Fiscalização de trabalho escravo recomeça na segunda
O ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, anunciou que o grupo móvel de fiscalização retomará as suas atividades na próxima segunda (15). Composto por auditores fiscais do trabalho, procuradores do trabalho e policiais federais, essa equipes são responsáveis pela libertação de escravos em todo o país.
As operações de verificação de denúncias e libertações de trabalhadores estavam suspensas desde o dia 21 de setembro. O motivo foram as pressões sofridas pelo grupo móvel por senadores. Eles questionam uma fiscalização realizada em junho deste ano na fazenda de cana e usina Pagrisa, em Ulianópolis (PA), quando 1.064 pessoas foram resgatadas. O ministério aptou por paralisar as atividades até que fosse garantida segurança funcional aos auditores.
O anúncio foi feito na manhã de hoje em evento em Brasília, após a assinatura de um termo de cooperação técnica entre o Ministério do Trabalho e Emprego e a Advocacia-Geral da União (AGU), prevendo o acompanhamento jurídico permanente das ações desenvolvidas pelo grupo móvel, com suporte de advogados aos fiscais que forem chamados por autoridades públicas para prestar esclarecimento sobre suas ações.
No período em que as atividades ficaram suspensas, entidades governamentais e organizações da sociedade civil saíram em defesa do sistema de combate ao trabalho escravo e do grupo móvel, fato que ganhou grande repercussão dentro e fora do país. “Foi uma vitória e serviu para demonstrar que não há força capaz de impedir uma ação republicana do Estado brasileiro para promover a cidadania”, disse Carlos Lupi. De acordo com a Secretaria de Inspeção do Trabalho, já há ações programadas atendendo a denúncias de trabalhadores rurais.
Além do advogado geral da União, ministro José Antônio Dias Toffoli, também estavam presentes o senador José Nery (PSOL-PA), presidente da subcomissão do Trabalho Escravo do Senado Federal, e Laís Abramo, diretora do escritório da Organização Internacional do Trabalho no Brasil.
Caso Pagrisa
A Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego suspendeu, no dia 21 de setembro, todas as novas operações que fiscalizariam denúncias de trabalho escravo no país. De acordo com memorando de Ruth Vilela, chefe da secretaria, direcionado ao ministro do Trabalho Carlos Lupi, o motivo foi a desqualificação de uma operação de libertação de escravos por uma Comissão Temporária Externa do Senado Federal e ameaças feitas por esta comissão contra os fiscais do trabalho. No dia anterior (20), cinco senadores visitaram a fazenda Pagrisa, localizada em Ulianópolis (PA), que no dia 30 de junho foi palco da maior libertação de trabalhadores da história do país.
A visita parlamentar contou com a presença dos senadores Romeu Tuma (DEM-SP), Flexa Ribeiro (PSDB-PA), Kátia Abreu (DEM-TO), Cícero Lucena (PSDB-PB) e Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE). Eles anunciaram que pediriam a abertura de inquérito da Polícia Federal para verificar os procedimentos adotados pelo grupo móvel durante a autuação da Pagrisa. Segundo a Agência Senado, Kátia Abreu afirmou que a empresa “é muito bem administrada e forma uma comunidade de trabalhadores rurais”, explicando o porquê de uma investigação aprofundada sobre o grupo móvel. A senadora, quando deputada federal, atuou contra a aprovação da proposta de emenda constitucional que prevê o confisco das terras em que trabalho escravo for encontrado.
De acordo com a Secretaria de Inspeção do Trabalho do MTE, a visita dos senadores, que atacaram a fiscalização, instalou um clima de insegurança que colocou em risco a continuidade das operações. Vale lembrar que os auditores fiscais do trabalho que atuam na zona rural têm sido vítimas de violência por parte de fazendeiros descontentes com as autuações. O caso mais famoso foi a chacina de três auditores e um motorista do MTE no dia 28 de janeiro de 2004, em Unaí (MG), durante uma fiscalização de rotina. Mas não é o único: em 8 de fevereiro do ano passado, o grupo móvel foi recebido a balas por fazendeiros, apoiados por policiais militares, em Nova Lacerda (MT). Ameaças contra o grupo já eram constantes antes das declarações dos senadores.
No mesmo dia 21 de setembro, o Ministério Público Federal no Pará ajuizou ação penal por trabalho escravo contra Murilo Vilella Zancaner, Fernão Villela Zancaner e Marcos Villela Zancaner, proprietários da Pagrisa por causa da ação de libertação dos trabalhadores. Eles são acusados de frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho (artigo 203 do Código Penal), expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente (artigo 132) e reduzir alguém a condição análoga à de escravo (artigo 149).
De acordo com a assessoria do MPF, a gravidade dos crimes cometidos pelos irmãos Zancaner justifica a aplicação da pena máxima de 15 anos de prisão. O Ministério Público concluiu, com base nas provas e no relatório, que os irmãos Zancaner, “dotados de vontade livre e consciente, reduziram os 1064 trabalhadores a condição análoga à de escravo, submetendo-os a trabalhos forçados, a jornada exaustiva e cerceando a liberdade de locomoção desses trabalhadores, por meio da dificuldade de saída da fazenda, pela parca percepção de vencimentos, atrelada à cobrança excessiva pelos medicamentos e à cobrança de transporte para a cidade”.
Legislativo contra Executivo
A Comissão Externa foi criada a partir de um requerimento do senador Flexa Ribeiro. José Nery (PSOL-PA) chegou a propor que a visita contasse também com a presença de membros da Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), mas a proposição não foi aprovada pelos seus pares. A Comissão só contou com parlamentares favoráveis à Pagrisa.
“A demissão em massa dos empregados vem ocasionando manifestações discordantes do procedimento empregado pela fiscalização, especialmente de entidades civis, líderes locais e da população do município, apreensivos com as conseqüências da demissão”, afirmou na época Flexa Ribeiro.
Desde a megaoperação, o senador Flexa Ribeiro vem realizando lobby pela empresa, que cultiva cana-de-açúcar e produz açúcar e etanol. Durante a fiscalização, ele foi trazido em um avião da própria Pagrisa para acompanhar a ação de libertação.
Em reunião no gabinete do ministro Carlos Lupi (PDT), no dia 12 de julho, Flexa Ribeiro acusou o grupo móvel de fiscalização do MTE de abuso de poder. Também estavam presentes na reunião os deputados Giovanni Queiroz (PDT-PA) e Paulo Rocha (PT-PA), além do presidente da empresa, Marcos Villela Zancaner, do presidente da Federação das Indústrias do Estado do Pará, José Conrado, e do presidente da Confederação Nacional da Pesca e Aqüicultura, Fernando Ferreira.
Humberto Célio Pereira, coordenador da ação de libertação, tem sido um dos mais atacados por senadores que defendem a empresa. Mas ele mantém o que foi escrito em seu relatório de fiscalização: a situação era degradante, com trabalhadores que não ganhavam salários, já que os descontos ilegais realizados pela empresa consumiam quase tudo o que havia para receber. A comida fornecida estava estragada e havia várias pessoas sofrendo de náuseas e diarréia. A água para beber, segundo relato dos empregados na fazenda, era a mesma utilizada na irrigação da cana e, de tão suja, parecia caldo de feijão. O alojamento, de acordo com Humberto, estava superlotado (não havia espaço para todos) e o esgoto corria a céu aberto. Vindos em sua maioria do Maranhão e do Piauí, os trabalhadores não tinham transporte à disposição para levá-los da fazenda ao centro de Ulianópolis, distante 40 quilômetros.
A Petrobras e a Ipiranga, entre outras distribuidoras de combustíveis signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, afirmaram que deixaram de comercializar com a empresa até que seja regularizada sua situação trabalhista.
O ministro Carlos Lupi defendeu a operação de fiscalização na Pagrisa em reunião da Conatrae, no dia 31 de julho, quando os ministérios, demais órgãos públicos e organizações da sociedade civil que compõem a comissão divulgaram uma nota pública reafirmando o apoio às ações do grupo móvel e criticaram as pressões sobre o combate ao trabalho escravo.
Por diversas vezes, houve tentativas de interferência política no trabalho do grupo móvel, principalmente quando os proprietários das fazendas eram políticos ou empresários importantes. Um exemplo foi o caso do segundo secretário da Câmara dos Deputados Inocêncio Oliveira (PR-PE), de cuja fazenda foram libertados 53 trabalhadores no Maranhão em 2002. Na época, houve tentativas para se abafar o caso, mas o governo federal manteve a fiscalização. Da mesma forma, o MTE e empresas socialmente responsáveis sofreram pressão de deputados federais, inclusive do então presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti, devido à operação de fiscalização que libertou 1003 pessoas da Destilaria Gameleira, em Confresa (MT), em junho de 2005. Na época, o ministro Ricardo Berzoini chegou a expulsar representantes da empresa que vieram pressioná-lo em seu gabinete.
Mudanças trabalhistas
Políticos que apóiam a Pagrisa têm reclamado de que as fiscalizações rurais são feitas de surpresa, não dando tempo para os proprietários se prepararem para receber o grupo móvel.
Essa foi exatamente uma das razões que levou ao MTE a criar uma equipe que respondesse diretamente a Brasília, sem sofrer interferências políticas e econômicas regionais. Antes do grupo móvel, era comum a informação sobre a fiscalização vazar, dando tempo para o fazendeiro esconder os trabalhadores e maquiar a situação.
No memorando que suspende as fiscalizações, a Secretaria de Inspeção do Ministério do Trabalho e Emprego fala da necessidade de que as diligências para verificação de denúncias sejam in loco e sem agendamento prévio, garantindo o flagrante das condições degradantes quando elas existem.
De acordo com o Diário do Pará, Jarbas Vasconcelos e Kátia Abreu sinalizaram durante a visita que podem propor mudanças na legislação sobre o tema.
Fazendeiros têm pressionado para tirar poderes da fiscalização rural. A última tentativa nesse sentido havia sido a de aprovar uma lei (a emenda 3 ao projeto que criou a Super Receita) que previa que os auditores fiscais não teriam poder para reconhecer vínculos empregatícios no caso de contratos de pessoas jurídicas, ficando esse dever a cargo da Justiça. Na prática, isso tirava os poderes da fiscalização, haja vista que há muitos fazendeiros que montam uma empresa de fachada para o seu contratador de mão-de-obra empregar safristas. Dessa forma, ele se livra dos direitos trabalhistas que também nunca serão pagos pelo contratador – boa parte das vezes tão pobre quanto os peões. O Congresso aprovou, Lula vetou e os trabalhadores foram às ruas para apoiar o veto.
Com as boas condições mostradas à mídia, os senadores voltam à Brasília com um fato político construído. Entidades da Conatrae já apontavam que a visita seria desdobrada na tentativa de implantação de medidas que restringissem a fiscalização rural.
O aumento do interesse mundial por biocombustíveis e a grande demanda por outras commodities, como carne bovina, faz com que o governo e parte do empresariado e até dos trabalhadores mirem nos ganhos econômicos que isso vai trazer. O resultado disso é que criticar os impactos sociais, ambientais, fundiários e trabalhistas da cana hoje tem sido visto como um entrave ao crescimento.
Debate no Senado
Senadores que pediram a apuração da Polícia Federal a respeito da ação do grupo móvel de fiscalização da fazenda Pagrisa, em Ulianópolis (PA), de onde foram libertados 1.064 trabalhadores, ocuparam a tribuna, na terça-feira (25), para se posicionar sobre o caso.
No plenário, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) classificou a operação realizada na fazenda de Ulianópolis (PA) de “aberração” e chegou até a insinuar que houve falsificação de documentos no caso Pagrisa. Ela lembrou inicialmente que “toda a comunidade se colocou ao lado da empresa Pagrisa neste caso e também ao lado dos trabalhadores, porque a preocupação com relação ao emprego é muito importante naquela região” e que os relatórios da comissão dos deputados estaduais do Pará e da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Pará (Fetagri/PA) “concluíram que não há absolutamente resquício de trabalho escravo na Pagrisa”.
Entidades ligadas ao combate ao trabalho escravo condenaram a interferência dos senadores.
Disse ainda a senadora aos seus pares que “estranhou” a indignação da secretária de Inspeção do Trabalho, Ruth Vilela, que distribuiu memorando interno definindo a suspensão das atividades do grupo móvel em virtude do risco provocado pela interferência de membros do Senado. “Se sou gestora pública ou privada, chefe de um departamento ou de uma secretaria e recebo denúncias pesadíssimas de abuso de algum servidor público meu ou de uma empresa privada, tenho que ter a humildade de querer verificar, tenho que ser a primeira a verificar os abusos e corrigir as distorções praticadas na instituição que represento”.
“Queríamos formar uma comissão suprapartidária para vermos o que de real está acontecendo no Brasil desde 1995, quando foi criada essa comissão móvel de fiscalização nas propriedades rurais”, reiterou ela. “Fizemos a primeira visita e, com certeza, não será a última”, anunciou.
Presidente da comissão externa, o senador Jarbas Vasconcelos (PSDB-PE) fez um aparte na fala de Kátia Abreu para dizer que o Senado “não pode intimidar-se por um chilique de uma Ruth da vida”.
“Se Ruth da vida quer ter um chilique e ameaça fazer greve, fazer isso ou aquilo, que faça. Porém, esta Casa não pode dobrar-se a esses caprichos”, emendou. Segundo Jarbas, “nem a Dona Ruth nem o ministro – que, com todo o respeito ao PDT, acho uma figura bastante folclórica, o titular do Ministério do Trabalho – vão nos intimidar”. E concluiu: “Esse trabalho da patrulha móvel, da fiscalização móvel é importante e deve continuar sendo feito; a auditoria deve aprimorar-se, mas não vamos concordar com o excesso de ninguém, nem com o deles, nem com o da Polícia Federal, nem com o de quem quer que seja, senão, esta Casa se avacalha mais ainda”.
Já José Nery (PSOL-PA), presidente da Subcomissão Temporária do Trabalho Escravo, apresentou dados que contrastaram com a postura dos outros senadores. Salientou que em 13 fiscalizações ocorridas na Pagrisa nos últimos oito anos, 11 constataram graves irregularidades. E na fiscalização feita no mês de junho, foram identificadas, entre outras irregularidades, alojamentos inadequados e jornada exaustiva (de até 15 horas diárias). “Tudo isso faz parte do relatório do grupo móvel que foi entregue, e o Ministério Público [Federal], ao receber a denúncia, formalizou-a à Justiça Federal em Castanhal e, ontem [segunda-feira (23)], a juíza, doutora Carina Cátia Bastos de Senna, recebeu a denúncia e vai dar seguimento a essa ação para apurar o que de fato houve”, prosseguiu.
O senador do PSOL lembrou que a empresa terá todos os meios para se defender na Justiça, mas foi interrompido por Kátia Abreu que insistiu por várias vezes que o relatório do grupo móvel determinou a condenação “transitada em julgado administrativamente”. Para sustentar tal afirmação, ela sublinhou que as distribuidoras de combustível deixaram de comprar álcool da fazenda. Em outra intervenção, Kátia Abreu chegou até pedir à Petrobras e ao governo federal que “reveja a situação dessa empresa, cuja venda de álcool foi cortada na primeira vistoria, sem direito à defesa”. Na realidade, empresas como a Petrobras e a Ipiranga, signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, decidiram cortar voluntariamente relações comerciais com a Pagrisa depois da divulgação das libertações na propriedade que cultiva cana-de-açúcar.
A imprensa também foi atacada. A senadora Kátia Abreu ameaçou processar a Repórter Brasil e seu coordenador geral por calúnia e difamação devido à matéria divulgada sobre o caso Pagrisa.
Contra-ataque
Na manhã do dia seguinte (26), Carlos Lupi foi ao Senado Federal defender a atuação do grupo móvel de fiscalização no caso da fazenda e usina de cana-de-açúcar Pagrisa, em Ulianópolis (PA). Ele discursou durante reunião da Subcomissão Temporária do Trabalho Escravo, que havia sido marcada em caráter extraordinário.
Lupi chegou ao local com um carrinho de mão contendo 18 volumes do relatório sobre a fiscalização da Pagrisa – que, juntos, somam cinco mil páginas – e entregou o conjunto dos documentos aos dois senadores que presidiam a reunião, José Nery (PSOL-PA), presidente da subcomissão, e Paulo Paim (PT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), para que os documentos fossem copiados e distribuídos aos demais senadores.
O ministro exibiu as fotos da fiscalização e enumerou os problemas encontrados na fazenda. Disse estar disposto a conversar com os senadores, mas que só o faria “dentro da lei” e que não poderia adaptar a legislação trabalhista às conveniências de uma empresa ou de um senador. Lembrou ainda que esta não havia sido a primeira fiscalização sofrida pela Pagrisa, mas destacou que a situação encontrada pelo grupo móvel na última ação era insustentável. Por fim, Carlos Lupi pediu aos presentes que manifestassem apoio à operação comandada por auditores fiscais do trabalho.
A pressão gerada pelos senadores fez com a proposta de emenda constitucional que prevê o confisco de terras em que trabalho escravo for encontrado, que foi aprovada no Senado e aguarda segundo turno de votação na Câmara, fosse colocada novamente na pauta de discussão do Congresso.
Acareação
A comissão externa do Senado criada para analisar a ação do grupo móvel de fiscalização do governo federal na fazenda Pagrisa, de onde foram colheu, na terça-feira (2), os depoimentos do auditor fiscal Humberto Célio Pereira, do procurador Luiz Antônio Fernandes e do diretor-adjunto da empresa, Fernão Vilela Zancaner. Os três envolvidos no caso da propriedade localizada em Ulianópolis (PA) falaram aos senadores em uma sala lotada, com mais de 80 presentes, entre parlamentares, funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), repórteres e convidados da Pagrisa.
Na opinião do subprocurador-geral e coordenador nacional de combate ao trabalho escravo do Ministério Público do Trabalho (MPT), Luís Antônio Camargo, os senadores “não conseguiram desqualificar o trabalho do grupo móvel”. Ele frisa que a comissão externa “não tem propósito” e que a questão está sendo superdimensionada. “Essa situação é prejudicial até para a própria empresa, que fica aparecendo na mídia no meio de uma discussão sobre trabalho escravo.”
O senador José Nery (PSOL-PA), presidente da Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo, defende que o caso siga o procedimento normal: que a empresa entre na Justiça, que sejam sanadas as irregularidades e que ela prossiga produzindo. Para ele, é muito difícil que a comissão tome uma decisão isenta sobre a ação fiscalizatória. “Qualquer decisão será política”, ressalta.
Primeiro a falar, o auditor fiscal Humberto exibiu um vídeo em que trabalhadores reclamam das condições de trabalho, logo nos primeiros dias da operação. Também leu uma matéria do jornal Folha de S. Paulo com depoimentos dos trabalhadores. Um deles disse ter sido tratado “como porco” na fazenda. Humberto mostrou ainda fotos tiradas pela equipe de fiscalização e enumerou as irregularidades encontradas. O procurador Luiz Antônio Fernandes ratificou as palavras de Humberto Célio e declarou que assume “toda a responsabilidade” sobre o relatório do MTE. “O lugar onde se armazenava a carne era irrespirável”, testemunhou. Lembrou também que ainda não se havia definido o abuso de poder que teria sido cometido pela equipe do grupo móvel. Disse, por fim, que o Ministério Público do Trabalho (MPT) apenas defende a legislação. “É uma questão de mudar a lei. Se ela disser que trabalho escravo agora é só apanhar de chicote, então o Ministério Público do Trabalho só vai considerar trabalho escravo onde se apanha de chicote”, provocou.
Como parte de sua exposição, o diretor da Pagrisa exibiu um outro vídeo em forma de telejornal, na qual apresentadores afirmam que a empresa tem “profundo respeito pelo ser humano” e que os alojamentos da fazenda seguem “padrões de hotelaria”. O vídeo exibido pela empresa sustenta a tese de que os trabalhadores foram iludidos pela equipe de fiscalização, diante da oferta de recebimento das verbas rescisórias e do seguro-desemprego, e por isso concordaram em se demitir.
O diretor adjunto da empresa, Fernão Vilela Zancaner, reforçou a argumentação apresentada no vídeo produzido pela empresa e insinuou diversas vezes que teria havido abuso de poder por parte da fiscalização. Segundo ele, não houve contenção de salários. “Temos os recibos de pagamento e comprovante de depósito no banco”, argumentou. Também afirmou que os depoimentos dos trabalhadores registrados no relatório eram iguais, com nomes diferentes.
Uma outra versão do mesmo material audiovisual exibido pela Pagrisa na sessão da comissão externa está desde o início de setembro disponível na internet, no site You Tube. O procurador Luiz Antônio Fernandes declarou que vai entrar com um pedido de indenização por danos morais contra a empresa pela utilização indevida de sua fala nas duas edições do vídeo. Em um dos trechos de ambas as versões, o procurador aparece dizendo a seguinte frase: “Quando eu cheguei aqui, eu vi que a empresa oferecia boa estrutura”. Porém, a parte complementar da declaração, em que o procurador ressalta que há diversos problemas no tratamento dado aos trabalhadores, foi cortada. “A estrutura é boa, o problema é o tratamento”, repetiu aos senadores.
Os depoentes não chegaram a ser interrogados porque a sessão foi suspensa devido a uma votação no plenário da Casa. A sua continuidade foi marcada e desmarcada diversas vezes desde então.
No dia seguinte (3), em reunião extraordinária da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, representantes do governo federal e de instituições da sociedade civil discutiram os desdobramentos do caso da fazenda Pagrisa e apresentaram novas propostas para intensificar o combate à escravidão contemporânea.
Com o apoio dos membros da Conatrae, a retomada das atividades foi sinalizada. Faltava apenas a garantia de segurança e integridade funcional dos auditores fiscais que fazem parte do grupo móvel – firmada hoje com a Advocacia-Geral da União.
Fonte: Agência Repórter Brasil