A Jornada dos Sem Terrinha
Por Roberto Malvezzi (Gogó)*
Uma das cenas mais bonitas que já vi foi uma “mística” realizada pelos Sem Terrinha no centro de treinamento no norte do Espírito Santo. Crianças vindas dos acampamentos e assentamentos, bem cuidadas, sendo educadas, aprendendo desde cedo a pensar em valores comunitários e solidários, muito ao contrário de nossa juventude tantas vezes alienada e egocêntrica.
Hoje duzentos Sem Terrinha ocupavam uma praça aqui em Juazeiro, reivindicando escola. Depois me disseram que jornada é nacional. Fiquei pensando como me comportaria, como pai, vendo meus filhos debaixo da lona preta e tendo que participar de manifestações, desde a infância, para reivindicar o direito de estudar. É o que experimentam aqueles pais e crianças.
Um deles é o Vavá, que conheci ainda adolescente nas Comunidades Eclesiais de Base. Hoje casado, pai, liderança do movimento, estava cuidando das crianças enquanto uma comissão de lideranças e crianças era recebida pelo prefeito. Há muita gente digna nesse país.
O ódio de parcela da elite brasileira contra os Sem Terra não se arrefece. Pelo contrário, parece que cresce. Entretanto, abandonadas por todas as instituições do Estado, aquelas crianças só tem alguma esperança na vida porque existe um movimento que pensa nelas, que as organiza, que lhes dá uma esperança consistente, na terra e no estudo.
Um país que deixa suas crianças entregues à lona preta, quando não ao tráfico, não pode ter futuro. O único futuro vem das entranhas de seus próprios corações. Marginalizados, agredidos, perseguidos, carregam o orgulho da consciência esclarecida, conhecem a sociedade em que vivem, combatem suas desigualdades, propõem uma outra sociedade onde todos possam ter lugar…E escola.
O “povo” Sem Terra “é aquele que foi ao inferno e levou do demônio um tapa na cara”, costuma dizer João Pedro Stedile. Debaixo das lonas, nas praças, nas escolas, as crianças aprendem a percorrer os caminhos sofridos de seus pais. Porém, prosseguem com a cabeça erguida, para desespero de quem preferiria que não existissem.
* Roberto Malvezzi é membro da Comissão Pastoral da Terra