nesta contenda. De um lado, o povo brasileiro em sua plena representação: Índios Guaranis, Quilombolas, Pequenos Agricultores e trabalhadores em geral; do outro, os interesses da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) com o seu proprietário Antonio Ermírio de Moraes.
Essa luta se desenrola na Região do Vale do Ribeira e envolve a intenção do mega-empresário Antonio Ermírio de construir uma Usina Hidroelétrica chamada de Tijuco Alto, com a respectiva barragem sendo construída no Rio Ribeira de Iguape, que corta toda Região do Vale do Ribeira. Tal portentoso projeto alagará 51,8 km2, aproximadamente 11 mil campos de futebol, abrangendo terra dos municípios paulistas de Ribeira e Itapirapuã, além de Adrianópolis e Cerro Azul, no Paraná, gerará 144 MW de energia a ser consumidos unicamente pela indústria de alumínio do Grupo CBA, localizada a 250 km dali, na cidade de Alumínio (SP).
A Região do Vale do Ribeira vive um paradoxo. Possui uma imensa riqueza natural, são 2,1 milhões de área de Mata Atlântica contínua, representando 21% do total preservado do país, uma biodiversidade incrível, dezenas de espécies de animais ameaçados de extinção: a onça-pintada, jaguatirica, veado-campeiro, jacutinga, jacaré-de-papo-amarelo e papagaio-de-cara-roxa, além de 42 espécies que vivem no local, como o beija-flor rajado, o boto-cinza, o zabalê e o mico-leão-da-cara-preta; mais de 270 cavernas catalogadas, e no entanto amarga o pior índice de desenvolvimento humano do Estado de São Paulo.
Para além da riqueza natural – que é fundamental que se preserve – o Vale também é detentor de uma importante riqueza social, são 51 Quilombos, 400 Índios Guaranis, assentamentos da Reforma Agrária do MST com o conceito da agroecologia, pescadores e uma enorme quantidade de pequenos agricultores, que juntos totalizam 38% da população, que vivem na zona rural, sendo das regiões que possui maior população rural do Estado.
Mesmo com as inúmeras áreas de preservação ambiental na Região do Vale, e a declaração pela Unesco de Patrimônio da Humanidade, o Rio Ribeira e sua bacia hidrográfica passam por um rápido processo de degradação, seja pelo desmatamento de sua mata ciliar, que em 20 anos perdeu o equivalente a 10.500 campos de futebol, seja pelo assoreamento de suas nascentes. Sendo clara a importância do Rio Ribeira de Iguape na articulação de todo este importante bioma, é que o Projeto de Lei 394/07 de nossa autoria foi proposto, que “Declara como Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental do Estado de São Paulo o rio Ribeira de Iguape” e, por conta da pressão do movimento social, aprovado no dia 28 de Junho desse ano pela Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP).
O Governo Serra, atendendo ao pedido do empresário Antônio Ermírio, vetou o Projeto de Lei. Para entender a razão do veto, que vai além das parcas palavras do Governador a respeito desse assunto, devemos mirar para o grande poder econômico desse empresário, intimamente ligado ao Governador.
O Grupo Votorantin possui inúmeras empresas atuantes em distintos ramos, figurando a Companhia Brasileira de Alumínio como uma das mais velhas e importantes: fundada em 1955, começou produzindo 4 mil toneladas de alumínio/ano, valor que cresce até atingir 475 mil toneladas em 2006; possui 18 usinas hidroelétricas, que abastecem 60% do consumo total de energia de suas indústrias, sua produção destina-se em 60% para o mercado interno e 40% para exportação. O seu ativo total ultrapassou 6 bilhões de reais no ano de 2006.
O que se percebe é que os dados acima servem na verdade para ocultar a relação desta empresa para com as comunidades e cidades abrangidas pela CBA, que revelam outros dados, e ao contrário dos primeiros, desastrosos. Segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano, organizado pelo Programa das Nações Unidas do Brasil (PNUD), as cidades paulistas onde o Grupo Votorantim construiu hidroelétricas desde a década de 50 não obteve melhoras no tocante ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), que relaciona educação, longevidade e distribuição de renda, pelo contrário, os piorou. Embora o IDH-M de todas essas cidades cresceu, o foi em menor intensidade que no restante do Brasil, pois ao elencá-las percebe-se que em três das quatro ocorre queda significativa. As cidades paulistas de Juquiá e Tapiraí possuem duas hidrelétricas cada, sendo que na segunda a construção da Usina Hidrelétrica da Barra terminou em 1986, momentos antes da primeira mensuração para o estudo, que deveria evidenciar os retornos desse empreendimento, como afirmam os empreendedores.
O processo de licenciamento para a liberação da construção da Usina Tijuco Alto, entrou em fase final, após as cinco audiências públicas organizadas pelo IBAMA na Região do Vale, onde a repulsa a tal empreendimento foi unânime entre os movimentos sociais, ambientalistas e moradores da região. No entanto, a palavra final será do Governo Lula, que através do IBAMA emite as licenças. Portanto podemos esperar que, assim como aconteceu com a Hidrelétrica do Rio Madeira, há possibilidade da liberação da barragem do Tijuco Alto e as outras três (Funil, Itaoca e Batatal), como consta no projeto original, o que acabaria com o patrimônio histórico, social e ambiental dessa região.
Por fim, convocamos uma Audiência Pública na ALESP, para articular uma campanha contra a barragem do Tijuco Alto e as demais vindouras do Rio Ribeira, em âmbito Estadual e Nacional. Foi um momento importante do movimento, que entre os diversos encaminhamentos tirados da Audiência destacamos a instituição de um “Comitê Em Defesa Do Desenvolvimento do Vale Sem Construção De Barragens”, aberta a adesão de pessoas e entidades que se identificam com esta importante luta. A possibilidade de derrotarmos o Capital nesta batalha, dependerá em grande medida da capacidade de articularmos um amplo movimento numa perspectiva de enfrentamento nacional, unificando amplos setores sociais.
* Raul Marcelo é deputado estadual pelo PSOL-SP (www.raulmarcelo.com.br)