Organizações lançam Rede pela Democratização da Comunicação

Com o apoio de mais de duzentos ativistas de 32 organizações presentes ao I Encontro Paulista pela Democratização da Comunicação e da Cultura, realizado entre os dias 19 e 21 de outubro, foi lançada a Rede Paulista pela Democratização da Comunicação e da Cultura. Resultado da iniciativa das entidades que tradicionalmente organizam a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação no estado, a rede recém-lançada tem o intuito de estabelecer um diálogo permanente entre as organizações que atuam ou buscam atuar nas questões ligadas à comunicação e à cultura.

O processo de formação da rede começou no final de 2006, durante o seminário preparatório para o Encontro. A partir daí, definiram-se seis eixos de discussão: pluralidade e diversidade de meios de comunicação; mídias livres, populares e comunitárias; comunicação e educação; mídia, ética e violação de direitos humanos; convergência, internet e inclusão digital; políticas culturais e do audiovisual.

No Encontro Paulista, os debates em torno das bandeiras, ações e funcionamento foram contemplados em painéis e grupos de discussões, sendo a formação da rede em si reservada ao último dia do evento. “Cada eixo foi debatido separadamente e depois houve grupos de discussão para a definição das bandeiras de luta e das propostas de ação, estabelecidos por consenso na plenária final”, explica Fátima Nassif, do Conselho Regional de Psicologia, uma das organizações que integram a rede.

Objetivos e perspectivas

Uma das funções do novo fórum será a de disseminar a pauta das entidades, possibilitando a articulação de movimentos que atuam em diversas áreas. “A formação da rede representa um importante passo para que a questão de uma comunicação democrática seja apropriada por todos os setores dos movimentos sociais”, explica Júlio Delmanto, membro da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos). A constatação também é feita por Bia Barbosa, do Intervozes: “a comunicação e a cultura precisam, definitivamente, deixar de serem debatidas apenas por ‘especialistas’”.

Entre os participantes, a democratização da comunicação é apontada como fundamental para a garantia de direitos e a constituição de uma verdadeira democracia no país. “As transformações necessárias na sociedade brasileira só serão alcançadas com democracia na mídia”, diz Fernanda Estima, da Marcha Mundial das Mulheres. Fernanda contesta, por exemplo, a imagem da mulher transmitida pela mídia, especialmente pela TV. “De novelas aos programas de humor, passando pelos noticiários, todos eles, sem exceção, reforçam preconceitos, o machismo e a desigualdade entre homens e mulheres”. Na perspectiva de transformar esse quadro, Fernanda conta que já existem ações no Ministério Público contra programas que violam a dignidade das mulheres e que está em formação a “Articulação Mulher & Mídia”, que pretende aprofundar a discussão.

Fátima Nassif, do Conselho Regional de Psicologia, conta que questões como a influência da mídia na subjetividade e seus efeitos nas crianças e adolescentes têm recebido maior importância atualmente, apesar de não estarem dissociados “das condições políticas, estruturais e econômicas que caracterizam o sistema de comunicações”. Segundo ela, a importância da Rede se dá em “poder organizar essa luta, na medida em que já nasceu com uma carta de princípios e indicativos de ação definidos por consenso e, por ter uma abrangência regional, pode se dedicar a aprofundar e encaminhar questões locais, articulando-as com as grandes questões de nível nacional”, afirma Fátima.

Outra organização que dá importância à questão da comunicação e a incorpora entre suas bandeiras é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Além da discussão da pauta, há também a produção de mídia própria: um jornal, uma revista e uma página na internet. Igor Felippe Santos, do setor de comunicação do movimento, conta que o MST considera “fundamental construir seus próprios meios de comunicação e ter autonomia para dialogar com a sociedade”. A incorporação se dá por conta da constatação de que “a reforma agrária só seria possível com a participação de toda a sociedade e setores urbanos” e por isso a articulação é essencial. Nesse contexto, de acordo com ele, uma das funções da rede deve ser a de “se envolver e alimentar todas as lutas sociais para incentivar o fortalecimento do movimento de massas no país”.

A importância da difusão da pauta entre os movimentos sociais se faz ainda mais urgente quando se constata o papel que a mídia vem cumprindo frente às organizações populares. Para Júlio Delmanto “o que se vê na mídia é um claro direcionamento das coberturas no sentido de demonizar qualquer movimento que conteste o status quo”. Nesse sentido, Igor Felippe assinala ainda que a mídia “apaga a perspectiva das classes subalternas, criminaliza os movimentos sociais e passa valores, ideologias e pensamentos contrários ao povo brasileiros e às mudanças sociais necessárias”.

Bráulio Araújo, do Instituto Sócio-Cultural e Ambiental do Pontal do Paranapanema, acredita que a utilização das tecnologias digitais potencializa o panorama da difusão e do acesso à cultura, e que as duas lutas devem caminhar juntas. “A democratização da comunicação é efetivamente obtida não apenas com a ampliação do acesso, mas com a efetiva utilização dos meios de comunicação por diversos indivíduos e coletivos para a veiculação de produções próprias”, afirma Araújo. “Além disso, a democratização da cultura se insere nesse contexto na medida em que os bens culturais são difundidos pela mídia”, diz.

Ampliação da articulação

As bandeiras e ações que foram definidas no encontro são o ponto de partida para a ampliação da articulação entre as entidades e organizações envolvidas. Bia Barbosa explica que “a partir desses eixos, desenvolveremos ações coletivas, consideradas prioritárias para o próximo período, que busquem tratar da realidade do nosso estado diante do cenário nacional das comunicações”.

Entre os princípios e objetivos políticos da Rede está a luta pelo fortalecimento das mídias alternativas; apoio aos movimentos sociais, com respeito à sua autonomia; combate aos oligopólios e monopólios dos meios de comunicação; promoção de uma cultura livre e defesa do acesso livre à cultura e conhecimento. Já as suas bandeiras apontam para a criação de um sistema público de comunicação com participação popular, radicalização do processo de inclusão digital, defesa da comunicação colaborativa e compartilhada, preservação do espaço digital como sendo público e a produção comunicativa como forma de inclusão social e emancipação das juventudes.

Leia a íntegra da Carta de Lançamento da Rede Paulista pela Democratização da Comunicação e da Cultura

CARTA DE LANÇAMENTO DA REDE PAULISTA PELA DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO E DA CULTURA

São Paulo, 21 de outubro de 2007.

Aos comunicadores (as) populares, jornalistas profissionais, assessores (as) de organizações sociais, produtores culturais, artistas, estudantes, militantes dos movimentos sociais, da mídia comunitária, livre e alternativa.

Entre dos dias 19 e 21 de agosto de 2007, aconteceu o I Encontro Paulista pela Democratização da Comunicação e da Cultura, que contou com a presença de mais de 200 militantes de organizações e movimentos sociais e populares. Durante os três dias de evento, foram debatidos temas como: a concentração da mídia, as violações aos direitos humanos cometidas pelos meios de comunicação, a convergência digital, as políticas culturais e as iniciativas de comunicação comunitária, popular, livre e alternativa.

Diante do cenário de concentração da mídia, de criminalização dos movimentos sociais, das tentativas de calar a população, da sua exclusão da mídia, da sua impossibilidade de acesso à produção de comunicação e cultura e da necessidade de ação organizada e coletiva para efetivar as transformações necessárias no atual panorama da comunicação e da cultura, as organizações presentes lançaram a Rede Paulista pela Democratização da Comunicação e da Cultura.

Princípios e objetivos políticos

• Contribuir para o fortalecimento das mídias livres, independentes, alternativas, populares e comunitárias, com o desenvolvimento nacional de tecnologias livres;
• Apoiar as lutas dos movimentos sociais populares e respeitar suas bandeiras, reivindicações e métodos de ação;
• Denunciar e combater as violações dos Direitos Humanos e as manipulações dos meios de comunicação que criminalizam e desqualificam as lutas populares;
• Defender e apoiar as políticas públicas que contribuam para resgatar a dignidade humana, a cidadania e a melhoria das condições de vida;
• Combater os monopólios e oligopólios dos meios de comunicação;
• Trabalhar pelo fortalecimento de políticas públicas comuns de comunicação, educação e cultura;
• Defender a comunicação como um direito humano e um bem público;
• Defender a diversidade e pluralidade nos e dos meios de comunicação social;
• Defender a liberdade de expressão para todos e todas, com garantia de regulação nos meios de comunicação;
• Defender o controle social dos meios de comunicação;
• Defender o direito à informação.
• Promover uma cultura livre, aberta, desmercantilizada e colaborativa;
• Defender do acesso livre à cultura e ao conhecimento;
• Respeitar a dignidade e os Direitos Humanos, dando visibilidade aos interesses da população, seus movimentos e seus Direitos fundamentais, como o direito à moradia; ao trabalho; à saúde e à educação.

Bandeiras

• Criação de um sistema público de comunicação em São Paulo, com mídias públicas fortes, conselhos de acompanhamento da programação e de definição das políticas públicas com efetiva participação popular e mecanismos de controle social, com dotação orçamentária do estado;
• Promoção e fortalecimento das políticas públicas de educomunicação, no sentido de contribuir para o desenvolvimento de crianças e jovens autônomos e independentes frente aos meios de comunicação, tornando-os produtores de informação e, conseqüentemente, protagonistas dos processos comunicativos;
• Radicalização dos programas de inclusão digital, incluindo o ambiente escolar, com o uso exclusivo de software livre;
• Inclusão dos temas ligados a comunicação e cultura nos processos de formação continuada dos professores da rede pública estadual e das redes municipais;
• Produção comunicativa como forma de inclusão social e emancipação das juventudes;
• Defesa de um ambiente de fazer cultural no qual os autores e as autoras não estejam submetidos aos interesses dos intermediários;
• Preservação do espaço digital como espaço público de manifestação popular e acesso livre à cultura e ao conhecimento;
• Defesa do uso de tecnologias livres que favoreçam a ampliação e democratização dos transmissores, tais como GNU/Radio, Wi-Max e outros;
• Incentivo ao debate pela democratização da comunicação, contribuindo para o acúmulo de forças e mobilização para a transformação social;
• Defesa da comunicação colaborativa e compartilhada entre mídias alternativas, comunicadores populares e movimentos sociais.

Entidades que aderem à Rede

Abraço São Paulo • Aliança Internacional de Jornalistas – Brasil • Artigo 19 • Associação Cantareira • Ativismos Midiático • Centro Acadêmico Benevides Paixão – PUC/SP • Centro Acadêmico Vladmir Herzog – Cásper Líbero • Centro Acadêmico Florestan Fernandes – Escola de Sociologia e Política • Camará Comunicação e Educação Popular • Ciranda da Informação Independente • Conselho Regional de Psicologia • Departamento de Jornalismo da PUC • Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social – Enecos • GENS Serviços Educacionais • Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social • Instituto Paulo Freire • Instituto Pensarte • Jamac – Jardim Míriam Arte Clube • Jornal Brasil de Fato • Jornal Contraponto • Marcha Mundial das Mulheres • Oficina da Praxis • Projeto Cala-boca Já Morreu • Projeto Revista Viração.

Fonte: Juliana Sada, do Observatório do Direito à Comunicação