CTNBio desafia a Justiça e tem seus atos suspensos

A tentativa da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) de burlar ordem judicial e apressar as liberações comerciais de transgênicos fracassou. O Poder Judiciário determinou que a Comissão suspenda novamente as deliberações sobre as liberações comerciais de milho transgênico.

De acordo com a juíza Pepita Durski Tramontini Mazini, Juíza Federal Substituta da Vara Ambiental de Curitiba, em decisão desta semana, as normas recém elaboradas pela Comissão não atendem ao princípio da precaução e à Lei de Biossegurança e, portanto, deverão ser revistas. Com isso, as autorizações já concedidas para os milhos Liberty Link da Bayer e MON 810 da Monsanto estão suspensas.

Tratam-se das normas de coexistência e de monitoramento pós-liberação comercial de milhos transgênicos, cuja elaboração é requisito legal, e agora também judicial, para concretizar as autorizações já concedidas pela CTNBio e também para futuras autorizações.

Por desobedecer a legislação, a CTNBio foi obrigada, em 02/07/2007, por meio de decisão liminar, a estabelecer – previamente a qualquer liberação de milho transgênico – medidas de biossegurança para garantir a coexistência das variedades de milho orgânicas, convencionais ou agroecológicas com as variedades transgênicas. Também foi exigida a elaboração do plano de monitoramento aplicável após a introdução da espécie transgênica no meio ambiente.

A discussão das normas ocorreu em apenas uma reunião, na qual representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do IBAMA ressaltaram a importância da realização de estudos para subsidiar as normas de monitoramento e de coexistência. No entanto, um grupo de membros da CTNBio recusou-se a discutir o assunto e optou por aprovar uma proposta apresentada pelo Presidente da Comissão, que não havia sido discutida previamente. A Comissão sequer apreciou a proposta dos especialistas em meio ambiente e agricultura familiar.

Em resposta, alguns membros da Comissão chegaram a se retirar da sala em protesto contra a falta de embasamento científico e a pressa na aprovação de regras tão relevantes.

A Juíza Pepita Mazini, ciente da importância de tais medidas de biossegurança, repudiou as resoluções elaboradas pela Comissão, declarando: “(…) não bastando à comissão elaborar referidas normas da forma como lhe aprouver, à evidência, como forma de mera resposta ao provimento judicial, mas sim com atenção ao princípio da precaução e probabilidade de futuros danos ambientais e à saúde humana. Sendo assim, a decisão será considerada cumprida apenas se elaboradas as normas de forma pertinente, nos termos determinados pela Lei de Biossegurança“.

As normas elaboradas pela CTNBio são mais uma demonstração clara do seu descaso para com a biossegurança, a legislação brasileira e o Poder Judiciário. As ilegalidades são patentes. Na Resolução Normativa 3, a CTNBio delegou às próprias empresas apresentar um plano de monitoramento referente a sua espécie transgênica aprovada – ao invés de cumprir sua atribuição imposta pelo artigo 14, III, da Lei 11.105/05.

Por sua vez, a Resolução Normativa 4, que deveria tratar de coexistência de variedades de milho transgênicos, convencionais, orgânicos e ecológicos, se resumiu a estabelecer distâncias mínimas de 100 metros entre os cultivos transgênicos, agroecológicos e convencionais, irrisórios para uma cultura polinizada pelo vento.

De acordo com Gabriel Fernandes, agrônomo da AS-PTA, “a medida da CTNBio iria promover uma contaminação massiva do milho, acabando com diversidade genética que os agricultores familiares conservam e também com o direito de consumirmos alimentos livre de transgênicos”.

Para Maria Rita Reis, advogada da Terra de Direitos, “Uma vez mais a CTNBio demonstrou total descompromisso com a Biossegurança e a sociedade brasileira. A Comissão recusa-se a discutir biossegurança, preocupando-se apenas com os interesses das transnacionais de biotecnologia. O problema da contaminação e o direito dos agricultores cultivarem variedades não-transgênicas têm que ser tratados com seriedade.”.

Especificamente sobre a Resolução 4, a decisão consignou que: “É certo que este Juízo não detém o conhecimento técnico necessário para indicar exatamente quais regras de coexistência devem ser elaboradas pela comissão. Contudo, é evidente que, mesmo para o homem médio, exclusivamente a determinação de distanciamento mínimo entre as espécies de milho não se mostra suficiente a tanto, até pelo que foi asseverado na decisão proferida e acima transcrita. Vislumbra-se que não foi apontada nenhuma medida de biossegurança, procedimentos, restrições, etc, conforme determina a Lei de Biossegurança.”

Comentando a decisão judicial, Frei Sérgio, do Movimento dos Pequenos Agricultores, afirmou que “finalmente alguém na estrutura do poder do Estado brasileiro entendeu o risco da dilapidação genética que os transgênicos vão trazer para a biodiversidade brasileira”.

A decisão judicial atendeu a uma solicitação das organizações não-governamentais ANPA – Associação Nacional dos Pequenos Agricultores, AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa, IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e Terra de Direitos na ação civil pública que movem em face da União Federal para questionar as liberações de milhos transgênicos.

Histórico

Em 15/06, as organizações da sociedade civil (Terra de Direitos, Idec, AS-PTA e ANPA) ajuizaram ação civil pública contra a União Federal com o objetivo de anular a decisão técnica da CTNBio que autorizou a produção, comercialização e consumo do milho Liberty Link da Bayer e suspender quaisquer outras liberações de milho transgênico antes da elaboração de normas de biossegurança e regras específicas de liberações comerciais.

A aprovação do milho Liberty Link ocorreu na reunião da Comissão realizada em 16/05/07, tendo sido publicada no Diário Oficial da União somente em 08/06/07.

As organizações fundamentam a ação por meio de diversas afrontas à legislação brasileira cometidas durante todo o processo de liberação do mencionado milho transgênico, que, se não sanadas atingirão todas as demais liberações. Destacam: a inexistência de normas que orientem devidamente a CTNBio nos casos de liberação comercial de transgênicos; a falta de regras de monitoramento de OGM e de coexistência; a desconsideração das questões formuladas e de documentos entregues por organizações à Comissão. Outro argumento apresentado é a precariedade e insuficiência das respostas da empresa proponente, no caso a Bayer, a uma série de questões apresentadas por membros da CTNBio.

Além disso, ponderam as autoras da ação civil pública que existem riscos à saúde e ao meio ambiente associados ao milho Liberty Link ignorados pela CTNBio, apesar de apontados em pareceres de membros da Comissão. Entre os riscos estão o uso de gene de resistência a antibiótico – o que não é recomendado pela OMS (Genebra) /FAO (Roma), o Conselho Internacional para a Ciência (Paris), a Royal Society (Londres), a Academia Nacional de Ciências (Washington DC); e o aumento da quantidade do agrotóxico glufosinato de amônio, o que provoca vários impactos ambientais e à saúde.

Em 28/06/07, a Juíza Pepita Durski Tramontini Mazini, Juíza Federal Substituta da Vara Ambiental de Curitiba – PR, suspendeu a decisão técnica da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) referente à liberação do milho Liberty Link da Bayer.

Segundo a Juíza, a decisão da CTNBio não poderá surtir qualquer efeito até que sejam elaboradas normas de coexistência das variedades orgânicas, ecológicas e convencionais com as variedades transgênicas e até que sejam definidos os termos do monitoramento do milho Liberty Link. A liminar ainda impede a liberação do milho da Bayer nas regiões Norte e Nordeste antes da realização de estudos ambientais nas referidas regiões.

Em julho, a ANVISA e o Ibama apresentaram recurso ao Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS contra a decisão da CTNBio de liberar o milho Liberty Link. Mais recentemente, a ANVISA apresentou recurso ao Conselho também contra a liberação do milho MON 810.

Fonte: ASPTA