Um balanço da marcha do MST

As três marchas do Movimento Sem Terra, que percorriam o Rio Grande do Sul nos últimos dois meses, com o intuito de chegar à Fazenda Guerra, em Coqueiros do Sul, a fim de pressionar o Governo Federal e o Governo Estadual em relação à desapropriação dessas terras, encerraram a mobilização na segunda-feira, dia 12 de novembro. Sem atingir o objetivo inicial, o movimento acordou com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) o assentamento de duas mil famílias até o final do próximo ano. Um avanço se pensarmos que, de 2002 a 2007, apenas 800 famílias Sem Terra foram assentadas. Mas um recuo, se analisarmos que o documento que autoriza a desapropriação da Fazenda Guerra está aguardando desde setembro apenas a assinatura do presidente Lula.

Em entrevista, Cedenir de Oliveira e Irma Ostruski, da coordenação estadual do MST, falam sobre o encerramento das marchas, os pontos positivos e negativos dessa mobilização, que percorreu praticamente todo o Estado em 62 dias e os planos do movimento para 2008.

Confira as entrevistas publicada originalmente no portal IHU On-Line

Você pode explicar a decisão de interromper a marcha antes de se atingir o objetivo inicial, que era a desapropriação da Fazenda Guerra?

Cedenir de Oliveira – Nosso objetivo era denunciar a plantação de eucalipto, debater com a sociedade a importância da Reforma Agrária e pressionar o Governo Federal para fazer o decreto de desapropriação da Fazenda Guerra. Na verdade, nós fizemos uma reunião em Passo Fundo, intermediada pelo Ministério Público junto com o Incra, em que aconteceu um ato das entidades de Carazinho. E, a partir disso, nós chegamos ao entendimento de que a nossa tarefa, nesse momento, estaria cumprida, porque o Incra apresentou um cronograma de assentamentos e, sobretudo, conseguimos pautar a Reforma Agrária e fazer um bom debate sobre a sua importância. Além disso, nos sentimos representados na mobilização dos sindicatos junto ao centro da justiça, em que eles questionaram a decisão arbitrária da juíza que impediu que as marchas continuassem com o seu destino.

Irma Ostruski – Nós conseguimos avançar nas negociações com o Governo Federal ainda na semana passada, numa audiência pública que houve em Passo Fundo, junto com o Ministério Federal e Estadual. Nessa audiência, o Incra se comprometeu em assentar duas mil famílias até o final do ano que vem. Além disso, conseguimos negociar a regularização do fornecimento das cestas básicas e das lonas para os acampamentos e a garantia do governo de continuar trabalhando em cima do processo de desapropriação da Fazenda Guerra e da Fazenda Southall. No nosso entendimento esses são compromissos assumidos diante do Ministério Público Federal e Estadual, que, a partir de agora, também irá cobrar para que se concretizem. O outro motivo que nos leva a encerrar as marchas é a interdição da Comarca de Carazinho pela justiça da cidade. Ela impediu a continuação da marcha, tentando promover um confronto entre os sem-terra e a Brigada Militar. Na nossa visão, isso também não é o objetivo das famílias, já que quando há confronto sempre os que saem prejudicados são os sem-terra, que não têm armas nem condições de fazê-las. Dentro dessa situação, a nossa avaliação é de que nós tivemos conquistas e avanços. Com isso, encerramos as marchas.

Quais são os pontos positivos da marcha?

Irma Ostruski – A conquista da sociedade em todas as cidades por onde passamos, a partir dos debates realizados, é um dos principais pontos positivos da marcha. A população apóia o Movimento Sem Terra, apóia a Reforma Agrária, apóia desapropriações de latifúndios. Tudo isso é muito importante, porque demonstra que nós não estamos sozinhos nessa luta. Esse compromisso de assentamento de duas mil famílias também é uma conquista. Isso representa um grande avanço, à medida que, nos últimos cinco anos, nós assentamos, aqui no Rio Grande do Sul, apenas 800 famílias e em nenhum momento o Governo Federal se comprometia com o assentamento de tantas pessoas. Embora os assentamentos não sejam concretos, agora nós temos um número para cobrar. Isso é um avanço, embora saibamos que novamente teremos de lutar para garantir esse avanço.

Quais são os pontos negativos da marcha?

Irma Ostruski – O que tem de negativo é a posição que o judiciário e o Governo do Estado tomaram em relação às marchas.

E como está o diálogo com os Governos Federal e Estadual?

Irma Ostruski – Com o Governo Federal, embora a Reforma não tenha avançado com estes compromissos que já falei, o diálogo é bom. O diálogo com o Governo Estadual, no entanto, praticamente não avançou, já que ele não prioriza a agricultura camponesa nem tem interesse em contribuir para os processos de Reforma Agrária. Tanto é que uma das áreas que o governo do Estado deveria ter liberado há três anos não nos foi cedida ainda. O Governo Federal mandou o dinheiro para esse assentamento, mas o governo do Estado desviou esses recursos, não pagando o proprietário da área. O governo do Rio Grande do Sul tem compromissos reais com o agronegócio, com as empresas de celulose, com o grande latifúndio e a única coisa que ele colocou nas marchas foi a Brigada Militar para reprimir os sem-terra. Foi essa a única participação do Estado.

Quais são os planos do MST gaúcho para o próximo ano?

Cedenir de Oliveira – A partir de agora, nós vamos começar um debate interno de avaliação de toda essa jornada que construímos nesse ano de 2007, desde a mobilização de 8 de março, com as mulheres, passando pela jornada de abril, pelo 5º Congresso em Brasília – que contou com a participação de 20 mil pessoas -, até essas marchas. Então, iremos fazer uma avaliação desse processo que construímos. Estamos programando um grande encontro estadual para o início de janeiro, para refletir sobre esse momento que vive a Reforma Agrária e projetar os anos de 2008 e 2009.

Os assentamentos acertados para o 2008 são satisfatórios para o MST gaúcho?

Cedenir de Oliveira – Acho que, mais do que os assentamentos das duas mil famílias, o importante foi o debate que nós construímos ao longo desses 62 dias com a sociedade gaúcha sobre a importância da Reforma Agrária. Então, o papel que as marchas deveriam cumprir foi cumprido. Sobretudo, nesse aspecto do diálogo com a sociedade. Também é importante a questão desse cronograma que o Incra nos apresentou, até porque nesse ano não havia sido feito nada em relação à Reforma Agrária aqui no Estado. Este cronograma nos dá um alento, porque, a partir de agora, podemos acompanhar a movimentação do Incra, para que esses acordos sejam cumpridos.

O que irá acontecer com essas famílias que estavam na marcha?

Irma Ostruski– As famílias retornam aos seus acampamentos de origem, acampamentos de São Gabriel, Pedro Osório, São Pedro do Sul, Tupanciretã, Bossoroca e região de Porto Alegre. Isso para avaliarmos a marcha e planejarmos o ano que vem.

O que o MST pretende fazer em relação à Fazenda Guerra?

Cedenir de Oliveira – A Fazenda Guerra ainda espera uma análise do Governo, que deve assinar o decreto que desapropria as terras. O fato de nós encerrarmos as marchas ontem (referindo-se ao dia 12 de novembro) não quer dizer que nós encerramos a disputa por aquela fazenda. Mais cedo ou mais tarde, o assentamento das famílias nas terras da Fazenda Guerra será feito. A luta pela desapropriação da Fazenda permanece.

Irma Ostruski – Em relação à Fazenda Guerra, embora esses processos estejam andando na Casa Civil, dependendo apenas da assinatura do presidente, sua área não foi liberada, mas eles não descartaram a possibilidade de desapropriá-la. Então, há ainda a expectativa de isso acontecer até o fim deste ano ou no início do ano que vem. Mas nós estamos dispostos a não ficar parados esperando o governo decidir se assina ou não esse documento. Nós ainda vamos nos mobilizar, com certeza, para exigir que o compromisso assumido pelo Governo Federal seja cumprido e também para exigir a desapropriação dessas áreas. A luta do movimento continua. As marchas se encerram agora, mas podemos retomá-las a qualquer momento, assim que as famílias avaliarem que o compromisso ao governo não está sendo colocada em prática.

A marcha pode ter acabado pelo enfraquecimento da coluna, devido às inúmeras barreiras, diminuindo os integrantes, como foi dito em alguns jornais?

Cedenir de Oliveira – Isso não é verdadeiro. A marcha terminou porque chegamos ao entendimento de que era o momento ideal para isso acontecer. Foi fruto dos acordos que construímos com o Incra e com a mobilização feita. As famílias que estavam nas marchas irão retornar aos acampamentos de origem. Isso não altera as condições com que as famílias estão e estavam vivendo. Internamente, havia uma disposição muito grande em permanecer nessa mobilização, mas o fato é que, após dois meses nessa jornada, nós entendemos que essa etapa interrompe a luta, ou seja, ela se cumpriu. A partir de agora, precisaremos construir outras formas de mobilização para que a Reforma Agrária seja pautada.

Quantas famílias vocês pretendem assentar no ano que vem?

Cedenir de Oliveira – A proposta do Incra é que, até o meio de abril do ano que vem, serão assentados mil, e mais mil até o fim de 2008. Daqui para o final do ano que vem seriam assentadas, portanto, duas mil famílias.

Como você avalia a batalha para entrar na Comarca de Carazinho?

Cedenir de Oliveira – Eu acho que é importante salientar essa mobilização da quarta coluna, porque, no nosso entendimento, a marcha chegou a Carazinho. Nos sentimos representados nas mais de 500 lideranças do Rio Grande do Sul inteiro, que foram lá se manifestar e marchar dentro da cidade, a fim de questionar a decisão dessa juíza, que foi arbitrária. E o acordo só não ocorreu porque a juíza não foi autorizada pela Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul). Nós do movimento tínhamos a intenção de fazer um acordo de montar um acampamento em Carazinho e que o Governo do Estado pudesse pagar a Fazenda que está desapropriada há mais de quatro anos em São Borja. Esse acordo não foi possível porque a Farsul não autorizou a juíza fazer, o que foi denunciado. Porém, pelo fato de a quarta coluna da marcha ter entrado em Carazinho, entendemos que nos sentimos representados nessas entidades.